Nos últimos quatro anos, o setor de tecnologia de Santa Catarina registrou crescimento relevante, protagonizou negócios bilionários de fusões e aquisições e lutou para seguir competitivo. Tudo isso foi acompanhado de perto pelo empresário Iomani Engelmann, que encerra em 31 de maio quatro anos na presidência da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), quando será sucedido por Diego Brites Ramos.

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Em entrevista exclusiva para a coluna, Iomani comenta o fato de em 2021 SC ter liderado os negócios de fusões e aquisições no país em tecnologia, somando cerca de R$ 10 bilhões. Segundo ele, isso mostra que o ecossistema do Estado cria empresas de valor.

Mas, nesta entrevista, ele manifesta também apreensão sobre as questões tributárias, tanto sobre o impacto da reforma, quanto a reoneração da folha ao setor. Alerta que, se o governo federal não tomar cuidado, poderá expurgar as empresas de tecnologia do Brasil, como está acontecendo em outros países.

Sobre os desafios futuros, Iomani defende a continuidade de atenção para a formação de talentos e fala como o governo estadual pode ajudar a projetar o setor. O ecossistema de tecnologia e inovação de SC responde por mais de 6% do Produto Interno Bruto estadual e é composto por 22,1 mil empresas que somam faturamento anual superior a R$ 23 bilhões. Saiba mais na entrevista a seguir:

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Quanto a Acate cresceu em número de associados nesse período de quatro anos e o que pontos o senhor destaca da gestão que liderou? 

– Um destaque interessante a ser feito é o crescimento no número de associados. De um total de 1.000 avançamos para 1.700 associados, foi um crescimento bem agressivo. Nesse crescimento, uma coisa que me deixa muito feliz é que cresceu muito a participação das empresas de fora da Grande Florianópolis. Hoje, 42% dos associados da Acate não são da Grande Florianópolis, o que mostra, cada vez mais, que o nosso Estado como um todo é inovador, o que é um ponto importante.

Outro aspecto, claro, também importante é o que diz respeito ao crescimento da receita da entidade de R$ 7 milhões para R$ 15 milhões. Um outro aspecto também considerável foi o aumento no número de incubadoras que fazem parte da rede da Acate. Antes nós tínhamos somente o MIDI e uma série de outras incubadoras no Estado, mas que não faziam parte da metodologia da Acate.

Agora são 12 que integram essa rede. Em qualquer região do Estado tem uma incubadora com a mesma metodologia do Meditec, que é uma metodologia que já foi reconhecida três vezes entre as cinco melhores metodologias de incubação do mundo.

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Nos últimos quatro anos, nós tivemos um crescimento importante do setor de tecnologia de SC, e um número de fusões e aquisições extraordinário como o da RD pela Totvs e outros negócios grandiosos. Como o senhor avalia esse movimento do mercado?

– Esse movimento reflete o fortalecimento do nosso ecossistema de inovação. Em 2021, Santa Catarina foi, tranquilamente, o segundo Estado que mais fez transações de compra e venda de empresas, com mais de R$ 10 bilhões sendo transacionados, sendo que a maior transação do Brasil foi a compra da RD pela Totvs, por R$ 2,2 bilhões.

Mas tivemos também a aquisição da Neoway pela B3 como um grande destaque, com R$ 1,8 bilhão, tivemos três IPOs (abertura de capital) de empresas catarinenses, da Neogrid, Intelbras e da Unifique. E no ano passado, por exemplo, uma das maiores transações de compra também foi de empresa Catarinense, a Ahgora adquirida pela Totvs por R$ 380 milhões.

Então, realmente, esse crescimento do número de associados e de incubadoras reflete já como consequência esse tipo de número, que é o número de transações e de maneira direta e indireta também é um número importante para o Estado porque gera e distribui riqueza por aqui para conseguirmos continuar crescendo.

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Isso também confirma que Santa Catarina desenvolve conhecimento na área de TI…

– Mostra que o estado desenvolve conhecimento, mas também cria empresas de valor no setor de tecnologia. Ninguém compra nada que não tenha valor. Quando esse tipo de empresa é comprada, mostra que realmente estamos criando uma quantidade grande de empresas, porque o nosso número de CNPJs de tecnologia tem crescido muito em SC.

Mas, mostra também que desenvolvemos empresas de qualidade porque quantidade e qualidade nem sempre caminham juntos. Mas, nesse caso, acredito que estamos fazendo o dever de casa.

Quando olhamos ecossistemas mais maduros, concluímos que a compra de empresas acaba sendo muito benéfica porque esses empreendedores ou alguns executivos dessas empresas, acabam, muitas vezes, empreendendo novamente.

Um caso que é muito citado na literatura é o do PayPal. A após a compra do PayPal saíram executivos e até empreendedores que tinham feito parte do PayPal e que depois da venda fundaram empresas como o LinkedIn, o Instagram, que depois acabaram sendo compradas de novo. Então é muito legal ver isso acontecer, porque com certeza esses fundadores dessas empresas que já foram compradas vão empreender, investir e gerar mais riqueza para o nosso Estado. 

