Há dois anos e meio, a multinacional americana Cargill, um conglomerado de empresas do setor de alimentos que tem receita anual de US$ 120 bilhões, percebeu que precisava avançar mais rapidamente em tecnologia. Criou a divisão Digital Insights para cuidar disso e um dos passos foi se tornar sócia minoritária da Agriness, empresa de Florianópolis, líder em tecnologia para gestão na suinocultura. Juntas, vão difundir a tecnologia no mundo de forma mais rápida. Na sexta-feira, as diretorias da área de pré-misturas e nutrição e do setor digital da empresa sediada em Minneapolis estiveram na Agriness, em Florianópolis, para a inauguração de fábrica de inovação e deram uma entrevista sobre mercados, guerra comercial, tecnologias, cultura empresarial e até alimentos de laboratório.
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Participaram Vinícius Chiappetta (de xadrez, a partir da esq.), diretor da Digital Insights para suinocultura e avicultura; Scott Ainslie, vice-presidente da área de nutrição animal da Cargill; Everton Gubert, CEO da Agriness; Chuck Warta, presidente da área de pré-misturas e nutrição da Cargill; SriRaj Kantamneni, diretor da Digital Insights; e Chuck Thorn, vice-presidente financeiro da área de nutrição. Confira.
Como a Cargill vê o mercado de suinocultura mundial nos próximos anos?
Chuch Warta – Tanto para suínos quanto para outras fontes de proteína animal estamos prevendo um crescimento de consumo em nível global em torno de 2% ao ano, mas há uma certa diminuição desse crescimento ao longo do tempo. Como os mercados são muito conectados, uma doença, uma disrupção ou um problema afetam todos. Esse é um dos motivos pelos quais a Cargill encoraja o livre comércio, permitindo que o alimento chegue na mesa do consumidor de forma mais sustentável. Uma das grandes tendências é a maior demanda dos consumidores por informações. A voz deles está ficando cada vez mais forte perguntando muito onde o alimento foi produzido, quando e qual é a história desse alimento, se ele tem rastreabilidade, até para os consumidores entenderem sobre impacto dos antibióticos e outras questões nutricionais no produto final.
A Cargill tem trabalhado visando a redução do uso de antibióticos?
Chuck Warta – Com certeza, a redução do uso de antibióticos faz parte da estratégia da Cargill. Isso está muito relacionado ao propósito da empresa de nutrir o mundo de forma sustentável e eficiente. Com o próprio investimento na Agriness a gente acredita que vai seguir nesse propósito também por conta do impacto na performance e saúde animal que pode vir através da gestão e tecnologias. Isso faz parte dessa estratégia. Mas também a Cargill fez investimentos numa empresa recentemente, a Delacon, que tem toda parte de produtos fitogênicos e óleos essenciais que substituem o uso de antibióticos, assim como na empresa Dimon V, que atua na área de redução de uso de antibiótico e aumento da imunidade de animais.
Qual é o impacto da guerra comercial Estados Unidos-China nos negócios da empresa?
Chuck Thorn – Depende da perspectiva. Falando globalmente dentro da Cargill, nos Estados Unidos há um impacto mais significativo de onde se originam os grãos para enviar para a China. A gente tem clientes que exportam também proteína suína e, com essa tarifação chinesa fez com que na própria China eles comprem isso de outros mercados. Da mesma forma que impacta nos Estados Unidos há outras partes do mundo beneficiadas, como o Brasil, mas se a gente colocar na balança os lugares em que é positivo e os negativos, o sistema todo perde porque os produtos não estão sendo comprados nos locais que permitem maior economia e maior eficiência. É por isso que a Cargill tem uma grande voz nessa questão do livre comércio global para que o alimento chegue de uma forma mais eficiente ao consumidor.
Chuck Warta – Considerando a sustentabilidade, a gente entende que o alimento tem que ser produzido onde haja o menor uso de recursos do planeta e vá atender onde há demanda de alimentos no mundo. A Cargill busca influenciar os governos usando a bandeira da sustentabilidade para defender o livre comércio.
Como vê a produção do Brasil frente a outros países sob o aspecto da sustentabilidade?
