Uma conquista construída em três anos

Desde a fantástica e totalmente surpreendente consagração de 1997, a pergunta martelava o circuito, os torcedores e até mesmo a dupla Guga/Larri: teria sido algo único, tanto quanto surpreendente, ou era possível ganhar em Paris de novo, repetindo a história e o feito histórico?

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No ano seguinte, em 1998, Guga teve um rendimento bastante irregular no circuito. Já com o status de um campeão de Grand Slam, não conseguiu fazer algo parecido. Havia algumas dúvidas entre se firmar como um jogador de saibro ou começar uma adaptação mais forte para as quadras duras, que compõem a maior parte da temporada. Guga não fez nem uma coisa, nem outra. E pra piorar foi eliminado precocemente na defesa do título em Roland Garros. Uma derrota de 2×3, na segunda rodada do Aberto Francês para o então novato russo, Marat Safin. O que fez surgir muitas dúvidas sobre o real poder de jogo do catarinense.

Guga se despedia precocemente de Roland Garros 98 diante do russo Marat Safin
Guga se despedia precocemente de Roland Garros 98 diante do russo Marat Safin (Foto: Patrick Kovarik/ AFP)

No Brasil, o torcedor e a imprensa começavam a acompanhar o tênis por causa do novo encanto chamado Gustavo Kuerten, mas com uma cultura que carregava os vícios do futebol. O questionamento na derrota recaiu sobre o trabalho do técnico. Mesmo sem entender quase nada daquele esporte que aparecia como novidade, era preciso discutir Guga, acompanhar os resultados, e debater as derrotas. “Será que não é o momento de trocar de técnico?” Era uma pergunta recorrente em algumas mesas de Debate. Em Florianópolis, cidade natal de Guga, até mesmo no tradicional Debate Diário, da CBN Diário, passou a ter, obviamente, o manézinho Gustavo Kuerten como um dos assuntos recorrentes.

“Ter que lidar com isso aí, eu confesso, a pressão de fora, pra nós, sempre foi natural. A busca daquilo que fica perambulando ali por fora às vezes era engraçada, às vezes era mais chata… pô, mas não ganha mais? A gente sabe que as pessoas tão aprendendo.

Não dá pra querer ensinar o tênis que todo mundo acha que tá 30 a zero e então não perde mais. Então a gente sabia que o tênis pra nós era ali, na convivência diária da rotina, dos jogadores. A gente ficava o ano inteiro fora. Vinha pra cá pra descansar. Ser de Florianópolis me ajudou muito nessa hora. Quando começou o assunto de ter que trocar o Larri, na minha cabeça eu nunca tive esse questionamento. Pra ele, eu tenho certeza que também não gerava dúvidas. Só gerava mais aborrecimento pra ele do que pra mim.”

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A virada começou em 1999

1999 foi um ano de conquistas importantes na carreira de Guga. Mas a primeira vitória expressiva não foi no circuito da ATP. Pela Copa Davis, na Espanha, contra uma das escolas de tenistas mais fortes no saibro, Gustavo Kuerten teve uma atuação exuberante.

Liderou a equipe brasileira em Lérida, fazendo três vitórias, inclusive atropelando por 3×0 Carlos Moya, que na época era o número um do mundo do tênis. Foi quando a confiança retornou e o circuito passou a perceber o quanto Guga realmente poderia voltar a ser muito perigoso nas quadras de saibro.

Na sequência vieram dois títulos muito significativos. Guga conquistou os dois primeiros Masters do Saibro. Primeiro no tradicionalíssimo torneio de Monte Carlo e depois em Roma. A partir destes resultados, o brasileiro passava a ser considerado novamente um dos favoritos para Roland Garros.

“Em 99, eu era favoritíssimo sim, mas achava que ganhar Roland Garros era mais fácil que eu pensava. Porque em 97 aconteceu assim, espontaneamente. Então em 99 também vai acontecer e melhor ainda. Só que não é assim. Requer mais profundidade, batalha, luta e o cara tem que mostrar todas as armas. Precisa ralar e tirar coelho da cartola. Vai ter alguém inspirado pelo caminho que está entre os 10 melhores do mundo. É uma carne de pescoço duríssima de roer.”

