Eu tenho uma lembrança antiga da escola primária. Anos 1990 em Cunha Porã. A professora pedia para a gente assistir a uma notícia e contar para a turma no dia seguinte. Lembro de um amigo ousado que inventava espetaculares quedas de aviões e helicópteros. Eu preferia anotar algum fato qualquer, sentado no chão da sala aos pés do pai, regularmente atento ao Jornal Nacional.

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Mas essa lembrança veio de outra, a que mais importa para este texto: eu lembro que a professora falava que nós, alunos e futuros cidadãos, precisávamos ter opinião formada sobre as coisas. E a profe provocava, se bem me lembro: “O que você acha, Lucas, sobre esse aumento no preço do milho? Qual é a sua opinião?”

Voltemos à ilha, em 2022: o futuro em que construímos uma sociedade orientada por eventos externos, que não controlamos. Tenho uma teoria, que é mais uma hipótese: nos ocupamos de questões externas (as pedras que resolvemos carregar, meu texto da semana passada) para não precisar lidar com questões internas. 

Isso é tão evidente que construímos indústrias inteiras de entretenimento: séries, games, redes sociais. Passatempos – a palavra mais triste do nosso reduzido vocabulário. E deu certo: se quisermos, temos à nossa disposição entretenimento ilimitado, nas mais variadas formas, para passar o tempo de uma vida inteira sem precisar, digamos, pensar na vida. Ou essa reflexão não é uma pedra que você pretende carregar?

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Alguém ainda lembra do que é ficar sem nada para fazer? As intermináveis tardes da infância, durante as quais fazíamos brainstorm para inventar brincadeiras (ou arte, ou bullying) que nos livrassem de tanto tédio.

Só que durante o tédio éramos filósofos mirins: percebo hoje que, na mais tenra infância, eu imaginava que eu estava numa espécie de simulação. Eu tinha certeza que todos eram atores do meu filme. Pai e mãe eram os melhores atores, protagonistas, os quais eu olhava desconfiado tentando captar um erro na atuação. 

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Eu morava em Porto Alegre, e juro que eu acreditava que o mundo que existia era apenas aquele que eu estava enxergando. Quando fechava os olhos, ou quando virava as costas, eu imaginava que nada existia. Por que isso? Por que achava que era impossível uma complexidade tão grande para todo mundo. 

Isso é tudo meu, e os outros eram figurantes necessários do meu drama. Mas foi só chegar perto da adolescência e eu entendi que o figurante era eu. Mas estou divagando.

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O que eu queria dizer é que não sabemos mais o que existe do outro lado do tédio – roubei essa frase da minha referência Sam Harris. Estamos ocupados com banalidades que nos livram de pensamentos complexos. E o pior: são essas banalidades que em geral carregamos nas costas, e por elas discutimos, brigamos, segregamos. São elas que a professora queria que a gente tivesse uma opinião a respeito. E ela conseguiu.

Eu só sei que é indescritível a liberdade de poder falar, simplesmente, a qualquer momento, que você não sabe. Ou, num ato de extrema ousadia, que você não liga. Que você não se importa. Não é necessário ter uma opinião formada sobre as coisas. Mas essa é só uma opinião.

Em tempo, uma dica de filme: O Show de Truman. O show da vida.

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