Chuck Warta – A Cargill vê o Brasil como um dos melhores lugares para a agricultura é por isso que a empresa já fez diversos investimentos no país, não só esse investimento na Agriness, como outros na agropecuária e na própria nutrição animal (A empresa está há mais de 50 anos no Brasil, atua em diversos segmentos e já foi dona da marca Seara em Santa Catarina). A empresa acredita muito nas capacidades do Brasil em produzir proteína animal e confia na indústria brasileira, de que está respeitando os aspectos de sustentabilidade.
Por que a Cargill decidiu se tornar sócia da Agriness e quais são os objetivos da fábrica de inovação que vocês estão inaugurando?
Scott Ainslie – O primeiro ponto e foi muito importante na Agriness é porque a gente compartilha de uma visão comum. A gente conheceu a história do próprio Everton Gubert que fundou, com os demais sócios, a empresa há 17 anos e a forma como eles transformaram o setor da suinocultura, onde hoje cerca de 90% da produção utiliza a metodologia Agriness. A Cargill viu que poderia crescer nesse espaço e ampliar para outras espécies, tornando a Agriness a nossa plataforma global para toda a produção animal. Sobre a fábrica de inovação, a parte central da inovação está nas pessoas. A gente viu tanto na Agriness quanto no Estado de Santa Catarina pessoas com talento e com paixão, com capacidade de desenvolver inovações disruptivas para o mundo.
Como serão os próximos passos para a expansão do uso das tecnologias da Agriness no mundo?
SriRaj Kantamnemi – Temos vários objetivos. A plataforma S4, lançamento da Agriness para revolucionar a suinocultura, a gente vai levá-la globalmente. Hoje a empresa está presente na América Latina, mas para ela ser robusta e escalável a gente vai levá-la para outras partes do mundo como nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Isso vai acontecer dentro de uma priorização, mas a gente vai transformar ela dentro da nossa plataforma global. E também por ser uma plataforma robusta, com toda arquitetura concebida para ser aplicada para todas as espécies, a gente, rapidamente, vai trazer para a avicultura e bovinocultura de leite. A gente vê essa plataforma como uma fortaleza, por isso investimos nela. Da mesma forma que a gente investiu na Agriness, a gente investiu anteriormente numa empresa que tem tecnologia de reconhecimento facial de vaca leiteira. Através de câmera ela consegue identificar cada animal de forma única, disruptiva. Dessa forma, a gente consegue rastrear cada animal de forma individual, entendendo o seu comportamento, a sua saúde, a sua performance, o seu consumo de alimento e água que hoje são coletados de uma forma não tão eficiente ou não são coletadas. Então, reunindo essas tecnologias em que a Cargill já investiu e outras em que ainda vai investir junto dentro de uma plataforma que é o que a gente acredita que vai fazer a produção mais eficiente e sustentável, como o nosso presidente Chuck Warta falou. Isso é para o produtor ter mais produtividade e lucratividade para continuar investindo no seu negócio e crescendo. Isso se conecta muito com a plataforma da Agriness, sobre colocar todos os dados num lugar só, facilitando análises.
E sobre fomento a startups?
SriRaj Kantamneni – A gente acredita que pode inovar mais rápido por meio do relacionamento com startups. A Cargill é uma empresa de 153 anos, com muito conhecimento sobre os setores em que atua e muito acesso a mercados, mas acreditamos que para fazer uma inovação mais ágil a gente precisa evoluir e colaborar com startups. Com o empreendedorismo dessas empresas a gente consegue inovar de forma mais rápida e eficiente.
Vocês podem informar sobre investimentos na Agriness?
Scott Ainslie – A Cargill não revela valores de investimentos, mas na associação que fizemos com a Agriness optamos por uma participação minoritária até para manter o espírito empreendedor da empresa, para que ela siga crescendo e não atrapalhemos isso dentro dela. A Cargill não está interessada apenas em valores financeiros, mas estamos vendo formas diferentes de investir, tanto com recursos que a empresa tem com base no seu conhecimento de mercado e necessidade de clientes por todas as partes do mundo, quanto conectando com parceiros em outras regiões do mundo para que a gente faça a expansão global da Agriness. Temos a visão de levar a Agriness para o mundo, não temos o horizonte de quando isso vai acontecer, mas estamos planejando a expansão dela para fora da América Latina.