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Andrei Medvedev não deu chances a Guga, na frustração em 1999
Andrei Medvedev não deu chances a Guga, na frustração em 1999 (Foto: Jacques Demarthon/ AFP)

Guga fez um ótimo torneio, confirmando, de certa forma, as expectativas de ser um dos favoritos. Mas caiu nas quartas de final para um velho conhecido. O ucraniano Andrei Medvedev havia sido um dos adversários derrotados por Guga no caminho da conquista de 1997. Só que, desta vez, Medvedev levava a melhor em 3×0. O ucraniano acabou como o vice-campeão do Aberto Francês, perdendo a final para o americano André Agassi. Foi uma frustração, mas serviu de aprendizado para o que viria a seguir, quando Guga voltasse a Paris, em 2000.

2000 começa com derrota emblemática, mas com bons sinais

Guga perde para a lenda Pete Sampras, em Miami
Guga perde para a lenda Pete Sampras, em Miami (Foto: Rhona Wise/ AFP)

As credenciais de novo eram fortíssimas. A temporada 2000 começou para a Guga nas quadras duras e rápidas de Miami. No torneio Masters, conhecido como o quinto Grand Slam pela importância, Guga foi finalista e deu muito trabalho para a lenda Pete Sampras. Foram quatro sets, com três tie-breaks, e alguns erros de arbitragem que favoreceram o americano. Mesmo na quadra dura, terreno “estranho”, Guga foi ao limite de atuação. 

O vice-campeonato jogava a confiança lá no alto. No circuito do saibro, as quadras preferidas, mais resultados vieram. Um vice-campeonato de Masters, em Roma. Derrota para o sueco Magnus Norman, seu principal rival nas quadras vermelhas daquele momento, que depois viria a ser o oponente da final de Roland Garros. E, na sequência, título em Hamburgo, também torneio Masters. Uma final épica de 3×2 sobre o russo Marat Safin, o mesmo da derrota de segunda rodada em Roland Garros 1998. A vitória só veio no tie-break do quinto set.

Um começo arrasador

A chegada em Paris foi mais uma vez com o favoritismo nas costas. Guga era então o tenista a ser batido no saibro naquele momento. A experiência acumulada, com os aprendizados de 1999, e muitas taças na bagagem, o tornavam ainda mais forte e pronto para enfrentar as dificuldades em duas semanas de jogos e vencer de novo.

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O favoritismo foi pra quadra já na primeira semana. Com um tênis fabuloso, Guga atropelava os adversários. Nas quatro primeiras partidas, Guga venceu 12 sets e perdeu apenas um. O único a “roubar” um set foi o americano Michael Chang, que já havia vencido Roland Garros no passado.

A estreia foi contra o Sueco novato Andreas Vinciguerra. Guga só foi perder um game no terceiro set. Vitória de 3×0, com 6/0, 6/0, 6/3. Na segunda rodada, mais um 3×0. Desta vez em cima do argentino Marcelo Charpentier, com 7/6, 6/2, 6/2 (vídeo acima). A terceira rodada teria um adversário de respeito. Michael Chang tinha história no torneio.

Campeão em 1989 e vice em 1995, o americano deu mais trabalho, mas foi pra casa também. Num jogo sob controle, Guga castigou seu adversário no fundo de quadra. 3×1, com 6/3, 6/7, 6/1 e 6/4. O último desafio da primeira semana foi contra seu amigo, mas também freguês Nicolas Lapentti. Um jogo absolutamente nas mãos de Guga. Assim foi, com 3×0, e 6/3, 6/4 e 7/6. Rapidinho, o equatoriano era mais uma vítima fácil de Guga a se despedir de Paris.

O catarinense estava pronto para o que viria a seguir. Forte em confiança e fisicamente, pois o desgaste era pequeno com quatro jogos rápidos até ali. Mas a história iria ser bem diferente na segunda semana de competição em Paris com verdadeiras batalhas. Só que isso a gente conta nos próximos textos.

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Gustavo Kuerten foi bicampeão de Roland Garros em 11 de junho de 2000. Esta semana, o catarinense reuniu a imprensa nacional em videoconferência para revisitar aquela conquista e contar um pouco das memórias do bicampeonato.

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