O ministro do Supremo Tribunal Federal (SFT), Luís Roberto Barroso, fez palestra na Acij sobre “O Momento Institucional Brasileiro e Uma Agenda Para o Futuro”. O encontro marcou o encerramento das reuniões da entidade em 2018. Foi aplaudido de pé ao final de sua fala por uma plateia que lotou o auditório.
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Disse que o futuro do Brasil passa por três pilares: reforma política com voto distrital misto, reforma na previdência e no sistema tributário e atenção a revolução digital com impacto direto na economia.
– Precisamos de reformas, evidentemente. É imperativa a reforma da Previdência. A questão é aritmética e não ideológica. O atual sistema de previdência é transferidor de renda dos pobres para os ricos. São os pobres que pagam essa conta. É falta de patriotismo não colocá-la na agenda.
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Sobre educação, chamou a atenção para os três graves problemas: a não alfabetização das crianças na idade adequada, a evasão escolar e a aprendizagem defasada no ensino médio em relação às exigências contemporâneas.
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Democracia, livre iniciativa e justiça social são os pilares sobre os quais o Brasil vem caminhando, desde a Constituição de 1988. Segundo Barroso são valores que o Brasil precisa manter e sustentar e por essa razão não se justifica a instalação de uma nova Assembleia Constituinte.
Destacou aspectos da realidade:
– Apesar de a fotografia do momento atual ser sombria, o filme dos 30 anos da democracia brasileira é um filme bom, inclui três décadas de estabilidade constitucional, estabilidade monetária, inclusão social, crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre outros. Acho que a última batalha de nossa geração é empurrar a corrupção estrutural e endêmica para margem da história.
A seguir, o pensamento do ministro.
O senhor defende com veemência a reforma da Previdência. Por que ela é tão importante?
Luís Roberto Barroso – A reforma da Previdência é imperativa. A questão é aritmética e não ideológica. O atual sistema previdenciário transfere renda dos pobres para os ricos. É falta de patriotismo não colocá-la na agenda. A segunda reforma fundamental é a tributária. O sistema tributário precisa ser simplificado. Há nele algumas coisas incompreensíveis. Exemplifico: no Brasil, apenas para cumprir as regras tributárias, as empresas gastam 2.038 horas por ano. Apenas para cumprir as regras. Não falo para pagar os tributos.
E a economia está mudando. Como avalia a transição para um mundo completamente digital?
Barroso – Tivemos três revoluções ao longo da História: a da escrita, a da agricultura e a industrial. Vivemos, agora, a quarta – a revolução digital. Ela permitiu a massificação do aparelho celular e do computador. E a interconexão global via internet. Vivemos sob uma nova gramática. E uma nova semântica. Vejamos algumas palavras que constam de nosso cotidiano há pouquíssimos anos e sem as quais não vivemos: Google, Uber, WhatsApp, Waze, Spotify, YouTube, Facebook e Instagram.
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Há um deslocamento da formação da riqueza.
Barroso – A fonte de riqueza vai deixando de ser, progressivamente, a produção de coisas para ser a produção de conhecimento e ciência. É a era da biotecnologia, da robótica, da impressão 3D, da nanotecnologia, da computação quântica.
O STF julga nesta quarta-feira o projeto que concede indulto de Natal até mesmo para presos por corrupção. O senhor é relator e se posicionou contra.
Barroso – Se o STF derrubar meu voto contrário, sai todo mundo (os presos da cadeia).
Há quem pregue uma nova Constituinte. O que o senhor pensa a respeito?
Barroso – Sou contra uma nova Assembleia Constituinte. A Constituição de 1988 não é a ideal, mas ela nos ajudou a fazer a transição de um Estado autoritário, por vezes violento, para o momento democrático que vivemos. Convocar uma Assembleia Constituinte não é um ato de poder. Isso tem de vir de baixo, ser um instrumento desejado pela sociedade. A atual Constituição tem três pressupostos: a democracia, a livre-iniciativa e a justiça social. E assim tem de ser. Nada justifica uma nova Constituinte. Até porque talvez possa surgir algo pior.
Como enxerga este momento institucional brasileiro?
Barroso – Apesar de a fotografia do momento ser sombria (corrupção endêmica, maior nível de desemprego, violência e criminalidade enormes), o filme dos 30 anos de democracia é um filme bom. Ninguém pode negar que conquistamos estabilidade política, estabilidade monetária com o Plano Real. Tiramos 30 milhões da extrema pobreza. Neste período, derrotamos a ditadura, derrotamos a inflação. A última batalha da nossa geração é empurrar a corrupção estrutural e endêmica para a margem da história.
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Dá para vencer a corrupção?
Barroso – Precisamos de um pacto de integridade. Criar uma cultura de honestidade. Vivemos a cultura do passar os outros para trás, do compadrio. Ainda persiste a ideia de que alguns estão acima da lei. A lei penal deve ser aplicada a todos. Temos grande dificuldade de punir quem faz desvios de R$ 10 milhões. Há um pacto oligárquico. Estamos num momento de transformação profunda. Há uma intensa demanda por idealismo. Sou muito otimista. A História é um fluxo contínuo a favor da melhora civilizatória.
Temos problemas sérios. Na política…
Barroso – O sistema político-eleitoral deve mudar. Para baratear os custos das eleições e para aumentar a representatividade do Congresso. Há um descolamento entre a classe política e a sociedade. Mas, claro, não há alternativa à política.
Que sistema eleitoral defende?
Barroso – O sistema político precisa facilitar a governabilidade. Proliferam as demandas fisiológicas. Defendo o voto distrital misto.
A criminalidade e a violência preocupam o STF?
Barroso – O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Em 2017, aconteceram 63 mil homicídios. É mais do que na guerra da Síria. Temos que revisitar a política das drogas. O Rio de Janeiro é a prova de que a atual política não funciona. Não tenho solução pronta. Mas a estratégia atual não está funcionando.
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O senhor apontou dois grandes problemas nacionais. E a corrupção?
Barroso – A corrupção é outro dentre os maiores problemas que temos de enfrentar. É a corrupção endêmica e sistêmica que nos atrasou e nos mantém como um país de renda média. Somos a oitava economia do mundo, mas no índice de percepção de desenvolvimento, estamos na 96ª posição de um conjunto de 180 países.
Nossa origem histórica ajudou a criar o ambiente de corrupção?
Barroso – Somos de uma tradição patrimonialista portuguesa. Nossa História, como país independente, começou em 1808, com a vinda da família real, fugida de Napoleão. São apenas 210 anos! A corrupção foi produto de um esquema profissional de uma elite oligárquica, política. Com um contágio impressionante para diferentes direções: Executivo, Legislativo, Judiciário e iniciativa privada. O Brasil está tentando derrotar este mal.
O que há de novo nessa luta?
Barroso – A sociedade despertou e já não aceita o inaceitável. Essa é a energia que empurra a História para o lugar certo. A velha ordem resiste. Tem gente poderosa defendendo a velha ordem. Tem muitos interesses.
Há obstáculos no caminho, então.
Barroso – Temos obstáculos à frente. Os progressistas acham que a corrupção é uma nota de rodapé da História. Estão errados. A elite brasileira acha que a corrupção ruim é somente a dos outros. Também está errada. E os corruptos não querem ser punidos. O arco de alianças contra o pacto pela integridade é multipartidário.
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Siga o dinheiro é uma frase clássica.
Barroso – O problema não é para onde o dinheiro vai. O problema é de onde ele vem.
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