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Um desafio grande do setor é a oferta de talentos. Como avalia a evolução dessa formação de talentos com a participação da Acate hoje, e como vê para o futuro?

– Acredito que o maior papel da Acate foi dar luz, tanto para vários governos municipais e o governo estadual, que está carente de mão de obra para a demanda que hoje o setor tem. E da necessidade, conjuntamente com a oportunidade, que o nosso estado tem de usar essa carência para suprir essa demanda criando um emprego de alta renda.

Hoje, hoje Santa Catarina já tem a menor taxa de desemprego do Brasil, então o nosso problema maior não é gerar mais emprego, é melhorar a renda média e usar o setor de tecnologia é um grande caminho para isso.

Eu acho que um outro grande ponto importante que a Acate fez foi mapear todas as iniciativas que existem hoje no Estado de formação de mão de obra em tecnologia, catalogar elas, e criar meios por metodologia de funil. Saber que neste funil estão as pessoas que têm idades e estão em estágios de formação diferentes.

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Então, nós temos crianças, jovens do ensino médio, jovens adultos, adultos já formados, nós temos os sêniores, e temos oportunidades para todos eles, para capacitá-los e inseri-los no mercado de trabalho e em algumas atividades que sejam na tecnologia. 

Como estão, em média, dos salários do setor de tecnologia, atualmente, em SC?

– A média de salário de entrada está por volta de R$ 3,5 mil. A média geral é de R$ 7 mil. Um programador, por exemplo, começa com uma média de R$ 4 mil e, se for muito bom, pode receber de R$ 30 mil a R$ 40 mil.

Um tema que envolveu bastante a discussão de vocês foi a questão da reforma tributária e impactos ao setor. Acredita que será um grande desafio ou o setor vai conseguir absorver os impactos?

– Primeiro, eu acho que a reforma tributária foi um grande momento para a Acate, para mostrarmos o protagonismo que nós temos não somente no cenário estadual, mas também no Federal. A Acate foi a única entidade estadual – não é uma instituição que tem um escopo nacional – a ser convidada para discutir o tema em altíssimo nível dentro do Senado Federal tanto na audiência pública, quanto junto com alguns senadores.

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Isso mostrou um pouco do protagonismo, da relevância que Santa Catarina tem no setor de tecnologia e da importância econômica que isso traz, porque é uma preocupação do governo do Estado e de alguns municípios, dada a relevância da participação dessas empresas na economia. A forma como seriam afetadas pode afetar diretamente essas economias.

A reforma tributária é um tema super necessário para o Brasil. Nós não conseguimos que ela fosse ajustada nos moldes que nós gostaríamos. Estamos bem apreensivos porque não existe um consenso de como ela vai afetar o setor. Existem discussões, muitas vezes não convergentes, da forma que isso afetará a área de tecnologia.

De qualquer maneira, é inquestionável que a carga tributária irá subir. O quanto subirá neste período de transição e tudo mais é o que vai se colocar e como a cadeia que as empresas estão inseridas poderá absorver com os critérios de troca de tributos e geração de crédito na cadeia, para poder passar esse custo adicional.

De forma geral, estamos bem apreensivos. O governo federal tem que entender que se a transição da reforma tributária não for bem feita, pode, eventualmente, expurgar todas as empresas de tecnologia, ou grande parte delas, daqui do Brasil como aconteceu ou vem acontecendo com algumas regiões do mundo.

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É o caso hoje do grande êxodo de empresas de tecnologia que está acontecendo na Califórnia, que já foi e ainda é um grande celeiro de empresas, um grande criador de empresas lá no Vale do Silício.

Mas os gráficos mostram o grande êxodo que está acontecendo neste momento. Um dos motivadores é a mudança de regras fiscais elaborada para esse segmento da economia, ou seja, a Califórnia aumentou a tributação ao setor de tecnologia e está perdendo muitas empresas, numa velocidade espantosa.

A Califórnia enfrenta queda no número de pessoas empregadas no setor de tecnologia e tem todas as consequências disso, que são imóveis desocupados, escritórios desocupados, pessoas desempregadas. As ausências de oportunidades se propagam.

Governo e Congresso fizeram um acordo que prevê a reoneração gradual da folha de 17 setores gradualmente. O que o senhor achou dessa decisão, até porque o setor de TI é um dos que têm na folha os maiores custos?

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– A volta da reoneração da folha, mesmo gradual, é muito preocupante ao setor de tecnologia por três grandes aspectos. O primeiro grande aspecto é que, hoje, além da ausência de linhas de financiamento particulares, aqui no Brasil nós pagamos um tributo em cima da mão de obra de um produto que talvez nunca venda. E isso não é tratado hoje de nenhuma forma.

