Reproduzo aqui o início inesquecível de Gabriel García Márquez em Cem Anos de Solidão, a melhor literatura que eu já encontrei:
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“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de pau a pique e telhados de sapê, construídas na beira de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome, e para mencioná-las era preciso apontar com o dedo.”
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Esse finalzinho é o que me encanta: o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome, e para mencioná-las era preciso apontar com o dedo. O mundo não é mais tão recente, mas muitas coisas continuam sem palavras para descrevê-las ou explicá-las. Especialmente as essenciais, as mais importantes. E entender nossa falta de vocabulário é um fator crucial para levar a vida. Vou tentar explicar.
O leitor vai concordar comigo: basicamente colocamos um nome nas coisas para elas existirem. Se não tem nome, não existe – ou até existe, mas você precisa de alguma forma para mostrar ou explicar o que você quer dizer. Mas no geral, o que existe é aquilo que tem uma palavra para descrever.
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E da mesma forma, o que não tem palavras, não existe. Quero dizer: algumas coisas sabemos que existem, ou que devem existir, mas como não possuem um nome, uma definição, ignoramos. Com base nessa percepção, torna-se uma questão de lógica, ou de probabilidade: existe muita coisa além do nosso vocabulário.
Reli o que eu escrevi até aqui e não adianta: eu vou ter que ser mais direto para me fazer entender.
Quantas vezes você já perdeu o sono tentando entender a vida, o tempo, Deus, o universo? Perceba que você utiliza palavras para racionalizar o intangível ou a complexidade extrema. Mais um problema: a máquina que você usa para essa busca (o seu cérebro) não tem capacidade cognitiva para tanto. Ou seja: imagine um computador limitado, com linguagem limitada, tentando decifrar um código incalculavelmente pesado.
Esse é você, na madrugada, remoendo os mistérios da vida. Por isso eu, com a experiência de quem enfrentava crises existenciais avassaladoras já na tenra infância, sugiro: é preciso aceitar que nossa linguagem e nossa capacidade racional são limitadas.
Estamos tentando colocar nomes e significados em questões que não compreendemos. O que nos resta fazer é, minúsculos e cognitivamente limitados que somos, contemplar a espetacular complexidade da qual nós fazemos parte. E humildemente aceitar que as coisas mais importantes não tem palavras.
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Mas voltando às palavras: se você conhece literatura melhor que a do Gabo, favor contatar-me.