Embora a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP-27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, seja focada em governos, uma empresa catarinense é destaque no evento. O Grupo Malwee, de Jaraguá do Sul, lançou o Desafio Lab, plataforma colaborativa para discutir e compartilhar soluções de preservação ambiental. O grupo de SC também chamou a atenção do mundo por ser pioneiro na produção de confecções de fios feitos com 85% de roupas usadas.
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O grupo foi representado na COP pela diretora executiva de Negócios, Anay Zaffalon, que apresentou o novo projeto e explicou os demais como o do fio feito de moletom usado e o de jeans, que usa apenas um copo de água para a produção de cada calça. Segundo ela, esse projeto do fio “é revolucionário”. O grupo Malwee é case observado por diversas associações do mundo voltadas à preservação ambiental.
Paranaense mas residindo agora em Jaraguá do Sul, terra da sede da empresa, Anay Zaffalon é formada em moda com MBAs em gestão de varejo e gestão de sistemas de moda. Antes, ela fez carreira na Europa, onde trabalhou nas grifes de luxo Vivienne Westwood, Burberry e Versace, sempre nas áreas de estratégia e produtos. Ajudou a vestir estrelas como Lady Gaga e Angelina Jolie.
No Grupo Malwee, além de liderar a gestão das marcas, ela acompanha projetos estratégicos, como os de preservação ambiental e implantação dos planos para ESG. A companhia aderiu à recomendação de equidade de gênero para lideranças até 2030, mas já chegou lá. Saiba mais na entrevista a seguir.
Como analisa a COP-27 após acompanhar e participar de debates no evento?
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Esta é a minha primeira COP. Eu estava bem ansiosa para ver como seria. É um evento principalmente político. Muitos políticos de países se reúnem para tomar decisões. Tem muita gente da iniciativa privada, muitos jovens. Essa COP é voltada principalmente para ações. Em edições anteriores, foram feitas muitas discussões, mas com pouco resultado. Esta é para discutir resultados, como planos de ação estão sendo executados, compartilhar esses percursos. Tem uma chamada grande para a juventude.
De que forma as empresas privadas estão participando da conferência?
Elas estão com bastante atuação na COP, sendo que aqui na África é um polo petrolífero. Teve contestações sobre a COP ser aqui, indicando que poderia haver conflitos de interesses. Existe muita indústria automobilística. Empresas privadas participam, mas sem estandes próprios. Também tem muita informação sobre oportunidades na área de energia e de água. Mas essa COP é especificamente voltada para a descarbonização e, por ser um evento político, o principal é a participação dos governos.
Se fala muito nos bastidores do evento de que existem muitos planos, mas pouca execução para preservar o meio ambiente?
Sem dúvida, essa é uma dor. Acho que é uma dor no mundo todo. Não pela falta de vontade, mas pela dificuldade de encontrar parâmetros de comparação. Hoje (dia 10) eu estava num painel sobre finanças, sobre como financiar de fato, através dos bancos públicos e privados, o desenvolvimento sustentável.
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Como fazer a transição para o desenvolvimento verde. É um processo complexo de transição. É preciso ter retorno para poder investir novamente. São necessários parâmetros para isso acontecer. Mas o sentimento geral é de que se faz ainda muito pouco.
Temos informações, por exemplo, de que faz frio atualmente no Brasil, até nevou em Minas Gerais e a gente está na metade de novembro. Então, a crise climática está acontecendo, existem providências urgentes que a gente precisa tomar, mas, de fato, é muito difícil porque não existe uma regulação, uma união entre as empresas para determinar o que é sustentável. Aí fica difícil entender o que, de fato, está sendo entregue.
O Grupo Malwee lançou aí na COP-27 a plataforma colaborativa Desafio Lab. O que é essa plataforma e qual é o objetivo dela?
