À época, a cena parecia absurda. Um shopping center reabrindo em clima de festa, com aplausos, aglomeração e um saxofonista recebendo os clientes. Entre os frequentadores desfilando pelo corredor comercial, vários idosos. Vídeos espalharam-se nas redes sociais, puseram Blumenau no noticiário internacional da Covid-19 e, durante meses, o episódio cristalizou-se como amostra do mau exemplo brasileiro no combate à pandemia. Faz um ano neste 22 de abril. Em retrospecto, tudo parece banal. E também premonitório.
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Naquela imagem está embutida a defesa cínica de que “cumprir todos os protocolos” basta para conviver em segurança com o coronavírus. Armados de máscaras (não raro no queixo), álcool gel e distanciamento para inglês ver, muitos setores econômicos seguiram essa lógica, com bem menos estardalhaço e muito mais apoio das autoridades. Hoje ela vigora para quase tudo, sob fiscalização falha.
Poucos meses após o escândalo do sax, os catarinenses tomavam chope em bares nas madrugadas, faziam ginástica em espaços fechados e cantavam dentro de templos religiosos. Os indignados com “festas clandestinas” talvez não lembrem, mas no verão passado até balada funcionou sob supostos regramentos. Hotéis puderam lotar 100% dos leitos.
Quando a lotação chegou aos leitos de UTI e uma fila de espera formou-se em hospitais e ambulatórios, primeiro no Oeste e depois em todo o Estado, os tais protocolos ficaram outra vez mais rigorosos, mas não muito.
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No fim de semana passado, frequentadores de um bar de Florianópolis que dançavam ao som de música ao vivo correram para as mesas, feito crianças na quinta série, alertados de que a fiscalização estava a caminho. Apesar do flagra, o bar respondeu que “segue as determinações, reduziu o público, mantém as mesas afastadas e cumpre os protocolos de segurança desde a entrada”. Claro que cumpre.
Não só a cena do shopping tornou-se banal, mas também o resultado do comportamento negligente. Em 22 de abril de 2020, Blumenau contava três casos de Covid-19 diários, na média móvel. Ninguém havia morrido em decorrência da doença. Um ano depois, estamos comemorando que o número de casos diários baixou de 100. Caminhamos para 500 vítimas. São mais de 70 internados em UTIs. Ninguém sabe ao certo qual será o impacto das sequelas à saúde da população e à economia.
Ainda assim, Blumenau tem uma das menores taxas de mortalidade do Brasil entre as cidades com mais de 100 mil habitantes. O país que para cá apontou o dedo acusador fez pior, muito pior.
Em abril do ano passado, a cena do shopping provocou revolta. Hoje só desperta tristeza.
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