Fernando Borba, CEO da Line Invest, de Joinville, braço do BTG Pactual, fala, nesta entrevista, sobre cenários econômicos pós-Coronavírus e analisa o mercado financeiro, traçando comentários sobre desempenho econômico. As opiniões e argumentos apresentados são pessoais e não tem por objetivo a consultoria, oferta, solicitação de oferta, ou recomendação para a compra ou venda de qualquer investimento ou produto específico.
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Borba enxerga queda de 4% no PIB, neste ano; alerta para dificuldades grandes para o setor de varejo, por conta da explosão de desemprego — 13,5% em dezembro de 2020 — e consequente redução de renda e de massa salarial. Para investidores, a lição natural: diversifique a alocação de recursos.
Como a Line Invest/ BTG Pactual enxerga o cenário atual da crise econômica derivada do Coronavírus?
Fernando Borba – Efeitos do Covid-19 levam nossa projeção de IPCA para 2,3% ao final de 2020. Apesar da alta no preço de alimentos, a deflação do preço da gasolina deverá permanecer neste ano o que, somado ao impacto negativo que o Coronavírus tem causado na atividade econômica, levam as projeções de inflação para território mais benigno, ignorando, inclusive, a maior depreciação cambial.
Além disso, projetamos um déficit primário de R$ 600 bilhões (-8,3% do PIB). A combinação de novas medidas de combate ao Covid-19, anunciadas e na iminência de serem aprovadas pelo Congresso Nacional, bem como o aprofundamento da recessão este ano, levarão o déficit fiscal do governo central para R$ 570 bilhões. Em resposta ao Covid-19, o avanço temporário dos gastos públicos fará com que o endividamento bruto do país se aproxime de 90% do PIB.
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O que acontece com o Real?
Borba – Com relação ao Real, projetamos uma taxa de câmbio de R $4,80/US$ no fim de 2020. A apreciação da moeda doméstica frente ao patamar atual assume que o surto do Coronavírus estará controlado no Brasil e no mundo até o fim do ano. A maior recessão econômica resultará em uma diminuição significativa das importações e das despesas líquidas com serviços e rendas. A recessão doméstica e o cenário externo mais adverso diminuirão o investimento direto no País para US$ 55bilhões.
Desemprego em massa é coisa certa. Que outros efeitos ainda poderão vir?
Borba – Situação dos empregos no Brasil é frágil. Apesar das recentes medidas propostas pelo governo de combate ao desemprego e auxílio aos trabalhadores informais durante a crise do Coronavírus, a taxa de desemprego no Brasil deve atingir níveis recordes já esse ano, com impactos significativos na massa salarial. Segundo os dados da PNAD do IBGE, os empregos formais (população ocupadas no setor privado com carteira assinada e população ocupada no setor público) representam apenas 48% do total dos empregos no país. Assim, boa parte da população está empregada em setores informais, que não contam com proteções legais ao emprego e não tem direito ao auxílio desemprego do governo.
Isso tem a ver com microempresas, grandes empregadoras.
Borba – As micro e pequenas empresas foram as grandes responsáveis pela geração de emprego formal em 2019, abrindo 731 mil vagas formais enquanto as médias e grandes fecharam 88 mil vagas, de acordo com dados do CAGED. No momento, nossa expectativa é a de que a taxa de desemprego atinja 13,5% ao final de 2020, vindo de 11,4% em fevereiro desse ano. Vale destacar que não só o emprego, como também a renda deve ser altamente afetada por conta da crise.
Há setores que poderão sair mais fortalecidos, ou o Coronavírus vai arrastar todos os segmentos para o poço?
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Borba – Vários são os setores que estão sendo impactados pela crise do COVID-19, como é o caso do turismo, porém outros setores como agronegócio tiverem impactos menores se comparado com os demais.
Há quem aposte em queda de pelo menos 5% no PIB do Brasil neste ano. Qual é a sua análise?
Borba – Esperamos uma queda de 4% no PIB em 2020. Os indicadores apresentados até agora apontam um forte declínio da atividade em março e em abril, alterando fortemente nossa projeção. No entanto, vale destacar que ainda não é possível mensurar com precisão a totalidade do impacto que as medidas de isolamento social têm causado na economia e, assim, não podemos descartar quedas ainda maiores na atividade local.
No mercado financeiro, as quedas na Bolsa tendem a continuar? É possível fazer projeções?
Borba – Para tempos de grande incerteza é imprescindível ter um portfólio diversificado. Enquanto o Ibovespa caiu 30% em março, o impacto da crise nos preços dos ativos brasileiros ainda não é claro. Com um cenário incerto à nossa frente, a área de análise do Banco BTG Pactual decidiu aumentar a qualidade e a defesa de nosso portfólio, além de torná-lo mais diversificado. Agora temos uma combinação de exposição cambial/chinesa, pagadores de dividendos, revendedores resilientes, serviços financeiros e software.
Que estragos o colapso da Bolsa causou?
Borba – O colapso de 30% do Ibovespa em março (-40% em USD; S&P 500 -13%) fez com que nosso índice P/L oficial a prazo de 12 meses parecesse atraente à 9,1x (e um favorável prêmio para se manter ações, em 6,5%). No entanto, como nossas estimativas de lucro são revisadas para números mais realistas, provavelmente concluiremos que o P/L provavelmente está muito mais próximo de sua média histórica.
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O endividamento das empresas não parece alto. E isso é um fator favorável.
