Um pouco de lógica, um pouco de matemática, um curso técnico, graduação ou simplesmente saber fazer. Esses são requisitos para ser o profissional mais desejado pelo setor de tecnologia, o programador. A função paga bons salários e permite trabalhar em qualquer país, até por home office internacional. Suprir a falta desses profissionais é o principal desafio do ecossistema de inovação de Santa Catarina, segundo o estudo anual Tech Report 2020 divulgado na última semana pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate).

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Mas as vagas no setor não são apenas para esses profissionaisl da lógica, embora sejam os mais valorizados. O setor de TI também precisa de trabalhadores para as áreas de marketing, administração, finanças e outras. É um mercado de oportunidades também para quem quer mudar de carreira. Em média, Santa Catarina tem, no setor, cerca de mil vagas abertas com dificuldades para serem preenchidas por falta de pessoas habilitadas.

Segundo o presidente da Acate, Iomani Engelmann, contar com trabalhadores qualificados é fundamental para o setor seguir crescendo. As empresas de tecnologia do Estado fecharam 2019 com a soma de R$ 17,7 bilhões em faturamento, 12% mais que no ano anterior, e 56,5 mil empregos, um acréscimo anual de 9%, que representou 3,4 mil novas vagas. Os dados são do Tech Report, que foi elaborado este ano em parceria com a Neoway e apoio da Finep.

De acordo com o levantamento, a região de Florianópolis concentra 48,9% do total de empregos diretos do setor. Em segundo lugar está o Vale do Itajaí com 19,1%, seguido pelo Norte com 17,6%. Em quarto lugar vem o Oeste com 6,9% do total de vagas, depois o Sul com 6% e o Planalto Serrano com 1,4%. O estudo apurou também que em apenas três anos, o total de postos de trabalho cresceu 19,1% no Estado. Em sintonia com a expansão de empresas já consolidadas e abertura de novas, a Grande Florianópolis liderou nesse período com um salto de 66,7% no total de vagas.

Contudo, chamou a atenção em 2019 frente ao ano anterior o crescimento acelerado de abertura de novos postos de trabalho em outras regiões do Estado. Graças ao novo centro de inovação em Lages, o Orion Parque, a região serrana liderou com acréscimo de 40,7%. Em segundo lugar ficou o Oeste com 26% mais e em terceiro o Sul, com 23,3%. O Norte cresceu 7% e a Grande Florianópolis, 4,1% na passagem de um ano para outro.

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A Acate deixou claro no estudo que um número, em especial, preocupa muito o setor: a evasão escolar nos cursos específicos da área de computação. No Brasil, é de 88,6%, o que significa que apenas 11,4% concluem os cursos. Mas não é muito diferente da média de conclusão dos demais cursos, 15,2%, que também é baixíssima.

Graças à criação de novos cursos superiores nas últimas décadas, SC está em segundo lugar no Brasil entre os estados com maior percentual de alunos de ensino superior voltados às áreas de tecnologia. Segundo a Acate, são 34,7 mil estudantes matriculados e cerca de 4 mil alunos em fase de conclusão de curso.

Esses números são mais animadores que os da média nacional, mas, mesmo assim, o setor está preocupado com a falta de profissionais e com razão. Não tem conseguido preencher todas as vagas atuais para profissionais técnicos que necessita. Os maiores polos de empresas de tecnologia do Estado, que necessitam de número maior de pessoas, sentem mais falta desses técnicos.

A segunda razão é que a carência de pessoal é uma preocupação maior para o futuro porque no setor, em SC, há um crescimento do número de empresas acima da média nacional. Segundo apurou o estudo, no ano passado o ecossistema catarinense foi o que mais abriu novas empresas no Brasil. O total passou de 11,3 mil para 12,1 mil, o que representa um crescimento de 7,7%.

