Este texto é do engenheiro PhD, joinvilense Luiz Ricardo Douat, que mora há anos na Alemanha e trabalha como pesquisador na multinacional Robert Bosch, em Stuutgart. É uma consistente análise do que cerca a pandemia do Coronavírus.
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Os alemães, ao contrário dos britânicos, não são particularmente conhecidos pelo seu humor refinado. Em contrapartida, e devido , em parte, à facilidade com que sua gramática absorve a aglutinação de palavras, são exímios criadores de vocábulos. Assim, por exemplo, aquela música que não sai mais da cabeça é, na Alemanha, um "Ohrwurm" ("verme de ouvido"); os quilos a mais que aparecem após o término de um namoro são "Kummerspeck" – o bacon do pesar; e a capacidade de sentar-se prolongadamente para resolver problemas só é possível graças a uma quantidade apreciável de "Sitzfleish" ("carne para sentar").
Uma outra tal palavra que tem vindo à baila com frequência nas últimas semanas, aqui na Alemanha, é "Hamsterkäufer" (comprador hamster, na tradução literal.
Como bem se pode imaginar, trata-se de uma designação de todos aqueles que, especialmente em tempos de crise, corrente ou presumida, muitas vezes influenciados pelo "efeito manada", percorrem as prateleiras dos supermercados varrendo para dentro dos carrinhos provisões que irão alimentar seus porões e transmitir-lhes cerra segurança.
Domingo de céu azul invernal, poucas nuvens, temperatura média matinal de 10 graus, famílias passeando pelas calçadas e parques na cidade – nada que levante a mínima suspeição de algo atípico no cotidiano da pacata Leonberg, cidade de adoção do astrônomo Johannes Kepler. Os "compradores hamster" saciados, e o pânico inicial frente ao inusitado devidamente decantado, as reações frente à pandemia parecem convergir coletivamente a um novo patamar de maturidade.
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Em especial, o entendimento de que medidas de higiene e o distanciamento de aglomerações – essenciais para a redução da taxa de transmissão do novo Coronvírus, e o consequente "achatamento da curva de contágio", associados à confiança no seu sistema de saúde e capacidade de organização, têm trazido aos alemães – ao menos aqueles com os quais tenho contato – um pouco mais de tranquilidade.
"Fazer previsões é difícil, especialmente sobre o futuro" teria dito Mark Twain.
Aos olhos de muitos, a Alemanha, demorou a dar uma resposta concreta ao problema enquanto este se aproximava de seus umbrais. De fato, as recomendações de quarentena, home office e fechamento de escolas e ambientes de agremiações públicas vieram com certa demora em relação à grande parte dos países limítrofes. Difícil saber exatamente em que momento ocorrerá o ápice da crise e se o sistema de saúde conseguirá dar conta do recado.
O sistema federativo alemão, herança do pós-guerra em contraponto ao governo centralizador nazista, traz consigo uma série de benefícios. Entretanto, em situações de emergência, a descentralização dificulta que uma resposta em uníssono seja adotada, cada Estado deliberando de acordo com sua prerrogativa de autonomia.
Se hoje a percepção da situação é bastante homogênea, inicialmente alguns Estados justificavam sua cautela com relação à tomada de decisões drásticas, tendo em vista os efeitos deletérios associados à inevitável desaceleração da economia, tendo, no outro prato da balança a dúvida a respeito da real seriedade da ameaça.
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Em uma perspectiva histórica, passamos por agruras incomparavelmente maiores quando da eclosão da peste na Europa no século XIV, e da gripe espanhola, que entre 1918 e 1920 matou entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas. Em comparação, a primeira guerra mundial vitimou 20 milhões de pessoas.
Viemos acumulando conhecimentos preciosos na área da saúde, com medidas preventivas de higiene individual e urbana, desenvolvimento constante de novos fármacos, bem como de logística e simulação de sistemas dinâmicos, permitindo-nos melhor entender os mecanismos de propagação de doenças contagiosas.
Se por um lado, a economia global leva a um aumento do fluxo de pessoas, potenciais vetores epidemiológicos, por outra facilita também o fluxo de informações. Isso permite que a cooperação em escala mundial ocorra de forma mais efetiva. Finalmente, para que se possa debelar, ou ao menos restringir ao máximo a eventualidade de um cenário catastrófico, um sistema de saúde pública de qualidade deve ser uma das premissas irrevogáveis.