O Grupo Malwee fez 54 anos. Foi fundado em 1968. Oito anos depois da fundação o seu Wolfgang Weege (fundador) já tinha comprado o terreno do Parque Malwee e fez projetos durante dois anos para arborizar a área que era um gramadão. Foram feitos muitos estudos e em 1978, foi inaugurado o parque. Por isso, toda a parte de sustentabilidade, cuidados com o meio ambiente, é muito forte dentro da empresa.
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Por isso ser tão natural dentro da companhia, é também muito difícil de comunicar. É como aquela pessoa que faz muito bem alguma coisa e alguém elogia, ela diz: “imagina, bobagem, isso é rápido de fazer”. No Grupo Malwee a gente tem essa sensação.
Na empresa, a gente fala muito de circularidade. Existe um trabalho muito grande e concreto sobre água, descarbonização. Temos trabalhos em andamento e planos concretos. Isso do ponto de vista industrial. Mas quando se fala de moda, consumo, a gente produz a roupa e o que acontece? Nossos produtos são feitos para durar mais.
Mesmo assim, vai ficar pequeno, a pessoa vai deixar de usar o produto por algum motivo depois de um tempo. Isso é uma realidade. Hoje, tem um caminhão de roupa (lixo) a cada segundo sendo jogado em aterros.
Olhando para a circularidade, numa perspectiva futura, a gente se desafiou a fazer um fio com peças usadas e, desse fio, fazer um novo produto. No mundo, existem algumas empresas que fazem esse tipo de fio. Uma usa somente 30% de fio composto por peças usadas. A nossa primeira leva já foi com 70%. Este ano, a gente já foi para 85%. Isso é muito relevante. Isso prova que a circularidade é possível.
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Tudo o que é relacionado a circularidade, exige uma formação também do consumidor. Fizemos um lançamento no ano passado. Junto com isso, veio também a vontade de compartilhar com o mercado, de entender.
Então, a gente se uniu com a Cruz Vermelha, para receber as roupas que de fato iriam para um aterro. É difícil conseguir matérias-primas assim.
Ela junta o que não vai ser doado porque tem defeitos. Essas peças eles fornecem para a gente. Junto com outro parceiro, a Eurofios, esse fio é desfibrado, feito outro fio, e dentro da nossa estrutura a gente consegue fazer um novo tecido, um moletom e, então, fazer uma peça que pode ser vendida.
Lançamos esse produto ano passado. Não foi vendido. A pessoa só poderia obter se doasse o produto. Lançamos na Avenida Paulista. Para nós, é importante que não seja algo de nicho, que todo mundo tenha acesso.
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Nesse meio tempo, a gente foi desenvolvendo melhor essa tecnologia, agora isso se tornou uma matéria-prima padrão. A gente pode usar isso em qualquer produto das nossas coleções, dentro de um preço acessível, dentro do que a gente já oferece para os nossos clientes e consumidores.
Então a plataforma vai unir e difundir informações?
Com isso veio a vontade de juntar. A gente entende que tem que ser colaborativo. E veio a vontade de compartilhar esse conhecimento com outras empresas.
Muitas pessoas nos procuram para visitar a fábrica, conhecer como se faz, como é o nosso tratamento de água, como é o nosso processo de jeans. Temos muitas tecnologias desenvolvidas ao longo de muitos anos. Entendemos que compartilhar essas informações vai acelerar também o desenvolvimento das outras empresas nessa frente.
E tem outros pontos que a gente poderia aprender com outras empresas que são melhores do que a gente. Por isso criamos essa plataforma para estudantes, profissionais e empresas para trocar as informações.
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Como serão desenvolvidas as atividades no Desafio Lab?
A gente vai organizar conversas, convidar parceiros, abrir tópicos. Vamos atender demandas. Se tem uma empresa que quer aprender sobre determinada coisa, a gente vai se disponibilizar a abrir nossas portas e, também, publicar sobre esse avanço. Para nós, é difícil entender o que as outras empresas precisam. Então, vamos entender o que falta, no outro lado, para poder ir publicando aos poucos. É uma plataforma que será construída em conjunto com outras empresas.
