A invasão violenta da Câmara de Blumenau por fanáticos supostamente interessados em debater a vacinação contra a Covid-19, na semana passada, expôs mais do que falhas de segurança no prédio. O episódio demonstrou falta de clareza sobre a função das audiências públicas e, de maneira mais profunda, sobre o papel institucional do Legislativo na promoção e mediação das discussões de interesse municipal. A tíbia reação à barbárie reforça a impressão de que parlamentares equivalem o trabalho legislativo ao de um influenciador digital.

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O Poder Legislativo manifesta o desejo republicano de promover o bem comum por meio do confronto de argumentos racionais, prevalecendo as melhores ideias. Chega-se mais perto dessa idealização quando os envolvidos partem de premissas mínimas, como a validade do conhecimento científico, esforçam-se para diferenciar opinião de fato e, antes de tudo, estão dispostos a ouvir e assimilar o que dizem os outros.

A invasão da Câmara de Blumenau pelo fanatismo sanitário começou há quase um ano, quando os vereadores cederam 20 minutos do tempo de tribuna — e da TV Legislativa — para um médico ginecologista divulgar, sem contraditório, informações falsas sobre medicamentos ineficazes contra o coronavírus. Empurrados pela vontade de um grupo barulhento nas redes sociais, estenderam tapete vermelho ao discurso anti-ciência no ápice da pandemia que já matou mais de 740 blumenauenses.

Depois do estrago feito, cogitou-se chamar infectologistas, epidemiologistas, pesquisadores e a Secretaria de Promoção da Saúde para contradizer as bobagens disseminadas com a ajuda institucional do Legislativo. Uma audiência pública chegou a ser aprovada, mas a reunião jamais ocorreu — o assunto perdeu engajamento.

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Então veio a vacinação, terreno fértil para teorias conspiratórias. Mesmo com a alta adesão das pessoas aos imunizantes, bater no “passaporte da vacina” fazia sentido porque havia público disposto a reagir. Ao longo do segundo semestre de 2022, preocupações caras aos fanáticos antivacina ressoaram em discursos de vereadores identificados com o bolsonarismo. Até que os parlamentares, por unanimidade, acharam uma boa ideia promover audiência pública para discutir “Passaporte vacinal e vacinação”. Deu no que deu.

Não houve troca de argumentos racionais, baseados nas melhores informações científicas disponíveis. Só proselitismo, propaganda e baderna. A Secretaria de Promoção da Saúde recusou-se a participar, assim como profissionais convidados individualmente — infectologistas ouvidos pela coluna negaram ter recebido convite. Até o YouTube derrubou o vídeo da sessão e bloqueou o canal da Câmara por considerar o conteúdo inadequado.

No dia seguinte, diante da crise de imagem gerada pelos murros e empurrões trocados no interior da Casa, os vereadores reagiram fechando a caixa de comentários para encerrar o tema — votaram contra um novo requerimento de audiência pública, desta vez com a intenção de abrir espaço à ciência. Fizeram-no também por medo de que houvesse violência outra vez.

O que se diz e se faz dentro da Câmara de Vereadores de Blumenau importa. O parlamento, como instituição, tem o poder de amplificar e legitimar pautas. Daí a necessidade de que atue como filtro garantidor dos preceitos democráticos que são a razão de sua existência.

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Para promover bate-boca irresponsável, as redes sociais são mais eficazes e não custam nada ao erário.

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