Renato Meirelles, um dos maiores especialistas em análise de consumo, fez palestra na ExpoGestão e expôs como se comportam as classes sociais durante a pandemia. Nas respostas abaixo, o pensamento do diretor do Instituto Locomotiva.
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Como a pandemia influenciou no comportamento da sociedade brasileira?
O cenário de restrição de acesso e redução de renda fez dos aplicativos os grandes parceiros da pandemia. De um lado, facilitavam a vida da classe mais nobre, enquanto salvavam o orçamento dos menos favorecidos.
Significa que os efeitos foram diferentes entre as classes sociais?
É fato: a pandemia da Covid-19 não foi a mesma para diferentes classes sociais, ampliando a desigualdade já existente. Identificamos isso claramente em 27 estudos sobre os impactos do vírus na vida das pessoas. Em março, quando o Brasil implementou o lockdown, as classes mais altas se preocupavam com a falta de álcool-gel na prateleira das farmácias. Aos moradores da periferia restava conviver com a ausência da água potável.
Os hábitos mudaram. Como foi isso?
O brasileiro desenvolveu novos hábitos de consumo, ressignificou a casa, tornando-a local de trabalho, escola e espaço para compras. Tudo passou a ser feito no ambiente doméstico. Além disso, outros três fatores condicionaram os hábitos durante a pandemia: a queda da renda nas famílias, presente em 64% dos lares; a missão de se proteger da doença e as percepções do contexto.
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Seus estudos mostraram o que, exatamente?
Nesse contexto, a classe A se manteve fiel às marcas favoritas, já que as despesas de mercado pouco impactam o orçamento familiar. Nas classes C e D, foi necessário experimentar marcas novas de diversos itens para compensar a diminuição das receitas.
O que veio para ficar?
Algumas mudanças que pareciam ser momentâneas acabaram acelerando o processo de democratização tecnológica. Aos 39% que já faziam compras por delivery e pretendem manter esse hábito, foram somados outros 10% que pediram por aplicativos pela primeira vez. O Brasil avançou cinco anos ao longo de cinco meses.
Quer dizer que essa transformação que houve durante a pandemia veio para ficar?
Sim. Não voltaremos ao que éramos antes. Não há motivo pra se preocupar. Num contexto histórico, depois da peste negra, por exemplo, veio o iluminismo, um dos maiores momentos de expansão de ideias e de renda.
Mas, e o brasileiro sabe para onde vai caminhar no pós-pandemia?
A maior parte dos brasileiros não sabe para onde vamos. Mas o antigo normal era de extrema desigualdade, desolador mesmo. A pandemia escancarou as desigualdades.
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Que lição fica?
A lição é clara: ou a sociedade aprende a dividir melhor as oportunidades ou pagamos caro pelo nosso gritante contraste socioeconômico.
O senhor fez pesquisas de comportamento durante a pandemia. O que elas mostram?
Nossas pesquisas mostram que um terço das classes A e B pediram auxílio emergencial ao governo. E que 69% desse pessoal conseguiu obter o dinheiro. Outra constatação: os pobres doaram mais recursos do que aqueles incluídos nas classes A e B, que somam 25% da população do Brasil.
A criação de um programa de renda mínima é solução?
Um programa de renda mínima é necessário. Mas é insuficiente. Precisamos garantir universalização do aceso à educação, à saúde e ao saneamento.
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