Podem participar empresas de outros setores?
Sem dúvida. Existe muita sintonia entre empresas. Pode ser sobre gestão de resíduos, gestão de água. Não necessariamente, precisa ser sobre gestão de moda. A plataforma já está ativa.
Outro projeto do Grupo Malwee que chamou a atenção foi o lançamento, no final de 2020, de jeans sustentável feito somente com um copo de água. Esse produto tem uma aceitação diferenciada no mercado?
Esse é um grande diferencial do Grupo Malwee. Mas a gente não faz um jeans com apenas um copo de água porque vende mais, mas porque é o certo fazer. Economizar água é um dever, não necessariamente, gera mais vendas. Mas ele tem que ser tão bom quanto aquele produto que vende muito.
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Precisa ser algo natural. Não pode ser mais caro, diferente dos outros. Nosso laboratório de jeans é um dos poucos no mundo. Somos benchmarking para a própria empresa que criou essas máquinas. A gente vem fazendo e desenvolvendo a tecnologia internamente. Não é só fazer o produto, mas que seja com preço acessível para todo mundo consumir.
Hoje, grande parte dos nossos jeans é feita com essa tecnologia. Temos uma limitação de quantidade. Nossa demanda de jeans é maior do que a gente consegue produzir dentro do nosso laboratório. Isso é ótimo. Significa que tivemos muito sucesso tanto com a modelagem quanto com o aspecto do nosso jeans, além da tecnologia de uso de um copo de água. A gente aumentou muito a produção desse produto.
Como líder do Grupo Malwee, a senhora foi convidada para ser debatedora em diversos painéis da COP 27. A que atribui esse interesse?
Fomos convidados para participar de vários painéis na COP-27. A gente tem muito orgulho do nosso trabalho, mas temos dificuldade de contar isso de forma envolvente para as pessoas. O meu objetivo é divulgar essa trajetória ambiental do Grupo Malwee.
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É uma empresa catarinense, brasileira. Ninguém tem essa tecnologia. Somos a primeira empresa do mundo a fazer produto com fio 85% pós-uso. Isso é muito único, é revolucionário.
A gente é case para várias associações fora do país. Não só quem trabalha no Grupo Malwee tem razão de se orgulhar, mas as pessoas do nosso Estado e do nosso país também. É uma conquista muito grande. O Brasil é muito envolvido em sustentabilidade. Tem muita coisa que a iniciativa privada faz, tanto na área de crédito de carbono, quanto gestão de água e energia renovável.
Temos dois bancos no Brasil trabalhando com Green Bond. Quanto mais a gente informar, mais fácil será comunicar isso ao consumidor. É ele que vai exigir das empresas as grandes mudanças. Os avanços das empresas não podem ser segredo, a gente tem que compartilhar mais. Nossa nova plataforma visa isso, uma evolução conjunta em ESG.
Por exemplo, no jeans comum, são usados pelo menos 80 litros de água na produção, enquanto no nosso é um copo. Se a gente não informa esse comparativo, o cliente não sabe como escolher.
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O cliente prefere algo mais sustentável, mas precisa de informação. No caso do fio 85% de roupas que seriam lixo, a gente economiza 33% de água na produção e emite 44% menos carbono. É uma grande diferença. É praticamente metade do que se emite para fazer um moletom novo.
O Grupo Malwee tem 4,2 milhões de metros quadrados de florestas preservadas. Qual é o futuro desse patrimônio florestal? Vender créditos de carbono?
A gente tem muita área preservada. Mas o que ela captura de carbono ainda não compensa as nossas emissões. Então, na verdade, não temos para vender, a gente tem mais para compensar.
Temos metas bem agressivas de redução de carbono. Toda nossa energia utilizada é renovável, a maneira como a gente esquenta as caldeiras na tinturaria tem muitas formas para emitir menos carbono. Pretendemos manter as nossas reservas e, quem sabe até ampliá-las.
