Eu ganhei um reconhecimento hoje. Grandioso, de uma referência que admiro, coroando um trabalho bem feito. Disfarcei a emoção, como sempre – não me pergunte o motivo, mas disfarçar emoções é uma habilidade que eu poderia citar em entrevistas de emprego. Não que eu me orgulhe disso, mas é um fato.
Continua depois da publicidade
> Receba notícias de Santa Catarina pelo WhatsApp
O que eu gostaria de destacar aqui, no entanto, é um outro aspecto, que também não é motivo de orgulho: nossa necessidade constante de reconhecimento e aprovação.
Peguemos o caso acima: se o reconhecimento não viesse, eu não sei o quanto eu estaria empolgado com o projeto em questão. Eu precisava daquele elogio, eu trabalhei durante a Páscoa por ele. E aqui divido o texto em duas reflexões. Primeiro, é grande a chance que a pessoa que reconheceu meu trabalho soubesse do valor do elogio que ele fez publicamente. Segundo, o que vou comentar logo depois: será que eu precisava mesmo desse elogio?
Como se percebe, faz bem o elogio. E ele se torna uma forma de engajamento. Você pode distribuir elogios à vontade, apesar de me parecer que existe o perigo de banalizá-los. No entanto, é fácil, ou até automático, esquecer de reconhecer quem os merece, pois estamos invariavelmente preocupados apenas com nós mesmos. E saber disso, creio, é libertador.
Continua depois da publicidade
> Não faz mal se você não sabe onde quer chegar
Pouca gente está prestando atenção ao que você está fazendo. Todos estão transmitindo suas inseguranças em busca de aprovação ou alento. Logo, o reconhecimento alheio se tornou raro, disperso. Faz tempo que ninguém (ou quase ninguém) ouve. E avançamos nesse sentido: hoje em dia ninguém (ou quase ninguém) vê, percebe, nota. São raros os momentos de admiração do esforço alheio. Estou soando dramático, mas o meu argumento é que isso é bom: não precisamos de reconhecimento para seguir em frente.
E um outro ponto, talvez o mais importante: raramente o reconhecimento é medida de qualidade. O exemplo banal, do qual não consigo fugir, acontece nas redes sociais: quem tem mais seguidores ou curtidas não é necessariamente o melhor. E nem significa que é bom. A princípio, significa apenas que agradou a massa, a maioria. Não sei se o leitor já conversou com alguma criança sobre o tema: basicamente tem sido com base no número de visualizações e curtidas que elas hierarquizam as coisas. É o reconhecimento moderno, que vai moldar as ações: “o que eu poderia fazer para ganhar mais views?”.
> Quais pedras você vai carregar?
Admiro demais Nelson Rodrigues, especialmente as crônicas, que leio e releio para capturar a beleza e o estilo (algo que eu já fiz com o lendário curitibano Dalton Trevisan há uns 10, 15 anos). Para concluir, destaco um trecho do Nelson que resume melhor o que eu estava querendo dizer:
“Os meus admiradores quase provocaram a minha morte artística. Eis a amarga verdade: durante algum tempo, eu só escrevia para o Bandeira, o Drummond […]. Não fazia uma linha sem pensar neles. Eu, a minha obra, o meu sofrimento, a minha visão do amor e da morte. Tudo, tudo passou para um plano secundário ou nulo. Só os admiradores existiam. Só me interessava o elogio; e o elogio era o tóxico, o vício muito doce e muito vil. Pouco a pouco, os que me admiravam se tornaram meus irresistíveis coautores. E quando percebi o perigo, o aviltamento, comecei a destruir, com feroz humildade, todas as admirações do meu caminho.”
Continua depois da publicidade
Não depender de reconhecimento é uma habilidade muito mais valiosa do que esconder emoções.
Leia também
Semana de trabalho com 4 dias tem ganhado espaço em empresas