Por Renan Medeiros, interino*
Diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME), a menina Lívia Alves Locks, de dois anos, conseguiu na Justiça um medicamento capaz de frear o avanço da doença degenerativa, que tira a capacidade de movimentos e pode levar à morte. Mas o alívio durou apenas quatro meses, porque, tão logo iniciou o tratamento, o Judiciário decidiu que o Estado e a União não têm obrigação de continuar a fornecê-lo.
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Essa história começou no ano passado, quando a menina foi diagnosticada com a doença. Em fevereiro deste ano, a juíza federal Ana Lidia Silva Mello Monteiro determinou que a União, o Estado e o Município de Tubarão, onde ela reside, forneçam o tratamento. Em junho, porém, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS), derrubou a obrigação e o fornecimento da medicação a Lívia foi interrompido.
O tratamento é feito com o o medicamento importado "Sprinraza". Cada unidade custa mais de R$ 400 mil. Por ano, o custo é de aproximadamente R$ 2 milhões. Na perícia determinada pela Justiça, a conclusão foi de que o medicamento solicitado não pode ser substituído por outro fornecido pelo SUS e que ficar sem ele pode levar à morte.
Pai ajuizou a ação
O pai da menina, o educador físico Leomir Locks, ainda luta na Justiça para conseguir a medicação novamente. De acordo com ele, as primeiras aplicações, feitas ao longo de dois meses, trouxeram melhora quadro clínico de Lívia e a menina já consegue, por exemplo, comer com as próprias mãos.
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— Entendo que é um medicamento caro, mas nós trabalhamos cinco meses por ano só para pagar impostos. A vida da minha filha, infelizmente, hoje tem um preço, e os juízes estão vendo apenas o lado financeiro, e não toda a melhora que ela já apresentou — relata o pai.
Controvérsias no Judiciário
A questão é controversa e mesmo entre os magistrados há divergência sobre o que fazer no caso.
Na avaliação da juíza Ana Lidia, a perícia comprovou a necessidade do medicamento importado. Para o desembargador Cândido Alfredo Leal Júnior, relator do processo no TRF4, também ficou comprovado que o início do tratamento já vinha surtindo efeito e, por isso, deveria ser mantido.
Mas os desembargadores Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle e Vivian Josete Pantaleão Caminha, da 4ª Turma do TRF4, votaram por suspender a obrigação do fornecimento do medicamento. Eles entendem que o custo do tratamento é muito alto, o que pode prejudicar outros pacientes que precisem do SUS. Além disso, consideram que a medicação tem efeito apenas paliativo, uma vez que a doença não tem cura.
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— A questão não é amena, uma vez que se trata de paciente com apenas dois anos de idade. Todavia, nas ações de medicamento, impõe-se que se decida racionalmente. A decisão de apelo humanitário em um determinado processo, beneficiando um único paciente, pode significar a inviabilização ou o cerceamento do direito ao tratamento de diversos outros — registrou Aurvalle, em junho, quando o TRF decidiu suspender a obrigação do tratamento.
União e Estado contra o fornecimento
Esse é, também, o entendimento da União e do Estado, que atuam judicialmente para não serem obrigados a comprar o medicamento.
Segundo a União, o SUS já fornece tratamento adequado para os sintomas. O Estado argumenta que o custo é "altíssimo frente ao seu duvidoso benefício" e que compromete aproximadamente "0,1% do orçamento anual de todo o SUS Estadual para apenas um paciente".
Assunto em pauta em Brasília
Ao mesmo tempo em que a família de Lívia trava a batalha contra o Estado e a União, uma outra contenda judicial ocorre no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e deve servir para unificar as decisões em casos semelhantes em todo o país.
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Por enquanto, o entendimento do STJ é que o Poder Público deve fornecer medicamentos fora das listas do SUS no caso de três requisitos estarem cumpridos: a incapacidade financeira do paciente, o registro do medicamento pretendido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a comprovação de que o medicamento é imprescindível e não pode ser substituído por outro fornecido pelo SUS.