Borba – As empresas listadas no Brasil estão menos alavancadas, possuindo uma saúde financeira muito melhor para enfrentar uma crise do que há alguns anos, com menor alavancagem e margens líquidas mais altas. Desde 2015, as empresas listadas no Brasil se desalavancaram bastante. Estimativas indicam que elas terminaram 2019 com uma relação dívida líquida/EBITDA de 1,8x, abaixo de 2,9x em 2015, e espera-se que a desalavancagem continue em 2020.
E a lucratividade?
Borba – Da mesma forma, agora elas são muito mais lucrativas do que alguns anos atrás. De acordo com nossos modelos da área de análises do BTG Pactual, as margens líquidas aumentaram para 12,9% em 2019, ante 10,7% em 2016.
A longo prazo, o que recomenda para os investidores?
Borba – Muitos investidores estão tentando acertar o fundo (menor cotação do ativo antes da retomada da tendência de alta), porém numa análise de longo prazo, este investidor deve procurar: i) empresas com um forte histórico de entrega de resultados superiores; ii) empresas com balanços patrimoniais fortes; iii) exposição cambial via exportadores com boa demanda por seus produtos e particularmente expostos à China (momento atual); iv) bons e consistentes pagadores de dividendos, com altos rendimentos; v) grandes bancos; e vi) modelos de negócios resilientes. Com isto em mente, o investidor poderá reduzir a volatilidade da carteira de ações e ainda aproveitar o próximo ciclo de retomada da economia.
Em quais ativos recomenda aplicar dinheiro, considerando tantas incertezas?
Borba – A alocação dependerá do perfil de cada investidor, podendo ser mais estratégico, olhando para um cenário de prazos mais longos ou as oportunísticas, com o intuito de aproveitar o momento atual. Mas diversificar a carteira em classes de ativos por vezes descorrelacionados é fundamental. Para exemplificar, numa carteira com viés estratégico poderá conter renda fixa pós fixada, fundos de retorno absoluto, inflação e renda variável. Já numa carteira oportunística o investidor poderá contar na carteira ativos de renda fixa pré-fixada, cambio e bolsa americana. Lembrando que para acessar as ações da bolsa americana, o investidor aplicar através de fundos sem a necessidade de converter reais em dólares.
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O empobrecimento das pessoas e a perda de valor das empresas causa que consequências para o fluxo da economia?
Borba – Com crescimento do desemprego e redução da renda, o poder de compra será reduzido, trazendo um impacto direto na demanda. Com isso, o setor de varejo já está sentindo uma redução mais acentuada nas vendas fazendo com que a indústria tenha uma capacidade ociosa maior.
Quais atitudes o governo deveria tomar – que ainda não fez – para tentar diminuir o sufoco financeiro de empresas e pessoas?
Borba – O Copom entregou um corte de 0,5% na sua reunião de março, como esperávamos. É importante ressaltar que, embora as simulações do Copom apresentadas naquela reunião mostrassem que seria necessário um corte superior a 0,5% para compensar o impacto da pandemia de Coronavírus na demanda doméstica, o comitê considerou que uma redução mais intensa poderia se tornar contraproducente e resultar em condições financeiras mais apertadas. Assim, o comitê considerou o novo nível da Selic seria adequado, considerando possível interação entre deterioração do cenário externo, frustração com a continuidade das reformas e possíveis mudanças permanentes no cenário fiscal. Isso indica que não há pressa em flexibilizar a política monetária (extraordinária ou agressivamente) e optando por se concentrar em medidas para aumentar a liquidez e o capital no sistema financeiro.
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Há outras medidas possíveis?
Borba – Nas atuais circunstâncias extraordinárias do mercado, o Banco Central solicitou ao Congresso a aprovação de uma emenda constitucional – em análise para nova rodada de votações na Câmara – autorizando a compra de títulos públicos e privados no mercado secundário, além das medidas já tomadas nesta crise para conceder garantias em ativos de crédito. De fato, apesar da grande evolução institucional das últimas décadas, o BC possuía ferramentas relativamente escassas para atender à provisão de liquidez ao sistema financeiro como emprestador de última instância. Assim, o BC poderá finalmente se equipar com uma gama mais ampla de mecanismos pelos quais pode desempenhar um papel clássico de banco central. Com essas ferramentas, o BC terá mais capacidade de implementar medidas como o FED ou o BCE em crises passadas.
É provável uma política monetária mais agressiva?
Borba – Diante da comunicação recente do Copom continuamos não acreditando em ação extraordinária ou agressiva de política monetária à frente. Mas também não entendemos que o comitê tenha fechado as portas para uma flexibilização adicional, pois sua comunicação reconheceu que novas informações sobre condições econômicas são essenciais para determinar os próximos passos. De fato, as projeções condicionais de inflação, já abaixo da meta em 2020 e 2021, provavelmente cairão à medida que a previsão de crescimento para 2020 do BC (atualmente em 0%) diminuir significativamente.
É possível esperar mais um corte na Selic?
Borba – Continuamos esperando outro corte de 50 pontos-base na reunião de maio e, ainda, vemos a taxa Selic atingindo 3% no final do ano. Nossas previsões de inflação permitiriam uma flexibilização adicional, condicionada à estabilização dos preços dos ativos e sem deterioração fiscal permanente. Mas, aguardaremos a comunicação do Copom na reunião de maio para reavaliar esse cenário.