Então, imagina o seguinte: eu estou desenvolvendo um produto, e talvez seja um produto errado. Talvez eu nunca venda ou leve muito tempo para desenvolver aquele produto. Então, eu estou pagando, vamos supor, R$ 100 mil de mão de obra do colaborador ou total de uma equipe, e eu pago 20% a mais sobre a oneração total, ou seja, R$ 20 mil a mais, sem nenhum tipo de receita.

Eu não conheço outro país do mundo que tribute a mão de obra, esquece de falar que esse tributo não é mais salário para o trabalhador, não gera valor nenhum para o trabalhador e vai para a máquina pública. Então, esse é o primeiro aspecto, tributamos o empreendedor sem que ele tenha garantia da receita daquele trabalho.

 O segundo aspecto, no caso da tecnologia, é que dentro do faturamento, o custo da mão de obra é um fator relevante. O maior percentual do nosso faturamento é folha, é mão de obra e isso também não está sendo levado em consideração. Na minha opinião, não deveria ter nenhuma alíquota sob o custo da mão de obra. Será muito mais barato desenvolver coisas fora daqui.

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E o terceiro aspecto que também não é levado em consideração é o grau de formalidade da mão de obra setorial. O setor de tecnologia tem um grau de formalidade muito alto. Nosso setor, além de ter um salário alto, é bem formalizado. Então, para mim, independente da curva da desoneração da folha, que estão falando em quatro anos, começando em 5% já no ano que vem, é muito preocupante.

O que o senhor diria para autoridades da área econômica que têm se posicionado a favor do fim da desoneração da folha para 17 setores? 

– Eu acho que a tributação deveria ser igual, de fato, mas deveria ser racional. Então eu não vejo, independente de setor, que é inteligente tributar a mão de obra e tributar a receita. É preciso tributar o resultado final da empresa, que vai para o bolso dos investidores.

Mas eu estou tributando o meio, ou até o início, o início de um novo produto que ainda não teve receita. Para mim isso é insano. Tributar a receita é menos pior, mas ainda é grave, porque se eu tributo muito a receita pode não sobrar lucro e depois eu mato a empresa. Mas tributar lucro é o imposto mais importante, é o mais racional.

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Que mensagem o senhor gostaria de transmitir ao governo federal sobre a volta da reoneração da folha?

– Eu acho que o principal ponto, que a gente não vê do governo, é uma contrapartida de corte de gastos públicos. Nós ouvimos há quase dois anos, há 18 meses, somente estruturas de arrecadação sendo revistas. Até agora, nós não temos nenhuma estrutura de corte de custos da máquina pública, uma vez que eu tenho certeza de que nós temos potenciais ineficiências a serem revistas dentro das esferas do governo, independente se é no legislativo, no judiciário, ou no executivo. 

Quais são os desafios da Acate daqui para frente, na sua opinião?

– Acho que será um desafio para a Acate continuar com essa jornada de convencimento e de apoio às iniciativas de formação de mão de obra para que as nossas empresas nunca tenham problema de escassez de talentos e perda de competitividade por falta de pessoas qualificadas.

Um outro ponto importante que continuamos aqui em Santa Catarina, é olhando com cuidado, também com o apoio do governo do Estado, cada vez mais ter fundos de investimentos locais e instrumentos de créditos locais para finaciar as empresas.

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E um terceiro aspecto é cada vez mais promover as empresas catarinenses como um local fértil, tanto de criação de empresas, como de criação de bons produtos, porque isso credencie as empresas para vender para o Brasil e para o mundo. Que SC seja um selo de qualidade para produtos de tecnologia.

O Estado pode ajudar a promover a excelência que nós já temos. Recentemente, tivemos um excelente exemplo disso no evento Brazilian Regional Markets em São Paulo, junto com o estado do Espírito Santo e do Paraná. Cada estado mostrando as oportunidades de investimentos. Santa Catarina levou quatro grandes grupos de oportunidades.

A área de construção civil, onde foi o prefeito de Balneário Camboriú Fabrício Oliveria falar; a área de concessões públicas, que foi o secretário de estado de Portos, Aeroportos e Ferrovias Beto Martins falar sobre todo o trabalho de concessão que temos; foi o presidente da Fiesc, Mario Cezar de Aguiar, falar das oportunidades da área da indústria e do agronegócio; e fui eu falar da abordagem da tecnologia, de quanto a tecnologia, hoje, recebe investimentos, atrai investimentos, transaciona. Este tipo de evento é perfeito para promover a excelência catarinense no setor de tecnologia.

Queremos, também, cada vez mais, ter apoio para promover eventos internacionais para também promover o nosso ecossistema. Da mesma maneira que estamos no Canadá, queremos marcar presença fisicamente em outros países que fazem sentido para nossa estratégia de expansão internacional. O Estado pode apoiar, com certeza, e já está se mostrando aberto para isso.

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