A PEC do voto impresso proporcionou quase tudo aquilo que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desejava ao estimular um debate artificial num país assolado por crises. Alimentou suspeitas falsas sobre o processo eleitoral, transformou o Judiciário em adversário político e rebaixou as Forças Armadas a milícia particular. Quem vê a rejeição da proposta pela Câmara dos Deputados como derrota do presidente segue analisando o país pelas lentes da institucionalidade. Bolsonaro prescinde dela, sabota-a para contornar a própria fragilidade política.

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A tese da auditoria dos resultados eleitorais convenceu 229 parlamentares, resultado que reflete a mobilização de apoiadores fervorosos do governo nas ruas e redes sociais. A campanha de desinformação liderada por Bolsonaro espalhou na sociedade desconfiança que até então era marginal. Parte dos eleitores irá votar em 2022 convicta de que haverá fraude porque as urnas não imprimirão cédulas “auditáveis”. Isso a despeito de que a proposta recusada não previsse regras para auditar coisa alguma.

O texto votado deixava lacunas providenciais ao golpismo. Afinal, o que aconteceria se um eleitor alegasse ter digitado o número de um candidato e o papelzinho mostrasse outro? Quem e sob quais condições poderia solicitar recontagem manual dos votos? Quantas urnas e seções eleitorais seriam passíveis de questionamento? Quem e como faria a recontagem? Que dispositivos haveria para garantir a segurança da auditoria? Que providência seria tomada se houvesse diferença entre os resultados das contagens manual e eletrônica?

Bolsonaro e sua base fanática não estavam preocupados com nada disso. Quem acreditou na cruzada por mais transparência às eleições deixou enganar-se. A PEC do voto impresso criaria a incerteza necessária para a balbúrdia sonhada pelo presidente que sempre contestou a democracia.

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As ameaças explícitas de Bolsonaro às eleições de 2022 puseram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na inadequada condição de adversário do governo. Articulações de ministros com congressistas e o inquérito de ofício instaurado para apurar as barbaridades presidenciais encorparam as teorias conspiratórias bolsonaristas.

As Forças Armadas, sob comandantes recém-empossados por Bolsonaro, exerceram papel que é de agentes políticos. Submeteram-se à vergonha pública com o desfile de veículos da Marinha na Capital Federal. Saem do episódio diminuídas a aparelhos de governo, e não instituições de Estado.

Por quase dois meses, o país deixou de discutir a inflação de 9%, a crise hídrica que ameaça o fornecimento de energia, a proteção social aos desempregados, a variante Delta do coronavírus, a vacinação claudicante e os indícios de corrupção no Ministério da Saúde.

Com o voto impresso, Bolsonaro saiu das cordas dando golpes no árbitro da luta.

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