O leitor, que sempre está no escuro, não sabe, mas eu tenho 40 temas prontos para escrever estes textos. Pensei neles à exaustão em 2021, até chegar no conjunto que eu imaginava que fazia juz aos 40 aprendizados que eu havia acumulado em longos 40 anos de vida (a vida é longa, leitor, não se iluda de que ela é curta. Falo mais sobre isso em breve).

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Pois bem. Já escrevi 10. Mas algo que eu temia já aconteceu: quero mudar alguns temas, excluir esse, inserir aquele outro que eu não lembrava ou que eu descobri. Esse é o problema de escrever: você registra o você daquele momento. Um tempo depois você confere o que escreveu e não se reconhece mais na forma, na opinião, no estilo. Mas pior do que escrever, é não escrever, e não ter essa comparação que indica, se não evolução, movimento, pelo menos.

Acabo de dizer que pensei nos 40 temas “à exaustão”. Mas isso é mentira, nem foi tanto assim. Inventei esta parte da história para insinuar um aprendizado que não estava programado e que me surgiu nos últimos dias: nós adoramos os obstinados. Os incansáveis. E eu acho que todos nós poderíamos ser um desses adorados também.

Se você pegar os melhores livros do Gabriel García Márquez, perceberá nas primeiras páginas que os personagens são fanáticos perseguidores de alguma coisa. Em “Cem Anos de Solidão”, você vai encontrar esse traço encantador em quase todos os integrantes da família Buendía. O patriarca José Arcádio, encantado com as novidades que o cigano Melquíades trazia à Macondo, perdeu o rumo da própria vida ao se trancar para estudar sem parar os mistérios de um mundo que implorava por ser explorado. Em “O Amor nos Tempos do Cólera”, você não vai acreditar no fanatismo inconsolável e incansável de Florentino Ariza em busca de Fermina Daza. E vai adorá-lo.

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Talvez seja mais fácil e rápido identificar isso em filmes: se você assistir a qualquer um do Wes Anderson, por exemplo, vai encontrar a mesma determinação no protagonista, seja pelo amor impossível, seja em busca de um cachorro perdido. A jornada do herói só existe porque ele é obstinado. Nem tanto a bravura, ou a força, ou a coragem: o herói é aquele absurdamente (e adoravelmente) incansável.

Não faz mal se você não sabe onde quer chegar

Eu já arrisco dizer que encontrei a chave da ficção bem sucedida comercialmente: construir um herói incansável, do jeito que o leitor ou telespectador gostaria de ser – mas tem preguiça. Refestelados no sofá pensamos: um dia eu vou ser assim. E esse é talvez um dos poucos problemas de a vida ser longa: ao longo da longa vida, ao mesmo tempo que você sabe que ainda dá tempo, você percebe o quanto o tempo passou e você ainda não encontrou forças e disciplinas para a sua obstinação.

Esse é o aprendizado, claro e simples: adoramos o incansável. E se fôssemos incansáveis também, não importa a causa, seríamos adoráveis.