Cada vez mais informações e declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicam que o ex-ministro Fernando Haddad será o novo titular do Ministério da Fazenda. Para o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da pasta e sócio da Tendências Consultoria, se Haddad for confirmado, terá como grande desafio conquistar o mercado com um conjunto de ideias para enfrentar a grave situação do país. Outro desafio, segundo ele, será a realização de reformas difíceis.

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O economista também disse que o Brasil precisa de um teto de gastos ou alguma coisa parecida para limitar as despesas públicas. Isso porque o país não tem condições de seguir gastando mais do que o crescimento do PIB, como fez nas últimas décadas, até 2016.

Maílson da Nóbrega falou para a coluna em Joinville, onde esteve nesta sexta-feira à noite para eventos do Musicarium Academia Filarmônica Brasileira, da qual é presidente do Conselho de Embaixadores. Acompanhado do empresário Ernesto Heinzelmann, um dos fundadores e presidente do Musicarium, e de outras autoridades, o economista assistiu a estreia da Orquestra Kids – de crianças de 8 a 13 anos – e apresentação da Orquestra Jovem da instituição, que tem foco na inclusão social. Confira a íntegra da entrevista do ex-ministro:

O presidente Lula teria confirmado em jantar quinta-feira que Fernando Haddad será o ministro da Fazenda. O que esperar, caso o ex-ministro realmente seja o novo titular da pasta?

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– Olha, eu tenho dúvidas se ele (Lula) já anunciou. Mas digamos que anunciou. Eu acho que não vai ser um nome bem recebido pelo mercado. Toda vez que que o nome aparece como provável ministro da Fazenda a bolsa cai e o dólar sobe.

Se Haddad for escolhido para o Ministério da Fazenda, esse será o seu grande desafio: conquistar o mercado, até renunciar posições que ele teve no passado. Não vai ser tão simples porque a ideia que se esperava e que o Lula tinha de certa forma anunciado, é que o ministro da Fazenda seria um político.

O Haddad é político, só que não tem as características de outros políticos que foram ministros da Fazenda. No Brasil são dois na história recente: o Fernando Henrique, que foi o sucesso que a gente sabe, e o Antônio Palocci, que foi um grande ministro da Fazenda enquanto permaneceu no cargo.

Qual é a diferença entre os dois e o Haddad. É que o Haddad é um economista. E economistas têm posições por isso será menos suscetível a influências de uma equipe de economistas renomados que pode ser seu corpo de assessores. Não estou dizendo que ele vai dar errado, mas ele precisa conquistar o mercado.

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Conquistar o mercado não será com coisas genéricas como ele tem falado. Mas mostrar que ele tem um conjunto de ideias para enfrentar, sobretudo, a grave situação do país. De mobilizar a própria capacidade de liderança do Lula ou induzi-lo a isso em prol de reformas muito difíceis.

O que o Lula tem dito até agora é o oposto. Está falando como se o Brasil não tivesse  nenhum problema fiscal, que ele vai ter dinheiro para todo mundo, que vai ter picanha para todo mundo, gasto mais para educação, para salário mínimo e tudo mais, e não tem espaço para isso.

Além do mais, tem um problema muito sério no processo orçamentário brasileiro que é a sua rigidez: 93% dos gastos federais se destinam a despesas obrigatórias em saúde, educação, previdência e folha salarial, além de programas de transferência de renda para as classes menos favorecidas.

Então, quebrar isso é missão básica do próximo governo. Se não conseguir quebrar vamos passar por uma situação muito delicada porque a tendência é a trajetória da relação entre a dívida e o PIB, que é o principal indicador de solvência do setor público, adquirir uma tendência explosiva. Na medida que isso acontece, os investidores vão fugir do Brasil porque começa a haver o risco de calote.  

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Se o Haddad for o escolhido, ele tem dois desafios. Um é ter um bom conjunto de ideias para enfrentar o problema fiscal do Brasil e outra é convencer o mercado que ele tem ideias diferentes da do PT porque a ideias do partido não são as melhores para enfrentar os problemas do país.

Eles continuam prisioneiros do antigo papel das estatais, do gasto público. Por exemplo, um grande sinal seria o Lula anunciar que vai privatizar a Petrobras. É claro que ele não vai fazer isso. Mas não tem nenhuma razão de natureza estratégica, política, econômica, social e história para o Brasil ter uma empresa estatal.

Elas são de outro período. Se você olhar nos 100 séculos da civilização, somente em dois teve empresas estatais: o século 19 e século 20. O governo não foi feito para trabalhar com atividade privada, de finanças, petróleo, ferrovias e outras. As estatais surgiram no século 19 como forma de suprir uma falha de mercado.

Por exemplo: os países europeus que não tinham enriquecido como a Inglaterra começaram a se perguntar como ficar rico. É fazer como eles fizeram. Só que os ingleses se prepararam em dois séculos para isso. Cabe ao estado empreender, para suprir esses serviços.

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 Mas à medida que os empresários se mostram capazes, tem que privatizar. O Japão privatizou no século 19. A Europa, no século passado. O Brasil ainda diz que estatal é fundamental para o crescimento. Não é.

O fundamental é atividade bancária e de exploração de recursos naturais ser desenvolvida pelo setor privado. A experiência mostra que quando existe a condição de o setor privado fazer uma atividade, ele faz melhor do que o Estado.  

