Derrubo algumas coisas no início da manhã. Um objeto estava no lugar errado, e enquanto eu preparava algo no lugar certo, tentei tirar o que estava lá atrapalhando. Perdi o tempo e o equilíbrio e, de um jeito estúpido e previsível, fiz uma sujeira relativamente difícil de limpar. O motivo deste texto é o que aconteceu imediatamente depois.

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Pois surpreendi a mim mesmo calmo e indiferente. Percebi minha paz enquanto pegava o pano e reorganizava as coisas. Não reajo. Não reclamo. Nenhuma palavra, nenhum ponto de exclamação. E o detalhe: isso acontece no atual momento, em que percebo minha impulsividade em diversas situações ao longo do dia.

E pensei como seria ser sempre assim zen. Ou pelo menos quase sempre. 

Já li algumas coisas sobre a filosofia zen. Tenho certa intimidade com esse jeito oriental de atuar no mundo – pelo menos na teoria. Nada é bom ou mau. Tudo simplesmente é. Nada teria como ter sido diferente. Por isso o foco é na prática de fazer o que é apropriado fazer em cada situação. E não reclamar, como eu e você fazemos, toda vez que algo destoa das nossas expectativas.

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Zen é foco na prática, indiferente ao resultado. Não importa se a flecha atinge o alvo: a vida é aprender a atirar a flecha rumo à maestria que nunca chega. A propósito, ouvi um conselho ontem (que não foi para mim, mas eu me apropriei): fazer alguma coisa, repetidamente, todo santo dia. Desenhar a mesma coisa. Escrever sobre a mesma coisa.

O constrangimento construtivo

Construir a mesma coisa. Imagine após semanas, meses e anos, o volume da obra e a excelência adquirida? Divaguei, mas quem sabe o leitor também goste da ideia.

Voltando: no estoicismo também aprendi o conceito semelhante de “amor fati”: aceitar o destino, tudo o que acontece, sem julgamentos ou lamentos. Não existe bom ou mau, bem ou mal – só fatos e situações que não controlamos. Para Nietzsche, só um espírito nobre e preparado consegue amar todas as circunstâncias da vida. 

Dito isso, o que eu gostaria mesmo de destacar aqui é algo que aprendi, não lembro de quem ou de onde, que relaciona esses conceitos de uma forma bem prática: você é e você se torna o que você faz no intervalo entre o estímulo e a reação. Acredito muito que nos tornamos essa pessoa que surge, de forma impulsiva, quando algo inesperado acontece.

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Ademais, para mim é o melhor termômetro. Se estou reagindo de forma impulsiva diante de episódios inesperados, sei que algo está errado. Como você tem reagido aos desastres insignificantes do dia a dia? Acho que esta simples auto-análise é uma boa fotografia do seu atual momento.

Um estado de espírito propício

Por isso fiquei admirado no quase irrelevante acidente que relatei: o estímulo (derrubei as coisas) e a reação (pegar um pano e resolver, indiferente). E pensei como seria ser sempre assim.

E se eu ainda disser para o leitor que, após o incidente, pensei comigo mesmo que foi bom aquilo ter acontecido. Pois além de eu me sentir bem não sendo reativo, arrumei as coisas de uma nova forma, mais inteligente. E se os problemas acontecem porque precisamos aprender a lidar com eles? Não é provável que a vida seja assim, mas também não é impossível.

E o que parecia irrelevante na cozinha, no início da manhã, ganha contornos transcendentais. E o sublime começa a aparecer em toda parte: na contemplação do cosmos improvável ou na tarefa doméstica. Mas para vê-lo, primeiro, creio que é preciso identificar o que estamos fazendo no intervalo entre o estímulo e a reação.

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