Everton Gubert – A gente construiu uma plataforma com base que serve para várias espécies. Estamos avançados na suinocultura, mas entre as pessoas que estão participando dessa inauguração da fábrica de inovação estão também os times de avicultura e suinocultura. Nós estamos desenvolvendo em paralelo três espécies: suinocultura, avicultura e bovinocultura. À medida que essas soluções ficam prontas, a Cargill vai direcionando no mundo, dependendo da demanda de cada mercado. Há os que demandam mais suinocultura, outros mais avicultura. Como o Scott Ainslie falou, os valores de investimentos não são só financeiros. Além de aportar capital para a participação da sociedade na Agriness, um investimento não financeiro que eles fazem é nos levar para outras partes do mundo. Assim como eles são líderes no mercado brasileiro, são líderes em outros países e, por isso, podem nos levar para esses clientes lá fora. Imagina se tivéssemos uma equipe de vendas para bater na porta de potenciais clientes na China. Eles perguntariam quem somos. Até a gente criar um relacionamento na China vai demorar X anos. Assim não. Há muitos clientes na China que confiam na Cargill e precisam de soluções em tecnologia. Essa é uma outra forma de investimento deles na Agriness.
Quantos novos empregos estão sendo abertos com a fábrica de inovação?
Everton Gubert – À medida que vamos avançando no mercado, vamos ampliando o nosso quadro de pessoas. Para este ano, o plano é contratar mais 20. Tínhamos 60, o que dá uma ampliação de 33%. Dessas 20, nove já entraram. Há mais 11 vagas. As admissões não são rápidas porque precisamos selecionar a dedo. Por nós, essas 20 pessoas já estariam aqui. No ano que vem, vamos ver qual será a necessidade de ampliação do quadro e devemos contratar mais.
Qual é a principal vantagem oferecer tecnologia para várias espécies de animais?
Everton Gubert – Como atuamos somente em suinocultura, não existe no mundo uma solução única, completa e integrada para gerenciar todas as espécies. E alguns dos nossos clientes trabalham com mais de uma espécie. Vamos citar o caso da Coopercentral Aurora de Santa Catarina. Ela trabalha com suinocultura, bovinocultura de leite e avicultura. Nós atendemos eles em suinocultura. Eles desejavam ter a mesma qualidade de tecnologia para as outras espécies numa única plataforma. Isso é disruptivo, não existe no mundo. A gente vai conseguir isso com a junção da Agriness e a Cargill porque a Cargill atua com todas as espécies.
Como a solução de vocês facilita a vida nas propriedades rurais?
Everton Gubert – À medida que os negócios vão crescendo no campo, as propriedades vão aumentando em produção e produtividade. No passado, os meus avós tinham 10 porquinhos e três vacas de leite. À medida que o mundo foi consumindo mais, as propriedades aumentaram a escala de produção e chegou num ponto, hoje, que não dá para controlar anotando num caderninho. A lacuna que a gente vem atender é fazer com que eles possam ter negócios de grande escala com gestão altamente profissional. A tecnologia preenche essa lacuna com praticidade. Uma coisa é ter 50 matrizes, mas muitas propriedades têm 10 mil matrizes. Se você quer reduzir o uso de antibiótico, por exemplo, precisa controlar tudo de forma eletrônica. Imagina uma fazenda no Brasil com mil matrizes, ela fatura anualmente R$ 10 milhões. Se você vai ver entre as empresas de Florianópolis, quantas faturam R$ 10 milhões? Olha o tamanho do negócio que precisa ser gerenciado. A tecnologia agora permite que o produtor faça a coleta de dados falando com o smartphone, por comando de voz. Ele vai informar a cobertura de uma matriz e o robô vai perguntar com qual sêmen e vai registrar as informações por voz. A gente vai dar todas as opções para o nosso cliente, se ele quiser escrever no papel, digitar ou falar com o smarthphone.