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De acordo com o diretor executivo da Acate, Gabriel Sant’Ana, a pesquisa Tech Report mostrou dois fatos. Um é que há mais estudantes interessados em fazer cursos relacionados à tecnologia, embora a evasão escolar, depois, seja maior. E outro, é que há um menor número de pessoas fazendo curso superior de um modo geral, no Brasil.

Na avaliação dele, preocupa o fato de que, mesmo que cresça o número de interessados em fazer curso de tecnologia, isso acontece numa velocidade menor do que o ritmo de crescimento das empresas, por isso o risco de falta de profissionais persiste. Além disso, ele está preocupado com eventual concorrência internacional.

– Agora, com o trabalho remoto já popularizado, um desenvolvedor brasileiro pode ser contratado por empresa de qualquer lugar do mundo. E com o câmbio do jeito que está, uma empresa alemã pode contratar um desenvolvedor brasileiro pagando um terço do salário mínimo alemão – alerta o executivo.

Para Iomani Engelmann, empresas de tecnologia de SC e do Brasil também podem fazer o mesmo, contratando profissionais do exterior. Contudo, ele reforça que é preciso encontrar um caminho para melhorar a educação.

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– A atenção da Acate em trazer essa visão é mostrar que, se o Brasil não fizer nada em relação a maior atratividade do jovem para uma formação adequada, a gente vai ter, num futuro próximo, uma população adulta totalmente desempregada. Existe alguma coisa, antecedente a isso, que é a formação no ensino médio. É necessário mostrar a importância de ter uma carreira para que a evasão dos cursos superiores não seja alta. Nosso país está envelhecendo rapidamente e os empregos, cada vez mais, estão especialistas, dada a automação e avanço do uso da tecnologia – explica Iomani Engelmann.

Além da Acate, a Federação das Indústrias do Estado (Fiesc) e a Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), que tem sede em Joinville, também estão alertas sobre a falta de trabalhadores qualificados no Estado. Isso porque existe uma forte aceleração da indústria 4.0 (internet das coisas) em SC, avançando não só na indústria, mas também nos setores de comércio e serviços.

Isso mostra que a economia como um todo está precisando de mais trabalhadores com qualificações tecnológicas. Apesar de, nos últimos anos de baixo crescimento econômico as engenharias terem recebido menor destaque no Brasil, os setores econômicos de ponta seguiram apontando a prioridade de profissionais das carreiras da sigla inglesa STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), muito citada hoje no mundo da tecnologia.

Por isso a Acate e a Fiesc procuraram os secretários de Estado de Educação, Natalino Uggioni e Desenvolvimento Econômico Sustentável, Rogério Siqueira em busca de soluções de médio prazo na educação do setor público. Uma das possibilidades estudadas é relançar o programa Geração Tec, pelo qual o governo estadual formou programadores e outros profissionais para o setor de tecnologia em diversas cidades do Estado a partir de 2012.

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De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento (SDE), os secretários Uggioni e Siqueira conversam também sobre formação técnica com o Sebrae-SC, Senac, Softplan e Junior Achievement. A diretora de ensino em exercício da Secretaria de Educação, Maria Tereza Hermes, que também participa dessa mobilizaão, informa que no projeto-piloto do novo ensino médio, mais de 50% dos alunos mostraram que têm interesse em concluir essa fase com uma formação técnica.

Essa realidade do emprego do presente e do futuro do setor de tecnologia mostrada pela Acate, que extrapola para toda a economia, mostra que são necessárias ações em diversas frentes. No curto prazo, é preciso reforçar a formação profissional técnica e mostrar que todos precisam aprender a usar novas tecnologias para trabalhar ou, simplesmente, para usufruir melhor de produtos e serviços que o mercado oferece. No médio e longo prazo, é necessário mostrar às crianças e jovens que as ciências exatas não são difíceis e são portadoras de desenvolvimento econômico e social. A concorrência econômica mundial no setor de tecnologia é muito mais rápida e dura do que a de setores tradicionais.