A cultura catarinense estará representada na Academia Brasileira de Letras (ABL) a partir da próxima sexta-feira, 2 de setembro. No aniversário de Blumenau, um filho da terra ocupará a cadeira número 35, para a qual foi eleito em junho. O romancista Godofredo de Oliveira Neto será, a rigor, o primeiro escritor de Santa Catarina a tornar-se “imortal” — o único indicado até hoje havia sido um político, o ex-governador Lauro Müller.
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Aos 71 anos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Godofredo pretende representar na ABL traços da cultura catarinense desconhecidos da maioria dos brasileiros, mas também lutas identitárias. Habituado a criar ficção a partir de episódios históricos, como a Guerra do Contestado, o escritor vê nos movimentos de negros, mulheres, indígenas e LGBTQIA+ afirmações da soberania nacional.
Godofredo conversou com a coluna por videoconferência. Confira a entrevista abaixo.
Por que é importante estar na Academia Brasileira de Letras?
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Olha, para qualquer romancista ou poeta brasileiro, entrar num espaço com um legado de Jorge Amado, Guimarães Rosa, Machado de Assis, de Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Ferreira Gullar… Imagina entrar no espaço que tem esse legado! Então, é claro que isso é extremamente prestigioso, mas também uma responsabilidade de continuar esse legado. É uma alegria muito grande, uma honra.
O que muda na sua carreira?
O dia a dia não muda, porque eu continuo como professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vejo mais como um coroamento, juntar forças ali para tentar aumentar o poder da arte e da cultura na busca de uma harmonia nacional. Acho que essa é a minha luta, é a luta de vários acadêmicos lá dentro, ou seja, a arma brandida pela academia é a arte, a cultura e o conhecimento. Então, reforçar isso é pra mim uma questão também de lutar pela soberania brasileira. Mas através da arte, não através da violência. A arte serve pra isso, ela não é uma imitação do real, né? Ela é uma concorrente do real, quer dizer, ela não deve repetir preconceito, mas fazer o contrário. Ela disputa com o real. É um papel muito importante na transformação do mundo. Então, entrar ali do ponto de vista de uma ação civil, política, é tentar contribuir, junto com outros espaços da nação, como as universidades, espaços culturais etc, mas tentar reforçar esse papel da arte na busca da soberania, da harmonia e da fraternidade.
Por que Santa Catarina nunca teve um escritor indicado à ABL?
Pois é, a minha responsabilidade está nesse ponto, né? Santa Catarina, primeiro, teve essa estrutura tripartite, com três espaços nítidos: um é o litoral, que vai de São Francisco do Sul a Laguna, com a influência açoriana que você nota até pelo sotaque. Outro é o espaço entre as montanhas da Serra do Mar e o mar, aí estão Joinville, Jaraguá do Sul e Blumenau; e o terceiro espaço é o Oeste Catarinense, que tem a questão do cavalo, do carneiro, as grandes agroindústrias, o latifúndio… Segundo, Santa Catarina está imprensada entre o Rio Grande do Sul, que tem uma grande identidade estadual, e o Paraná, em que Curitiba é muito forte também. Na minha juventude, que não faz tanto tempo assim, a estrada para você ir de São Paulo para Porto Alegre passava por cima da montanha, direto, então Santa Catarina ficou assim abandonada, apesar dos grandes industriais. Era mais fácil, de vapor, ir de Florianópolis para o Rio de Janeiro do que ir para Curitiba em dia de chuva. Se estivesse chovendo, você não chegava. Teve esse isolamento geográfico curioso. Mas isso tudo foi sanado. Santa Catarina é um espaço de produção, de criação muito grande, né? A literatura catarinense é muito forte, merece e deve ser também mais divulgada.
Que relação o senhor mantém com Blumenau? A posse na ABL será no dia do aniversário da cidade…
Pois é, eu soube dessa coincidência depois, foi muito interessante. Mas é uma coisa que eu vejo com alta positividade. Eu me considero, pela ordem, blumenauense, vale-itajaiense e catarinense. A partir desse espaço de afetos e de cultura, é como se eu pusesse a máquina a funcionar, a esquentar o motor para começar a escrever. Com as contradições políticas do Vale, da cidade, do Estado, mas é um espaço que faz emergir em mim a criatividade. Tenho família, tenho muito carinho pela cidade, pelo Vale do Itajaí, pelo litoral todo.
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Como é ser um profissional da literatura no Brasil?
Ninguém pensa que vai ganhar dinheiro na literatura. Em mil, você conta nos dedos (quem consegue). É uma questão que vem de dentro, o papel de quem está escrevendo é escrever, é criar ficção. Depois ele vê se publica ou não publica, se vende ou se não vende. A arte existe sem que a gente queira. É uma necessidade que todos têm. Pode ser de outra maneira, um bolo, uma torta na cozinha, nas roupas, nas pinturas, enfim, a arte é tão importante quanto beber, se alimentar e se abrigar do frio.
O senhor normalmente usa um pano de fundo histórico para criar obras de ficção. Sobre o Brasil de 2022, que histórias poderão ser criadas?
A questão da mudança social, o movimento negro, o movimento indígena, o movimento das mulheres e o movimento LGBT. O respeito à diferença, o respeito ao outro, com a subjetividade do outro. A nação brasileira é isso tudo. Enquanto isso não for entendido como o encontro da nação brasileira, esse país fica assim. Então acho que o movimento histórico são essas lutas identitárias.
O senhor está trabalhando em algum projeto novo?
Estou escrevendo um romance um pouco nessa linhagem aí. Eu publiquei o Esquisse, que foi aí publicado em Paris, mas não saiu ainda no Brasil. Estou vendo ainda no Brasil como é que vai ser. Mas estou também já escrevendo outro e que vai tocar um pouco nesses pontos conflitantes, que separam a nação brasileira. Essas lições eu estudei no Colégio Santo Antônio, em Blumenau. Essas coisas vinham na própria fraternidade franciscana. Não é nada de novo essa busca pela fraternidade, pelo respeito ao diferente, isso está na Constituição. Enfim, acho que a luta do artista é chamar atenção pra isso, não belicosamente. Eu faço através da arte.
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