E sobre o desafio de aumentar a produção de alimentos no mundo…
Vinícius Chiappetta – Hoje a tecnologia está muito presente em quase tudo o que a gente faz, mas quando olha a produção animal, há uma carência de uso de tecnologia para produtividade e sustentabilidade. Se você olha a demanda global de alimentos, se fala que o mundo terá 10 bilhões de pessoas em 2050, um dos fatores que permitirão alimentar o mundo é o uso de tecnologia. Além disso, ela ajuda também na sucessão familiar nas propriedades. Há um grande problema porque os filhos não querem continuar as atividades nas propriedades dos pais. A gente tem observado que quando há mais uso de tecnologias eles conseguem reter mais as pessoas no campo. Isso tem um impacto positivo.
Como a tecnologia da Agriness vai impactar na pecuária em nível global?
Chuck Warta – Isso inclui a razão da Cargill ter feito esse investimento na Agriness. Achamos que a Agriness poderia levar 10 anos para construir tudo isso e se tornar uma plataforma global. Da mesma forma, a Cargill poderia investir dentro de casa, com talentos e recursos, e levaria uns 10 anos para cumprir essa missão e propósito. Mas a gente acredita que os nossos clientes e nossos consumidores merecem que isso aconteça de uma forma mais rápida. Juntas, Agriness e Cargill podem levar a tecnologia ao mundo em dois ou três anos. Então, porque não fazer algo junto e atingir o benefício mais rápido? Isso deixa claro porque grandes empresas investem em empresas menores de TI. É porque acreditamos que podemos ser mais eficientes, mais rápidos e trazer o benefício ao mundo com mais agilidade.
Por ser líder mundial em alimentos, a Cargill tem números que impressionam. O senhor pode citar alguns?
Chuck Warta – A Cargill tem receita anual de US$ 120 bilhões, cerca de 150 mil funcionários, presença com unidades em 70 países e atuação comercial em mais de 100 países. Hoje, aproximadamente 50% da produção mundial de alimentos é tocada por um produto ou serviço da Cargill. Se a gente olhar somente o segmento de nutrição animal, 12% de toda a ração animal do mundo tem produtos da Cargill. Atualmente, todo dia a companhia impacta no prato de 2 bilhões de pessoas no mundo. Para dar uns exemplos: o chocolate usado pela Nestlé é da Cargill, o óleo usado na preparação de muitos pratos é fabricado pela empresa e muitos alimentos são transportados por ela.
A FAO, órgão da ONU para agricultura, prevê que a população mundial em 2050 estará perto de 10 bilhões de pessoas e será necessário aumentar a oferta de alimentos em até 70%. A Cargill, como maior empresa de alimentos do mundo, considera isso possível?
Chuck Warta – A Cargill está totalmente alinhada com as projeções da ONU, de que a população do planeta chegará a 9 ou 10 bilhões de pessoas. E o desafio de alimentar o mundo é muito complexo. Vamos precisar de vários tipos de tecnologias e sistemas de produção para atender as demandas sem precisar consumir um planeta e meio. Por isso essas projeções são importantes e seguem a proposta da Cargill de alimentar o mundo de forma segura, sustentável e eficiente. A empresa não tem todas as respostas, é um desafio global, mas as pessoas da Cargill acordam todos os dias pensando de que forma elas podem contribuir para atingir esse objetivo. A Cargill está alinhada com os 13 objetivos da ONU. A empresa acredita que a digitalização ajuda os produtores a tomar as melhores decisões para atingir esses objetivos. Como o Scott Ainslie comentou, o software de Agriness é uma tecnologia que vai permitir ao produtor ter mais informações sobre suas atividades e ser mais produtivo, ter animais mais saudáveis e, no fim, ter uma produção mais sustentável, consumindo menores recursos.
Vocês acreditam que no futuro teremos carne de laboratório, como estão tentando produzir?
Chuck Warta – Este é um bom exemplo, fazendo um link com a pergunta anterior. Acreditamos que a solução para alimentar o mundo não é única. Será a combinação de vários tipos de tecnologia. A gente acredita que serão várias tecnologias que vão ajudar a resolver o problema da alimentação mundial e que no futuro, sim, teremos alimentos produzidos em laboratórios. A Cargill fez já investimentos nisso. Mas a gente não acredita que isso vai ameaçar a produção tradicional. Haverá espaço para tudo. Os nossos clientes, tanto grandes quanto pequenos, querem que a Cargill invista nessas produções alternativas para serem complementares à produção tradicional.
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