Nelson Rodrigues contava que, na infância, uma única frase pode ter sido o grande fator que moldou sua vida. Ele ouviu o jardineiro conversando com sua mãe, e falar o seguinte: 

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“O sábado é uma ilusão.”

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Ele disse que ficou intrigado com o sentido e, ao mesmo tempo, perplexo com a beleza da frase. No dia que li essa história pela primeira vez, usei a frase para resumir algo que me incomodava, mas que eu nunca tinha verbalizado: 

“Florianópolis é uma ilusão.”

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O texto de hoje é mais uma tentativa de explicar essa frase – já tentei em algumas conversas, sem muito sucesso. 

Talvez o leitor conheça a hierarquia das Necessidades de Maslow. Basicamente o famoso psicólogo percebeu que a base da pirâmide daquilo que buscamos é formada por necessidades básicas do ser humano, como comida e água. E depois, buscar um lugar para morar. E segurança. E só então, tendo suas necessidades elementares contempladas, ele começa a almejar outras coisas – chegando eventualmente ao topo da pirâmide, onde se encontram questões como reconhecimento e propósito – algo que nem passa pela cabeça de quem não sabe se terá o que comer amanhã. 

Lembro dele de novo: Nelson dizia que, nos períodos em que passou fome, não conseguia nem amar, nem odiar. 

O simples fato de viver em Florianópolis me parece colocar você lá pelo meio da pirâmide. Você está feliz indo à praia, fazendo trilhas, caminhando na Beira-Mar. Sua vida é uma música do Dazaranha. E eu pergunto, retórico e a mim mesmo: a vida então é isso? Não nos resta nada além do que buscar repetir esses dias felizes, com a maior longevidade possível? 

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A mim me parece que a vida boa em Floripa se torna um objetivo final para quem vem do interior, de Porto Alegre ou de São Paulo. O último Uber que andei me contou que veio de carro de Manaus em busca do sonho – justamente esse que questiono. 

Eu sei que essa Floripa (e poderia ser qualquer lugar bom, mas a ilha me parece simbólica em termos migratórios) seria a realização de todas as preces de meio mundo. De quem luta para conquistar a base da sua pirâmide de necessidades. Mas e quem já “chegou lá”, vai apenas se esforçar para continuar lá? 

Não quero declarar aqui o que seria o certo ou o errado, já que eu também não sei. Mas faz anos que sinto na esfera social essa miopia em relação ao que buscamos. Por hora, só consigo fazer as perguntas, sem respostas: será que não existe nada além da vida boa? Nada ainda melhor, mais nobre, mais transcendental?

Será que a “qualidade de vida” que tanto buscamos não seria justamente a sedutora arapuca? 

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Ou melhor ainda: será que essa felicidade na ilha é a melhor métrica para medir a vida?

Fazer o que gosta ou gostar do que faz?

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