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Como está o Plano ESG 2030 da companhia?
Nós temos um compromisso público nesse plano. No ano passado ele foi apresentado na COP26, na Escócia. Nossas metas foram construídas em conjunto. Foram meses de construção. Tivemos vários participantes, desde funcionários, consumidores e lojistas.
Tivemos parceiros da comunidade também. Foram mais de 100 pessoas envolvidas no plano, priorizamos 12 tópicos e escolhemos seis. Esse compromisso é público, a gente assinou e neste ano já estamos reportando os avanços.
Dentro desse plano 2030, a empresa adotou a sugestão de equidade de gênero da ONU, de ter 50% de mulheres em cargos de chefia até 2030. Como está isso atualmente?
Nós já alcançamos essa meta. Atualmente, 51% da nossa liderança é mulher. A gente tem muitas mulheres líderes que são mães. Algumas têm três ou quatro filhos. Sempre existiu um esforço grande para isso acontecer. Eu sou mãe solo, tenho uma filha de três anos. Existe muito apoio entre as mulheres dentro da empresa.
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Sendo uma indústria muito forte, temos umas áreas que, por natureza, são mais masculinas, como malharia e tinturaria. Com isso, é natural que exista um gap também de remuneração. Estamos atacando isso.
A diferença era de 10% em 2021 e, este ano baixamos para 7,2%. A gente tem que equiparar as posições para cada área específica por necessidade, demanda de mercado. A gente tem que trazer mais mulheres para algumas posições, algumas áreas. Para ter equidade na nossa remuneração é um trabalho bem árduo. Falei disso aqui na COP 27 e todos reconheceram que é difícil alcançar.
Ainda sobre participação feminina, o conselho de administração da empresa tem cinco integrantes e duas são mulheres. Na diretoria de operações, somos em cinco e só eu de mulher. Mas dos quatro diretores que se reportam a mim, duas são mulheres e dos cargos de coordenação da empresa, 68% são ocupados por mulheres. Atualmente, o grupo conta com 4,2 mil colaboradores, dos quais 68% são mulheres.
A senhora ocupa uma diretoria estratégica do Grupo Malwee, a de Negócios. Como foi sua trajetória para chegar até aqui?
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É uma jornada que eu tenho muito orgulho de ter feito. Sou formada em moda, trabalho com isso há 20 anos. Morei fora do Brasil. Fiz uma carreira bem legal lá fora. Voltei em 2012, participei da fundação de uma empresa digital, a U.Mode. No ano passado, entrei no Grupo Malwee, muito pensando na representatividade. Chega numa fase da carreira que a gente busca trabalhar numa empresa que tem propósitos, muitos valores alinhados com os nossos. Ficamos mais exigentes.
Fui convidada para cuidar das marcas infantis do grupo e, este ano, fui convidada para assumir o adulto e todo o comercial. Hoje eu sou a gestora de todos os negócios do grupo, de todas as marcas, desde o planejamento até a venda final. É B2B, franquias e vendas para o consumidor final, o B2C.
E como foi sua carreira no setor de moda de luxo no exterior?
Tenho bastante orgulho dessa minha carreira. Não foi nada fácil, mas acho que não é fácil para ninguém. Fui estudar na Itália e, através dos meus estudos, fui entrando no mundo da moda e do luxo. Trabalhei nas grifes Vivienne Westwood, Burberry e Versace, sempre cuidando de estratégias de negócios, de produtos.
Confesso que é uma carreira difícil de fazer, mesmo para quem nasceu e estudou lá. Além de dedicada, fui muito abençoada. Para mim, o filme “O Diabo Veste Prada” está mais para documentário do que para ficção. Fiz vestidos para a Angelina Jolie e Lady Gaga. Foi muito legal.
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Todos os trabalhos têm seus desafios, vantagens e desvantagem. Dentro do Grupo Malwee, fui muito bem recebida como diretora e tenho muito apoio das mulheres que atuam na empresa.