Semana das pedreiras: duas viradas e 10 sets no caminho para final

A tranquilidade dos jogos iniciais havia ficado pra trás. E Gustavo Kuerten sabia disso. Pela frente estava novamente o russo Yevgeny Kafelnikov e a certeza de muita pancadaria. Era um adversário emblemático e que trazia ótimas recordações do título de 1997. Na primeira conquista do Aberto da França, Kafelnikov era o campeão de 1996 que defendia o título, mas foi surpreendido em quadra pelo jovem desconhecido brasileiro.

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A batalha de 1997 também havia sido nas quartas de final. Kafelnikov era o favorito e Guga o azarão, que havia desbancado o maior jogador de saibro da época, o austríaco Thomas Muster, duas rodadas antes. O jogo foi longo, com cinco sets e virada de Guga depois de estar perdendo por 1 x 2. Foi a partida que deu o impulso que faltava e a confiança necessária para a semi e a final naquele ano. 

O encontro entre Guga e Kafelnikov de 1997 seria repetido no caminho do bi
O encontro entre Guga e Kafelnikov de 1997 seria repetido no caminho do bi (Foto: reprodução)

Ter Kafelnikov de novo, nas quartas de final por coincidência, trazia sentimentos diferentes. A lembrança boa de 1997, que poderia fazer diferença para Guga, e ao mesmo tempo o perigo de enfrentar um tenista muito forte, que poderia realmente mandar o brasileiro pra casa mais cedo.

“O jogo mais complicado de todos foi o Kafelnikov, nas quartas, seguramente. Eu vi o replay estes dias e o jogo tava perdido. Era 4 a 2 no quatro set, com dois sets a um pra ele, e 40-15, ele sacando. Uma bolinha ele dá uma bobeira, na outra eu jogo um pouco melhor e de repente o cenário muda e abre o caminho pra vencer.”

O russo “Kalashnikov” batia forte quando estava liderando jogos

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Realmente! O jogo estava perdido. No quarto set, Guga estava sem reação. O russo comandava o placar e dominava a quadra. E quem acompanhou a carreira de Kafelnikov sabe como ele era quase imparável quando estava à frente no placar e confiante. Batia e batia na bola sem parar, com agressividade e andando pra frente na quadra. Não à toa era chamado de Yevgeny “Kalashnikov”, um apelido que fazia referência à famosa metralhadora russa. Transformar um 4×2, com 40-15, em uma vitória de 6/4 naquele set foi verdadeiramente uma façanha. Acontece poucas vezes neste nível de jogo. 

No seu livro, Guga conta que sempre quando estava em desvantagem, caminhando pra derrota, esperava uma única brecha, sem desistir. Kafelnikov sentiu por dois erros seguidos e teve dúvidas se realmente ia fechar aquele jogo. “Encurtou o braço”, como se diz na gíria do tênis. Era a brecha tão desejada. Dali por diante só deu Guga. O quinto set foi um passeio em 6/2.

A semifinal que parecia ser menos complicada -um engano

“Poderia ter ficado no quase contra o Kafelnikov (quartas) e poderia também contra o Ferrero (semifinal). Entro em quadra dois dias depois com um Ferrero muito inspirado – era como a minha figura de 97. Um garoto jogando um tênis na fantasia, no fantástico, dando winner pra tudo que é lado e novamente eu tô perdendo dois sets a um, com break contra no quarto set, esperando naquela ânsia de quando vai aparecer um momento pra mim. E de novo… quando surgia e eu conseguia enxergar aquela luz lá no final do túnel já era o suficiente. Eu cheguei jogando muito tênis naquele ano.”

Juan Carlos Ferrero era o desafiante da semifinal, que lembrava Guga em 1997
Juan Carlos Ferrero era o desafiante da semifinal, que lembrava Guga em 1997 (Foto: reprodução)

Juan Carlos Ferrero tinha 20 anos. Era novidade no circuito e chegava com um tênis muito agressivo. Fazia no saibro o mesmo que Guga. Um jogo mais rápido, soltando pancada, principalmente com a direita. A leitura era perfeita: era o Gustavo Kuerten de 1997 de volta na figura do jovem espanhol. Não seria e não foi nada fácil. Guga perdia e era dominado.

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No livro, Guga relata o momento da virada: “então o espanhol que só vinha mandando martelada, deu uma curtinha nada a ver e errou. Ganhei um ponto de brinde. Pensei: ‘Epa, peraí, essa bola já foi uma tremenda cagada. O cara começou a inventar. Tá partindo pra besteirada? Boa. Taí minha chance’. O cansaço sumiu, substituído pela postura de campeão”.

De um 2×1 em sets contrário e perdendo também por 2×1, com quebra de saque, o quarto set, Guga devolveu a quebra e tomou a liderança em 3×2 dentro da parcial, para fechar aquele set em 6/4. O quinto set foi com autoridade de campeão, em 6/3, com as rédeas da partida até o final. 

Enfim, depois de três anos, estava garantida novamente a sonhada e desejada vaga na decisão.

A afirmação de carreira viria na grande decisão

Se 1997 serviu como uma apresentação, um “muito prazer, sou Gustavo Kuerten” para o circuito, e o tricampeonato de 2001 foi a consagração total do “rei do saibro”, o bicampeonato em 2000, classificado por Guga como “o mais difícil”, foi o da afirmação.

Não somente a afirmação em Roland Garros, que era seu torneio preferido. Reconquistar o Aberto da França era a afirmação de carreira para Gustavo Kuerten. E ele sabe muito bem disso.

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“Ficou claro que ali a gente teve uma resposta segura de que o número UM ia acontecer. Aquele Roland Garros foi o mais difícil dos três. O primeiro a própria casualidade, espontaneidade, o acontecimento… é claro que foi uma façanha maior que as outras duas, mas conhecer Roland Garros e voltar pra lá no ano 2000, já batendo na trave em 99, que eu era favoritíssimo e senti na pele o tamanho do torneio, como é ganhar, bem dos detalhes, o que significa, a importância… Em 2000, todos os detalhes eu tive que passar um a um, tendo os temperos e as experiências necessárias, principalmente 99, pra ganhar jogos meio que tirando coelhos da cartola, jogando mais ou menos, fazendo pegar no tranco… mas de alguma maneira o repertório do meu jogo ele dava condições pra enfrentar as encruzilhadas”.

O último obstáculo era um sueco que vinha dando trabalho

Para ganhar o segundo troféu em solo francês, Guga ainda precisaria enfrentar o grande rival do saibro naquela temporada. O sueco Magnus Norman vinha cruzando com Guga em quase todos os campeonatos mais importantes. Em Roma e em Hamburgo, dois torneios Masters, se enfrentaram. Foram dois resultados diferentes. Uma vitória para cada lado.

Magnus Norman seria o adversário da final
Magnus Norman seria o adversário da final (Foto: reprodução)

Além de Norman, Guga teria que enfrentar na decisão uma marcação controversa do árbitro de cadeira. Deu bola dentro um lance que o catarinense até hoje jura que era bola fora e título, mas acabou estendendo a partida por mais 50 minutos. São as histórias que você ainda vai ler no terceiro e último texto: a grande final.

Gustavo Kuerten foi bicampeão de Roland Garros em 11 de junho de 2000. Esta semana, o catarinense reuniu a imprensa nacional em videoconferência para revisitar aquela conquista e contar um pouco das memórias do bicampeonato.

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