O governo do Estado segue defendendo restrições só nos fins de semana, mesmo com Santa Catarina registrando quase 100 mortes, todos os dias, por Covid-19, e de o sistema de saúde ter colapsado. Para o secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Luciano Buligon, a difusão do coronavírus acontece quando as pessoas relaxam, fora do ambiente de trabalho. Por isso, as medidas atuais, na opinião dele, são suficientes.
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Em contraponto, o professor do Instituto Federal Catarinense, Eduardo Werneck Ribeiro, pesquisador da Geografia da Saúde, afirma que o Estado deveria ter adotado restrições extremas quando a ocupação de UTIs chegou a 70%, pois a propagação da doença acontece entre pessoas, que estão em todos os lugares.
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Werneck Ribeiro prefere não usar a expressão “lockdown” porque ela é mais ampla do que se fez no Brasil até hoje. O sistema foi utilizado na Europa e incluiu parada até da indústria de alimentos, o que nunca ocorreu aqui. Mas ele propõe restrições extremas por pelo menos 15 dias, mantendo só a indústria que não pode parar, como a avicultura.
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Por sua vez, o secretário Buligon defende a restrição adotada pelo governo do Estado nos finais de semana com base no que ele viveu em Chapecó como prefeito, até dezembro. Segundo ele, a gestão municipal acompanhava a movimentação de pessoas pelo uso de celular e concluiu que as aglomerações ocorriam fora do trabalho, na região central da cidade, em bares, a partir das 22h.
– Eu vivi a pandemia numa cidade industrial, intensamente em serviços, numa cidade que tem um comércio para 800 mil pessoas. A gente avaliava com a Polícia Militar, CDL, indústria, sindicato de bares e restaurantes. Eu avaliava cotidianamente com o meu comitê de crise. O nosso problema eram as noitadas, quando as pessoas relaxavam. Para mim, é esse o problema, o governador detectou cientificamente. Não é uma opinião minha, é uma opinião científica. É quando as pessoas relaxam – afirma Buligon.
Quando estava na gestão da prefeitura de Chapecó, o atual secretário estadual não chegou a enfrentar grandes picos de contaminação da população – sobretudo com possível variante mais grave. A pandemia chegou ao Estado em março, e Chapecó teve as primeiras 4 mortes dois meses depois, em maio, segundo relatório da prefeitura municipal. No pico de agosto, o município teve 22 óbitos e em setembro, 28. Em outubro foram 9, novembro 14, dezembro 31 e janeiro 19. A explosão de casos ocorreu em fevereiro de 2021, com 137 óbitos e até o dia 3 deste mês, teve mais 18 óbitos.
Uma das hipóteses para a aceleração da doença é da chegada de uma nova variante do vírus. Ela teria sido disseminada nas aglomerações do final do ano, Carnaval, em meados de fevereiro e, sobretudo, nas comemorações da vitória da Chapecoense, em 30 de janeiro.
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De acordo com Buligon, as medidas restritivas – ou o que muitos chamam de “lockdown de fim de semana” – visam manter Santa Catarina economicamente ativa. Segundo o ex-prefeito, quando a pessoa está trabalhando, focada, ela toma mais cuidado.
– O grande problema é quando o sol se põe. A noite começa com cerveja, balada, sem máscara, visitas a amigos e familiares. Aí relaxa o uso de máscara, o distanciamento, a higiene das mãos, relaxa tudo – argumenta o secretário, defendendo que o que funciona é o toque de recolher, com cada um na sua casa.
Para o professor e pesquisador Werneck Ribeiro, que no ano passado fez estudo sobre a mobilidade de pessoas com base no uso de celular, foi o descuido de muitas pessoas em três eventos recentes que colocou Santa Catarina e o Brasil nessa situação –eleições em novembro, festas de final de ano e Carnaval.
Em Chapecó, houve um quarto evento que pode ter sido outro forte catalisador: a festa da vitória da Chapecoense, em 30 de janeiro.
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– Acho que é inevitável adotar restrições amplas. Isso terá que ser feito de qualquer forma. Olha a ocupação das UTIs. A gente não tem mais vaga. Já deveríamos ter adotado isso quando tínhamos 70% das vagas de UTIs ocupadas. É preciso fazer uma restrição bem feita de 15 dias. O ciclo de internação de pacientes é de 14 dias – alerta o pesquisador.
Ribeiro também chama a atenção para o risco de o vírus ser tornar mais resistente com novas variantes e não funcionar com as atuais vacinas, concordando com alerta feito pela Organização Mundial da Saúde.
– Eu tenho o péssimo pressentimento de que esse vírus de Manaus já está circulando entre nós há um bom tempo. A gente tem poucos resultados de exames sobre isso. Estamos colocando em risco a própria capacidade da retomada da economia. Isso porque você prolonga um vírus para o qual você, teoricamente tem uma vacina e lá na frente, a vacina não faz a cobertura dela. O vírus fica mais resistente e, quando chegar a vacina, ela pode não funcionar – enfatiza Ribeiro.
Além da adoção de restrições amplas pelo setor público, Werneck Ribeiro afirma que é preciso um grande esforço para ampliar a oferta de vacinas. Também reafirma que os cuidados preventivos devem continuar com distanciamento, uso de máscara (se possível duas máscaras) e a higienização das mãos, reforça o pesquisador.
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