Na sua opinião, o Brasil precisa de um teto de gastos?

Precisa, sim. Ou algo que seja a constituição uma âncora fiscal que contenha um elemento de controle de gastos. Por que o Brasil, em 2015 e 2016, estava trilhando um caminho suicida no campo fiscal.

A origem disso tudo é a Constituição de 1988. Os constituintes seguiram uma ideia-força que fazia sentido, de que tinham que acabar ou reduzir a pobreza e as desigualdades. Como se faz isso? Eles optaram por gastar dinheiro, transferir renda, aumentar salários, pensões e aposentadorias.

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A China teve o mesmo dilema, só que ela optou por reformas pró-mercado, para atrair a atividade privada do mundo inteiro para explorar as oportunidades que oferecia. E assim, ela retirou da pobreza no espaço de uma geração, 800 milhões de pessoas.

Como é que faz? O Brasil não estava em estágio de desenvolvimento para ter um gasto social dessa dimensão. Para você ter ideia, o Brasil tem gasto social de 25% do PIB, isso é tanto quanto a Alemanha. Só que a Alemanha é um país rico. Nós não somos ainda. Nada contra, acho até que temos que fazer, mas quando tivermos  condições de empreender ações nesse sentido.

Como se resolve isso? No primeiro momento foi a inflação. Ela corroía o valor dos salários e aposentadorias. Aí veio o Plano Real que acabou a inflação.

Como se faz agora? É com o aumento de carga tributária. Nós chegamos a um limite insuportável. O Brasil teve carga tributária maior do que a do Reino Unido, de 36% do PIB. Baixou para 32% porque não renovaram a CPMF e outros tributos.

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Aí chegou um limite. Então, decidiram fazer por endividamento. Mas se fizerem por endividamento vai bater no muro porque a despesa federal da Constituição de 1988 até 2016 cresceu 6% ao ano em média acima da inflação. O país crescia, em média, 2,5%. Não precisa ser economista, financista, estatístico ou engenheiro para saber que isso não vai dar certo.  

Então, o teto de gastos foi uma medida heroica para dizer: vamos dar um basta, vamos chamar todos a atenção. O teto de gastos tinha dois objetivos. O primeiro era induzir a sociedade a repensar prioridades.

O outro, sinalizar um declínio dessa relação dívida-PIB para sair do território de risco. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra. O governo fez três ou quatro emendas constitucionais furando o teto e, agora, estão discutindo a ideia de não ter teto. Eu acho que é um erro. Se fizer isso, não vai pegar bem.

Por outro lado, a âncora que estão querendo fazer é a âncora da dívida, ou seja, você estabelece uma meta da dívida. Isso não deu certo como meta fiscal nem na Europa. A Alemanha não cumpriu, a França, Itália e o Reino Unido também não cumpriram. Não somos nós que vamos cumprir.

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Além do mais, tem vários fatores que o governo não controla. Por exemplo, os juros. Se os juros subirem para conter a inflação, não cumpre a meta porque os juros influenciam o endividamento.

Se houver uma crise mundial que tem efeitos no Brasil e gera uma depreciação cambial, uma desvalorização da moeda, valorização do dólar, isso afeta a dívida pública também porque uma parte da dívida pública é em moeda estrangeira.

Então, eu espero que na discussão que vai haver, prevaleça o bom senso. Se não tiver o teto de gastos, precisa ter alguma coisa parecida. Tem que ter o controle de gastos.

A inflação segue preocupando quase todos os brasileiros. Como ela deve se comportar no ano que vem?

Eu acho que a tendência é a inflação declinar. Nossas metas lá na empresa, a Tendências, são de 5,8% de inflação este ano e de 5% no ano que vem porque a taxa de juros do Banco Central, a Selic, atingiu um nível considerado restritivo, que tende a influenciar, reduzir, o consumo e o investimento.

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Isso conduz, em algum momento, para uma redução do ritmo de crescimento da inflação e terminando, talvez não na meta em 2023, mas se essa tendência continuar e o governo for bem sucedido no controle da inflação e não aumentar o limite fiscal, provavelmente em 2024 nós vamos ter inflação de 3,5% a 4%.

Como avalia o trabalho do Musicarim, do qual é presidente do conselho de embaixadores?

É um trabalho extraordinário, encantador, que tem uma característica social inequívoca. É feito de forma extremamente profissional pegar criança de quatro anos e conduzi-la no aprendizado até um doutorado no exterior.

A ideia de formar músicos de qualidade, professores, profissionais de música não apenas para Joinville, mas para o Brasil e talvez para o mundo porque alguns vão ficar aqui, talvez, no exterior. Outros ficariam aqui como professores.

Então, essa característica social do Musicarium é o que me encanta porque se torna instrumento de ascensão social de um grupo de crianças que de outra forma não alcançaria essa posição. Eu tenho visto, sempre que eu venho aqui, exibições de crianças de oito anos de um talento enorme, de 12 anos, de 15 anos.

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Hoje eu vi um aluno de 20 anos tocando um fagote (instrumento de sopro) como se fosse já um músico formado. E todas as vezes que eu venho aqui, ouço e vejo a Orquestra Jovem, de crianças, eu fico impressionado. Eu não sou músico, não sei avaliar bem, mas, aos meus ouvidos, é uma coisa espetacular e emocionante.

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