Em 1998, quando a Polícia Federal apreendeu objetos com suásticas e propaganda negacionista do holocausto na casa do professor Wander Pugliesi, em Blumenau, ouvi de uma colega estudante:

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— Ele não é nazista, nunca defendeu o nazismo em sala.

A adolescente fazia cursinho pré-vestibular, eu terminava o Ensino Médio na Etevi, onde ele não lecionava. O diálogo está fresco na memória.

— O Wander só provoca você a pensar, a ver o outro lado da história — continuou.

— O lado dos nazistas? — cutuquei.

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— Ele te faz ver que a história foi contada pelos vencedores.

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Nunca encontrei um só aluno que detestasse as aulas do professor de História eloquente e provocador. Nem que levasse a sério as acusações de que fosse nazista. A apreensão de suásticas e o fato de ter batizado um filho com o nome de Adolf eram parte do personagem excêntrico, que gostava de causar.

> Quem é o dono da piscina com uma suástica em Santa Catarina.

Mais de uma geração de adolescentes do Vale do Itajaí ouviram as insinuações dele sobre como os aliados teriam exagerado os horrores dos campos de concentração, sobre como a história era mal contada — da Segunda Guerra à ditadura militar no Brasil. Emissoras de rádio mais de uma vez amplificaram as palavras persuasivas do professor.

Nazista? Não, não. Só estimulava as pessoas a abrirem os olhos.

Suástica na piscina

Imagem publicada pelo Santa em 2014 correu o Brasil
Imagem publicada pelo Santa em 2014 correu o Brasil (Foto: Divulgação)

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A fotografia da piscina, em 2014, complicou as coisas. Se Wander Pugliesi só colecionava material nazista por interesse histórico, por que instalaria uma cruz suástica gigante na própria residência?

A imagem publicada pelo Santa correu o Brasil, mas novamente não resultou em punição. Nem legal, nem social. Escolas seguiram contratando o professor de História. “Dentro de casa, cada um faz o que quer”.

Em 2018, um repórter do jornal Süddeutsche Zeitung, de Munique, visitou Pugliesi em Pomerode. O professor deixou-se fotografar diante da piscina. Nesta época, já participava da política local, apoiando Jair Bolsonaro à presidência. Era mais do que bem aceito no movimento.

Dois anos depois, encontrou um partido que o filiou de bom grado, o PL, e obteve apoio dos correligionários para concorrer a vereador em Pomerode. Na campanha dele no Facebook, não havia mensagens nazistas. Só um patriotismo de símbolos, a defesa das armas e ataques ao comunismo.

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No dia 28 de setembro, porém, um ex-aluno postou foto que aparecia na timeline do candidato. Era um agradecimento por livros recebidos de presente — dois deles, a imagem deixava ver, eram de autor negacionista do holocausto. Outro homem comentou: “Os livros que estão ‘por baixo’ tenho todos!”.

Wander Pugliesi só não será votado no próximo dia 15 de novembro porque a candidatura virou notícia nacional. Com receio de que a polêmica prejudicasse o partido em outras cidades, o PL o pressionou a desistir da disputa.

Tolerância

Toda essa digressão é para dizer que a tibieza da governadora Daniela Reinehr sobre as ideias de seu pai, outro revisionista, é coerente com a tolerância da sociedade catarinense a discursos xenófobos, racistas, supremacistas, eugênicos e a teorias da conspiração que estimulam o ódio contra grupos minoritários. 

Por que uma comunidade que aceitou expor adolescentes durante décadas às ideias de Wander Pugliesi e Altair Reinehr exigiria da governante uma condenação enfática ao nazismo?

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Outra vez, foi necessária pressão externa, nacional. Somente nesta quinta-feira (29), terceiro dia de contornos retóricos inexplicáveis, Daniela distribuiu nota em que diz ser “contrária ao nazismo”. Ora, a frase tem o mesmo impacto de afirmar-se “contrária à escravidão” ou ”contrária à pedofilia”. O inverso seria cometer crime.

Como líder eleita, Daniela tem o dever de condenar com veemência e, principalmente, comprometer-se, sem dubiedade, com o combate aos numerosos ninhos de serpente que a polícia e pesquisadores já identificaram no Estado. Na democracia, não cabem meias palavras sobre o nazismo.

*

— As fotos do holocausto podem ter sido montadas com bonecos — disse minha colega estudante, lá em 1998, ruminando as aulas de Wander Pugliesi.

— E se não forem bonecos? — respondi.