Kevin Kelly é um autor que escreve sobre tecnologia. Ele faz tanta coisa que não sei se é justo defini-lo “apenas” como “autor”. Talvez seja melhor assim: Kevin Kelly escreve sobre tecnologia.

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Há alguns anos, quando fez aniversário, ele escreveu um post intitulado mais ou menos assim: “68 conselhos que ninguém pediu”. Foi um sucesso instantâneo. Eu li e reli e enviei para um monte de gente. Depois, em outro aniversário, de 70 ou 71 anos, saiu mais uma lista. Esse material virou um livro. E eu ouvi várias entrevistas recentes dele falando sobre inteligência artificial e promovendo o incrível livro de conselhos. 

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Em alguns dos conselhos eu tenho pensado bastante. Separei os dois que talvez mais me marcaram, e que acredito que estão conectados:

“Não tente ser o melhor – seja o único”.

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“Aquilo que tornava você esquisito quando criança pode ser o que torna você único hoje”.

Lembrei na hora de Nelson Rodrigues, que dizia que o homem se encontra lá pelos 40 anos com a criança que ele era – o que acontece nas décadas intermediárias não conta. Ou uma melhor ainda do Nelson: o menino é um sapo de saravá enterrado no peito do homem.

Vou conectar os dois conselhos do Kevin Kelly com um escritor que o próprio Nelson destacava. E este sim, exclusivamente escritor: Guimarães Rosa. Na minha humilde opinião, que como de costume imita sem questionar a opinião de Nelson, Guimarães Rosa não foi o melhor. Mas ele praticamente inventou uma nova língua. Um universo de novos termos ambientados em um nordeste brasileiro que praticamente desconhecemos culturalmente até hoje. Ele foi único, não tem como negar.

Entre o estímulo e a reação

E vamos além no julgamento: ser “o melhor” é também subjetivo, especialmente nas artes. O melhor para mim não é o melhor para você. Ser único, no entanto, é praticamente um fato, decorrente da jornada pessoal e intelectual de toda a vida. E esse é o conselho propriamente dito: a busca pessoal e interna é ser você mesmo. Lembrando da ressalva de Nietzsche: seja quem você é, tendo aprendido o que é isso. Aprender quem é você. Ou reaprender, já que algo único se perdeu lá no início do caminho.

Nelson destaca um ponto importante sobre Guimarães Rosa: ele era indiferente às questões políticas que fervilhavam na sua época. Enquanto os autointitulados intelectuais debatiam e protestavam, Guimarães Rosa escrevia. Inventava um novo idioma no alto da sua torre de marfim. 

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Nesse sentido, ser e se tornar único, creio, é fazer o que precisa ser feito enquanto se escapa das duas grandes armadilhas modernas: entretenimento e opinião.

Escrever para pensar

Outro ponto: quando nossa busca é ser o melhor, temos concorrentes. Acreditamos que os outros estão tentando chegar no mesmo lugar, onde em tese haverá premiação e reconhecimento. Quando o objetivo e a mentalidade é ser único, original, diferente, quem era concorrência automaticamente vai para um jogo diferente, para outra pista de corrida. E assim, a busca por ser você mesmo se torna uma responsabilidade unicamente sua. 

E quem sabe esse diferencial, essa característica encantadora, foi realmente esquecida ao se tornar aquele adolescente constrangedor.