O cão me olha e me cerca, desde o momento em que eu acordo e abro a porta do quarto. Eu sei o que ele quer: passear. Mas eu estou atrasado. Ou talvez até desse tempo. Entre cálculos, fico imaginando como ele seria mais feliz na natureza. Ou como ele seria mais feliz na rua morando com um mendigo. Ele segue me olhando. Até que eu, constrangido, decido ir passear.

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Essa situação rotineira me fez pensar em algo que eu aprendi há algum tempo: o constrangimento é construtivo. Vou tentar explicar.

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Em vendas, percebi que só vende muito quem está disposto a ficar constrangido. A ouvir nãos e objeções repetidamente e não se deixar abalar. Revelar o preço alto e pedir uma concessão como quem pede um copo d’água. Se alguém vai ficar constrangido, será o cliente – e até o final deste texto vou explicar porque, muitas vezes, isso é necessário.

O constrangimento também é construtivo quando a informação certa é compartilhada. Um exemplo simples: colocar o resultado de toda a equipe comercial na tela. O bom resultado alheio vai constranger e gerar movimento para o próximo mês – pelo menos em quem é competitivo e quer se manter no emprego. O gestor não falou, não ameaçou ninguém – simplesmente mostrou o que é fato.

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O mesmo vale, creio, em uma interação (que envolva interesses) com um estranho. Imagine uma conquista amorosa: quanto tempo de felicidade desperdiçamos enquanto esperávamos pela coragem?

Tudo em função do medo da rejeição. E, claro, do constrangimento público.

Um estado de espírito propício

Mas para vender, conquistar e crescer, precisamos aceitar o constrangimento eventual e ver o que está do outro lado. Mas travamos ao imaginar o desastre.

Li em algum lugar que o problema do tímido não são os outros. É o receio de o que os outros vão pensar a respeito dele quando se expor. E então ele cala e se esconde. Ou seja: a raiz da timidez pode estar numa preocupação egocêntrica. Vamos além.

Num contexto evolutivo, evitar o constrangimento era uma questão de sobrevivência. Imagine um antepassado na tribo ao tentar um ato de ousadia. Dando errado, ele poderia ser excluído do grupo e ter que se virar sozinho no mato. Milênios de cuidados sociais estão impregnados no nosso DNA. Mas arrisco dizer que o mundo mudou e que evoluímos porque alguém não se preocupou em, eventualmente, ficar constrangido.

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Naturalmente nos comportamos assim, evitando o constrangimento. E já que as pessoas são assim, tenho visto que podemos usar isso em benefício próprio. O leitor vai me entender.

O que fazer na crise

Tenho um exemplo prático que me marcou. Estávamos em um projeto em que o cliente se mostrava desafiador e corajoso em mensagens via WhatsApp e e-mail. E uma pessoa que eu admiro disse: “Temos que ir até lá. Vamos ver se na nossa frente ele fala a mesma coisa.” E concluiu com a lição que me marcou, mais ou menos nessa linha: “As pessoas evitam constranger e ficar constrangidas.” Era o meu caso: a última coisa que eu imaginava fazer era ter a mesma conversa frente a frente. Conversa que, quando fomos lá, nunca existiu: naquela sala, ninguém quis constranger ninguém. 

Enfrentar o medo do constrangimento é um ato de extrema coragem, pois desafia o nosso instinto de sobrevivência social. E eu acho que já passou da hora de deixar o outro constrangido. Mas não se trata de um enfrentamento ou de uma disputa. Trata-se de constranger, quem sabe, ao perguntar o que você quer saber. Ao explicar o que você pensa e sente. Ou simplesmente pedir o que você quer – e ver o que acontece.