Em duas situações, um colega do doutorado disse “eu discordo” logo após eu afirmar alguma coisa. Ele dizia que discordava, e vinha com a ideia dele: que nem era bem uma discordância. Parecia mais que tinha pegado uma frase que eu falei e colocava uma observação em cima.

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Em geral eu silencio nessas situações. Não fazer as honras da réplica é meia briga ganha (em casa ou na academia). Mas especificamente a afirmação “eu discordo” me incomoda. Na semana passada, aconteceu de novo. Enquanto uma amiga falava que discordava do que eu explicava, percebi que eu precisava explorar mais a seguinte questão: por que eu, em geral sereno e quase indiferente, fico incomodado com essa expressão? Será que quero que todos concordem comigo?

Não é bem isso. Vou tentar (me) explicar. O ato de discordar traz a ideia de que você tem uma opinião formada. Mas quase sempre a discordância é impulsiva: a pessoa ouve algo que não gostou e já responde. E assim desperdiça qualquer possibilidade de, quem sabe, aprender alguma coisa.

Outro ponto, pior ainda: discordar leva a conversa para uma disputa. Uma disputa para vencer e mudar a opinião alheia após a discórdia – fato que, se já aconteceu na história da humanidade, desconheço. E que palavra forte “discórdia”, da mesma família linguística. Discordar, muitas vezes, é gerar discórdia.

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Admito que meu texto possa conter resquícios de ego e decepção. Pudera: lá vou eu, empolgado em compartilhar uma percepção nova, e em troca ganho um clichê, um lugar comum que, não raro, foi justamente o ponto de partida que originou a nova perspectiva! Tudo iniciado pelo tal “discordo!”. Isso é discordar?

Pensando bem, vou relatar a discordância da minha amiga. Se ela ler, paciência. Eu tentava explicar a perspectiva do Sam Harris sobre a inexistência do livre arbítrio. Fui interrompido com os argumentos que todo mundo conhece. O que eu esperava era o apoio na reflexão sobre o seguinte tema: será que alguém com um DNA único, somado à traumas, educação, cultura (únicos) poderia optar por tomar uma decisão diferente da que tomou? A resposta dela: “Ah não, eu discordo.”

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O leitor percebe o problema de discordar? No caso, morreu o assunto. Imagine se fosse um tema crítico, que impactasse alguma esfera pessoal ou profissional. É por esses e outros momentos que a expressão “eu discordo” me incomoda. Discordar nos coloca em lados opostos. É um efeito colateral da necessidade de ter uma opinião formada e se posicionar. E o resultado é a discórdia.

Você não precisa ter uma opinião

Os opostos não se atraem: procure os semelhantes

Peço perdão ao leitor pelo texto rabugento. Pois vamos à solução, improvável na prática, mas possível: o primeiro passo é ouvir em silêncio. E depois, num esforço monumental, admito, ajudar o interlocutor a explorar o ponto de vista – sem estar no lado oposto. Quem sabe empurrando para o mesmo lado conseguimos chegar mais longe. Problemas complexos e dilemas da vida não podem gerar discórdia. Eles são tudo que temos para divagar, elucubrar e pensar em voz alta, juntos.

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