Antigamente não se assinava uma obra de arte. Acreditava-se que o artista era o elemento utilizado por alguma entidade superior que queria se expressar. Era a Musa quem inspirava em sonhos, em sinais, em momentos de devaneio. Um sopro que chegava ao ouvido, como a cola no exame escolar. Só muito tempo depois é que começamos a acreditar na figura do gênio e em direitos autorais. E a Musa foi esquecida, emudecida.
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Eu ainda vou dedicar um texto ao processo de trabalho, quem sabe exemplificando com o processo de escrita. Mas hoje eu gostaria de falar um pouco sobre o perigo de aguardar pelos momentos de glória em que uma ideia simplesmente surge – e quem escreve, no caso, apenas materializa.
É dessa forma, natural, quase psicografada, que sai o melhor texto. O problema é que, se não vier a inspiração, não tem texto. Como aqui eu escrevo um texto por semana, eu não posso depender da Musa. Eu preciso escrever, mesmo sem vontade, mesmo sem saber exatamente o que escrever.
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Ouvi dizer que algum escritor famoso foi assim questionado: “Você tem um processo de escrita ou só escreve quando está inspirado?” E ele respondeu: “Escrevo só quando estou inspirado. Que bom que a inspiração chega todos os dias, às 7 da manhã.”
Esse era o ponto que eu queria chegar – e o leitor vai perdoar a demora. Não que eu goste de escrever. Eu escrevo porque eu quero, porque é importante pra mim. E de tanto escrever, como prática, como rotina, como uma obrigação auto-imposta, eu acabei gostando da coisa.
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Uma lembrança da qual me orgulho: quando eu era criança, com uns 10 anos de idade, lembro de um colega, notório pelas notas baixas na escola. Ele me falou algo assim: “Eu queria ter a vontade de estudar que você tem”. E eu, que nunca tinha pensado nisso, respondi: “Eu não gosto de estudar. Eu estudo porque é preciso.”
Retomando: não que eu goste de escrever. Eu escrevo porque eu quero. Porque é importante. E aqui vem a lição que eu aprendi: é mais fácil gostar do que se faz do que fazer o que gosta. De tanto fazer acabamos gostando. O ato de gostar surge da ação repetida, serena, orientada pelo que é importante, pelo que é certo ser feito.
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Por isso me preocupa essa noção moderna de que o importante na vida é fazer aquilo que gostamos. Ou que o importante é ser feliz. Não sei se essas são as melhores métricas – não creio que sejam para quem quer ser alguém melhor e impactar o mundo e as pessoas de alguma forma positiva.
Esse texto era para ter saído mais fácil. Mas a Musa não sussurrou nada. Como eu gosto do que faço, entrego mesmo assim, toda a semana.