Meu amigo teve a sua grande perda. Estou ensaiando há alguns dias o que eu poderia dizer a ele. E aqui começa o problema. Pois fico pensando, não sempre, mas nos dias após momentos assim, em quando vai ser a vez da minha grande perda. E como vai ser a vida depois dela.

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Lembro de um sonho que já tive algumas vezes, com pequenas variações: eu observava o espetáculo de luzes e cores de discos voadores, ou de alguma coisa fantasticamente sobrenatural desfilando no horizonte. E eu pensava, no sonho: as coisas nunca mais serão as mesmas. Ou: como vai ser a vida agora, sabendo que isso existe?

Voltando ao ponto: outros amigos, inclusive mais próximos, já tiveram sua grande perda. Mas a este em especial eu devo um texto. Explico com um único episódio.

Quando tínhamos uns 17, 18 anos, ele escrevia e eu desenhava uma tira que saía no jornal da nossa cidade pequena. E eu tinha um outro amigo que não gostou do nosso primeiro trabalho. Fui correndo falar para o meu amigo co-autor. A reação dele foi um choque – um dos mais importantes que recebi. Ele dizia coisas como: “Ignora! Quem é esse (algum palavrão) para julgar o nosso trabalho?”

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Ele não sofria do meu mal: a preocupação com o que os outros achavam de mim ou o que achavam do que eu fazia. E o mais interessante: esse jeito de ser era o jeito de ser da família dele. Eu observava ele e seus dois irmãos. Como diria Nelson Rodrigues, para mim, eram seres varados de luz. Possuíam uma personalidade arrebatadora. Uma autoconfiança inabalável. Eu admirava em silêncio, sem forças para imitar.

Meu amigo perdeu o pai. E eu estou ensaiando há alguns dias o que dizer para ele. No dia em que fiquei sabendo da notícia, lamentei por ele e pelos dois irmãos dele. E lembrei de algo que eu já havia pensado: conhecendo um pouco os pais deles, eu atribuo a eles (aos pais) essas personalidades. Eu acho que se estudássemos a família dele poderíamos montar um manual de como formar, desde cedo, o lado comportamental de líderes e empreendedores, digamos. O que foi que eles fizeram para transmitir tanta autoestima?

Lembrei de Clayton Christensen, o criador do conceito de inovação disruptiva, que lembrava os episódios em que reunia os filhos, frequentemente, para educá-los sobre a vida. Tempo depois, vendo eles crescidos e bem-sucedidos, comentou algo assim: “Vejam só, filhos, como valeram a pena aqueles nossos momentos de educação!”

Só que os filhos nem lembravam dessa formalidade. O que eles lembravam eram gestos, exemplos, atitudes dos pais em situações bem específicas (como a forma que eles agiram quando um mendigo bateu na porta da sala). A propósito, lembrei de uma que meu pai fez quando eu tinha uns 7, 8 anos: um discurso em alguma instituição financeira pública, indignado com a lentidão da fila de atendimento. Não tenho certeza, mas na minha memória e no meu coração ele foi ovacionado.

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Ou seja: não adianta falar, debater, tentar orientar. Já sabemos disso. O que molda e educa é o exemplo involuntário. É estar por perto. E eu devo um texto ao meu amigo porque, mesmo sem ele falar muita coisa, fui moldado pela forma que ele desfilava indiferente no horizonte. E a vida nunca mais foi a mesma.

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