Santa Catarina delegou a um juízo de primeira instância a responsabilidade de indicar qual a melhor política contra o colapso provocado pela pandemia de coronavírus. A rigor, foi sobre isso que decidiu nesta segunda-feira (15) o juiz Jefferson Zanini, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital. Depositou-se num despacho a esperança de solução para uma crise de confiança generalizada, que trouxe o Estado a um beco sem saída. Emitida a decisão, surge um caminho para destravar o impasse, mas nem de perto a solução para pacificar o debate.
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Uma decisão judicial não teria como devolver ao governador Carlos Moisés (PSL) a confiança depositada pelos cidadãos no político que, um ano atrás, aparecia diante das câmeras usando colete da Defesa Civil. Além de dar um cavalo de pau na política de prevenção, contrariando o que decretou quando não havia uma única morte por Covid-19 no Estado, quem deveria liderar a sociedade no confronto ao inimigo comum encolheu-se após o escândalo dos respiradores e o terremoto político que se seguiu.
O atual secretário de Saúde, André Motta Ribeiro, pediu aos municípios, numa mensagem de WhatsApp, medidas mais restritivas à circulação de pessoas. Ato seguinte, deu entrevista à Globonews dizendo que “lockdown não funciona”. Em qual dos secretários a população deve acreditar?
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No Legislativo, os processos de impeachment minaram a credibilidade da Assembleia, flagrada pela população preocupada com questiúnculas do poder enquanto as UTIs enchiam de pacientes. Entidades empresariais, quando manifestam-se ao juízo, soam insensíveis ao drama das milhares de famílias enlutadas e aos quase 400 pacientes que aguardam vaga para tratamento intensivo nos hospitais. Sindicatos de trabalhadores, por sua vez, atraem críticas por reivindicar a classes direitos aos quais o restante da população não tem acesso.
Teorias conspiratórias, muitas delas originadas na estrutura de comunicação online montada pelo Palácio do Planalto, alimentam dúvidas sobre o combate à pandemia. Afetam instâncias de governança essenciais para a crise, como Organização Mundial da Saúde (OMS), universidades, governos estaduais e municipais, instituições hospitalares e laboratórios produtores de vacinas. Algumas das teorias fajutas, como o “tratamento precoce” com medicamentos ineficazes e o “lockdown não recomendado pela OMS”, tomaram de assalto o Ministério da Saúde, contaminando toda a rede de ação contra a pandemia.
É um ruído que abafa a voz de epidemiologistas e infectologistas. Resultados de estudos científicos sérios são trocados por opiniões de médicos de quaisquer especialidades, que nunca atenderam a um paciente grave de Covid-19, mas sabem tudo sobre o “sucesso” de Rancho Queimado, Porto Feliz (SP) e Búzios (RJ) porque acreditam em vídeos mentirosos no Facebook e no WhatsApp.
Nesse ambiente informativo caótico, parte importante da população e das lideranças políticas e empresariais rejeita qualquer fato que contrarie crenças pré-estabelecidas. Jornalistas tornam-se ideólogos suspeitos. As razões de promotores, defensores públicos e auditores do Tribunal de Contas são atacadas não pelo conteúdo, mas porque têm origem na elite do funcionalismo.
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Linha de frente
Em meio a tudo isso, ainda resistem as manifestações de órgãos representativos de enfermeiros e da rede hospitalar de Santa Catarina, além dos depoimentos chocantes de médicos intensivistas. A “linha de frente” segue prestigiada. Se não pelas decisões governamentais, ao menos aos olhos da sociedade. Orações e homenagens continuam sendo organizadas. Ninguém dirige-se ao juízo da Capital atacando os profissionais da saúde.
Não parece ser coincidência a decisão judicial ter restabelecido um órgão sanitarista como farol para a crise. Num beco sem saída, o juiz Jefferson Zanini apontou a única direção possível: a meia-volta. Ressuscitar o Comitê de Operações de Emergência em Saúde (Coes), ouvir os especialistas pagos pelo contribuinte e guiar-se pelo conhecimento técnico acumulado pode devolver alguma racionalidade ao combate à tragédia sanitária.
A saber se o Coes ainda inspira confiança.
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