Em entrevista à coluna, o economista José Álvaro Cardoso, do Dieese-SC, faz análise da situação econômica, fala sobre relações de poder nesta hora de crise provocada pela pandemia do coronavírus. Confira a seguir:

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A crise econômica está no início. E deve ser longa, atingindo, principalmente pequenos negócios e trabalhadores menos qualificados. Você concorda com esta análise?
Será longa, certamente, está só no início. Ela pegará também o grande negócio, pois esta crise será maior que a verificada na Grande Depressão, em 1929, e que afunilou para a Segunda Guerra Mundial. As razões principais, essencialmente, são as que provocaram a crise de 2007/2008.

Por quê?
Há o descolamento entre as esferas da produção real da economia e o mundo financeiro, dos papéis, da especulação. Portanto, é uma crise que se origina nos grandes negócios e, como tal, pegará todos. O risco sistêmico é muito maior nesta crise, do que foi em 1979, 1987 ou 2008.

O mercado está contaminado?
Há inúmeros sinais, emitidos pelos donos do capital no mundo todo, de que o risco da crise econômica se disseminar, somado agora ao coronavirus, é muito elevado. Os governos estão adotando medidas extremas, indicação de que as informações são ainda mais graves do que as quais temos acesso.

As medidas adotadas pelo governo federal são corretas?
O governo brasileiro não percebeu ainda a gravidade da crise, está querendo insistir na política ultra neoliberal. No mundo todo as políticas são de caráter keinesiano, ou seja, grandes investimentos estatais, para tirar a economia do buraco. A Alemanha, pátria da austeridade fiscal, está botando 35% do PIB na recuperação da economia e enfrentamento do vírus.

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O que nos ensina os Estados Unidos?
É didático prestar atenção no plano aprovado na madrugada do dia 25 de março, no Congresso dos Estados Unidos, que aponta a magnitude da crise que os norte-americanos estão vislumbrando. Trata-se do mais importante plano econômico da história da economia mundial. A previsão é de um gasto de quase 2 trilhões de dólares, equivalente a cerca de 
R$ 10 trilhões. Para efeito de comparação, o PIB brasileiro no ano passado foi de 
R$ 7,3 trilhões.

Lá, a população também terá dinheiro na mão para sobreviver.
Os repasses diretos de dinheiro, que alcançarão a maior parte dos cidadãos norte-americanos, será de 1,2 mil dólares por pessoa adulta e 500 dólares por cada menor de idade. Essa ajuda direta aos cidadãos poderá alcançar 500 bilhões de dólares. O plano prevê também uma linha de crédito de 367 bilhões de dólares para pequenas e médias empresas, e um fundo de 500 bilhões para indústrias, cidades e estados. Os trabalhadores demitidos receberão o seguro-desemprego durante quatro meses, no valor habitualmente pago no respectivo Estado, mais um dinheiro extra de 600 dólares.

Aqui, o governo libera R$ 600.
Aqui o governo concede uma esmola para os trabalhadores. Seria o momento de atender os trabalhadores de baixa renda com um valor decente de sustentação das famílias. Seria a hora de amparar o pessoal pobre, que recebe o Bolsa Família, a grande massa de trabalhadores informais, os micros empresários. O Brasil tem condições técnicas e financeiras para realizar ações dessa envergadura. Possui, por exemplo, o cadastro único da população pobre, com 80 milhões de pessoas.

O que deveria ser feito?
Há algumas medidas que deveriam ser adotadas pelo governo. 1) combater imediata e vigorosamente a fome; 2) amparar de várias formas o pessoal pobre, os que recebem o Bolsa Família, a grande massa de trabalhadores informais e os micros empresários; 3) injetar recursos no SUS para suportar à sobrecarga, que inevitavelmente virá com a chegada do pico da pandemia; 4) usar as reservas internacionais, de 346 bilhões de dólares, para atender as necessidades da população, garantindo, por exemplo, o máximo isolamento social da população, combinado com uma política de renda mínima; 5) aumentar o patamar da dívida pública para atender as necessidades da crise, como estão fazendo governos no mundo todo.

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A política social do governo, emergencial, trará qual efeito prático?
Muito pequeno. Talvez evite, no curto prazo, os saques e a convulsão social. Este valor é quase o custo de uma cesta básica em Florianópolis (R$ 517 em março).

O coronavírus paralisou o país. O PIB vai cair no mundo, e o que virá então? Como o Dieese enxerga o futuro?
É muito difícil de prever, muitas possibilidades estão em aberto. Mas esta é a mais grave crise da história do sistema capitalista. Acho que depois das crises (econômica e sanitária) o mundo não será mais o mesmo. Mas não sabemos se será um mundo melhor ou pior.