O Brasil necessita de uma maior inserção no comércio mundial. Mas diante de tantas demandas por reformas e da importância da abertura comercial, poderia fazer essas mudanças de forma organizada, porém ao mesmo tempo.

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A opinião é da catarinense Tatiana Lacerda Prazeres, assessora sênior do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) Roberto Azevedo e ex-secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento.

Graduada em Direito pela UFSC, em Relações Internacionais pela Univali e com doutorado em Relações Internacionais pela UNB, Tatiana fala também em avanços obtidos nos cinco anos em que atuou na OMC, onde participou de negociações até com o presidente do Facebook, Mark Zukerberg, e sobre os novos desafios que assume ano que vem como professora de uma universidade de Pequim, na China. Ela concedeu a entrevista em Florianópolis, onde visita familiares após ser uma das contempladas com a comenda Ordem Nacional Barão do Mauá, concedida pelo Ministério do Desenvolvimento.   

Como analisa a guerra comercial Estados Unidos-China?

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Tatiana Lacerda Prazeres – Esse aumento das tensões comerciais é algo muito preocupante. A OMC vem apontando sobre o risco desse cenário com escaladas de medidas e contramedidas há muito tempo e a situação está se agravando, com aumento de tarifas. Os EUA adotaram alíquotas mais elevadas para a importação de aço e alumínio e outros países adotaram barreiras contra essas medidas. Os americanos estão muito preocupados com o acelerado crescimento da China e a suposta violação de propriedade intelectual por parte da China. Adotaram uma série de restrições aos chineses que responderam e os americanos deram uma resposta a isso. Esse tipo de situação tende a se agravar de uma maneira que ninguém sabe como termina. Você sabe como começa, mas não como termina. É preocupante! Há vários cenários sobre o impacto disso na economia mundial. 

A prisão da executiva chinesa agravou mais?

Lacerda – Sem dúvida. Tem um contexto político por traz desse conjunto de medidas econômicas e há um risco de contaminação das relações entre os países. O aumento da importância econômica da China no mundo é o elemento mais marcante do cenário mundial e, naturalmente, o desconforto dos EUA com o crescimento da potência chinesa.

Qual é o impacto dessa disputa comercial para o Brasil e Santa Catarina?

Lacerda – Esse momento de aumento das tensões comerciais é marcado por muita imprevisibilidade. Isso acaba gerando, no curto prazo, oportunidades de mercado para países que não estão no centro da tensão. Uma barreira aos americanos, por exemplo, acaba gerando oportunidade para o Brasil e outros países (o Brasil está exportando mais grãos e carnes, por exemplo). 

O que me preocupa é que no médio e longo prazo essas situações não interessam a ninguém. Você tem ganhos curtos, pontuais, setoriais, que podem ser importantes mas que não se sustentam no longo prazo. 

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A OMC é a entidade internacional que tem o desafio de mediar isso. Como ela vem trabalhando?

Lacerda –  A OMC serve de foro para que os países possam dialogar e, no fundo, sem um diálogo entre essas grandes potências, não há solução possível. A organização permite que os países sentem em torno de uma mesa, apresentem suas reclamações, suas frustrações, seus interesses e com isso possam chegar um consenso. 

A única possibilidade viável é um entendimento entre os países. Por exemplo, em Buenos Aires, no G-20, houve uma reunião entre os presidentes dos EUA e China, houve uma “trégua”. Mas esse tema de barreiras, propriedade intelectual, isso tudo não se resolve de um dia para o outro. Então, é preciso criar diálogos e argumentos que permitam acordos duradouros no tempo. 

Quando encerra o seu trabalho na OMC?

Lacerda –  No final deste ano. Depois vou mudar para a China por motivos familiares (o marido Celso de Tarso Pereira será o ministro conselheiro da embaixada do Brasil em Pequim). Aceitei convite de uma universidade chinesa para dar aulas na área de comércio internacional e fazer pesquisas também. Atuarei na Universidade de Negócios Internacionais e Economia de Pequim (University Internacional Business and Economics). É bem da minha área. Eu estou contente porque vou conhecer melhor a perspectiva chinesa desses desafios. 

O novo governo brasileiro fala em abrir mais a economia do país ao comércio internacional. Como vê essa proposta?

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Lacerda –  Eu fico satisfeita de ver que a mudança de governo tem sido uma oportunidade de repensar a política comercial do Brasil. Sinto que há disposição de olhar a política comercial com outros olhos e fazer algumas reformas  que são necessárias para a melhor inserção do Brasil no mundo. Precisamos pensar de forma mais ampla, por exemplo a questão da tecnologia. A inserção do Brasil no mundo tem um componente de serviço, de tecnologia que precisa ser levado em conta. O país precisa de reformas para melhorar a produtividade, a competitividade. É possível e saudável esperar que todas as reformas sejam feitas para que depois se faça a abertura comercial? Ou é possível avanços nas reformas e, ao mesmo tempo, ir fazendo a abertura? Acho que a abertura comercial precisa ser programada e feita em paralelo a outras reformas. É preciso fazer uma abertura comercial planejada, organizada, mas firme. É comum as pessoas falarem que é necessário abrir a economia, mas quando envolve setores, o governo sofre muita pressão protecionista por parte da indústria. Para que haja uma abertura saudável é preciso uma visão clara de onde se quer chegar e depois, ter firmeza para mudar.

O que o Brasil precisa fazer para ser mais competitivo?

Lacerda –  Eu gostaria de ver junto com a proposta de reforma do comércio exterior do Brasil uma discussão também sobre quarta revolução industrial, indústria 4.0, modernização com mais tecnologia e robótica. A abertura sozinha não vai resolver todos os problemas econômicos que as pessoas gostariam. É preciso de outras políticas públicas para modernizar a indústria brasileira e Santa Catarina está à frente disso.