Minha irmã foi morar na França. Um dia antes de levar ela ao aeroporto eu dirigia cedo na BR-101. E talvez por ser o irmão mais velho eu divagava a 100 por hora: o que falar amanhã na despedida? Como esconder a preocupação e a saudade antecipada e apoiar incondicionalmente? Eu e ela temos em comum, entre tantas coisas, a admiração por Jordan Peterson e seu livro “12 regras para a vida”.
Continua depois da publicidade
Siga as notícias do NSC Total pelo Google Notícias
Divagando na estrada me veio a ideia: que regras eu poderia sugerir e que ela poderia adotar no tempo em que vai morar fora? Pensei bastante mas só saiu uma. Na verdade, esta foi a primeira, que eu já não sei se nasceu antes da ideia de um conjunto de regras, ou se foi a primeira e eu achava que viriam outras depois dela. De qualquer forma, não vieram.
Enfim, eis a única regra que eu consegui elaborar: não deixe nenhum dia ser banal. É o teu sonho, logo é o meu sonho também. Além disso, é Paris, é a França, é história, é cultura, é arte – e eu comecei a exagerar sobre a França para provar o meu argumento. No dia seguinte estou voltando do aeroporto após levá-la. É fim da tarde e chove em Floripa.
A história da minha vida se repete: disfarçar o choro, um alemão atrapalhado que não sabe (ou não quer, ou não consegue) demonstrar o que sente.
Continua depois da publicidade
Uma vez isso me incomodava, mas hoje eu aceito e até acho graça nesse traço peculiar e, ao mesmo tempo, em maior ou menor grau, presente em todos nós.
Entre a ambição e o conformismo
Penso então no conselho que eu chamei de regra: logo eu, que num passado remoto promovi meu primeiro livro com uma palestra que tentava explicar por que conselhos não funcionam – e porque eles são responsáveis pelas nossas interações precárias. Mas de uma forma curiosa, e no auge da minha prematura saudade, eu logo percebi: esse conselho é para mim.
Aliás, todo conselho, segundo a psicologia popular, é direcionado inconscientemente a si mesmo. Eu não estou em Paris. Mas não importa onde eu estou: afinal, o tempo todo, eu estou em meio ao improvável milagre do cosmos. Há uma estrela de fogo no horizonte que, neste dia agradável de dezembro, parece estar na distância ideal: aqui em Floripa, ou em São Miguel do Oeste ou em Paris.
Podemos ir além: a Via Láctea tem aproximadamente 100 bilhões de estrelas. Já passaram pela terra aproximadamente 100 bilhões de pessoas. Ou seja: só na nossa galáxia, existe, em tese, um planeta para cada pessoa que já viveu. Ou ainda: Einstein acreditava que não são necessários milagres para a comprovação da existência de uma força superior e incompreensível.
Continua depois da publicidade
Um universo em que tudo funciona tão perfeitamente, sem necessitar de nenhum milagre, seria, para o gênio, a prova definitiva de Algo Superior. O que eu quero dizer: como conseguimos banalizar a vida diante desses fatos e argumentos? Eu entendo: por um lado, é esse foco no banal que mantém certo grau de sanidade.
Mas eu já não sei mais se isso é bom. Já insisti aqui: nos mantemos ocupados e entretidos o tempo todo para evitar a reflexão e a introspecção. E eu começo a achar que o preço que pagamos é muito alto. Enquanto não nos decidimos entre o piloto automático e a contemplação, vale o conselho: não deixe nenhum dia ser banal.
Até porque a suposta banalidade, quando observada bem de perto, é apenas uma ilusão conveniente.