Sob impactos da crise econômica, clima e tecnologias, a multinacional Engie Brasil Energia diversifica investimentos e se prepara para atuação mais digital. O presidente da companhia, Eduardo Sattamini, fala do grande investimento deste ano, a aquisição da Transportadora Associada de Gás (TAG) que atende o Sudeste e o Nordeste, cenário econômico, na energia e outros temas de interesse da maior geradora privada do país.

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Como foi o primeiro semestre para a Engie?

Foi desafiador e de realizações importantes. A hidrologia no primeiro semestre de 2019 se apresentou mais volátil do que nos anos anteriores, o que influenciou negativamente em nossos resultados, mas com potencial de reversão no restante do ano se considerarmos nossa estratégia de sazonalização dos recursos energéticos da companhia.

Nosso Ebitda (geração de caixa) se manteve praticamente estável, com crescimento de 0,1% no semestre. Se tirarmos os impactos de eventos não recorrentes de recebimento de seguro no segundo trimestre de 2018 e custos no desenvolvimento do projeto de aquisição da TAG, o crescimento do Ebitda ficaria entre 4% e 4,5%. O lucro líquido, por sua vez, apresentou queda porque além dos efeitos da hidrologia volátil, tivemos um aumento significativo da dívida líquida da companhia, resultando em maiores despesas financeiras, decorrentes de investimentos.

Do ponto de vista operacional, foi possível celebrar a aquisição de participação na TAG, entrada da operação comercial total do Conjunto Eólico Umburanas (360 MW) e da Usina Termelétrica Pampa Sul (345 MW).

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Qual é a sua análise sobre o setor de energia no mesmo período?

O consumo de energia elétrica no Brasil apresentou crescimento de 1,7% no primeiro semestre de 2019, se comparado com o mesmo período de 2018. Isso mostra que não houve crescimento econômico significativo no país. Esse consumo aumentou em função da alta temperatura no início do ano. A gente tem visto que a economia ainda não deslanchou. Isso tem se refletido na falta de crescimento da demanda, falta de oportunidade e de aumento de preço de longo prazo. A gente espera que o humor dos empresários melhore com as reformas que estão sendo aprovadas e que o cenário econômico melhore para 2020.

No ambiente regulatório, o projeto de lei que propõe solução para o risco hidrológico no mercado livre foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda aprovação no Senado e poderá destravar cerca de R$ 7 bilhões em aberto na judicialização do GSF. Um avanço esperado pelo setor há mais de 3 anos.

Quanto a companhia investiu este ano?

Os investimentos totais da Engie Brasil Energia no primeiro semestre de 2019 foram de aproximadamente R$ 4,5 bilhões, dos quais R$ 3,5 bilhões foram para a aquisição da TAG. Para o ano, o previsto é algo em torno de R$ 5,6 bilhões previstos. Investimos também na termelétrica Pampa Sul e em Umburanas. No segundo semestre continuamos investindo na Linha de Transmissão Gralha Azul, o complexo eólico Campo Largo 2, que será para o mercado livre. Fechamos contratos com grandes consumidores como a Claro e o Angeloni.

Quais são os planos para expansão em energia renovável?

Estamos investindo cerca de R$ 2 bilhões nos próximos dois anos para ampliar nossa matriz renovável, hoje responsável por quase 90% da energia produzida pela Engie no Brasil. Além de geração renovável e transmissão de energia, as soluções da empresa para eficiência energética, consultoria, gestão e monitoramento e iluminação pública contribuem para a descarbonização dos processos produtivos de nossos clientes. Nossa meta é crescer, principalmente, nas fontes eólica, hidráulica e solar. Estamos atentos também a investimentos em usinas térmicas a biomassa.

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A Engie entrou de transporte de gás natural ao investir na TAG. Por que essa diversificação?

Essa diversificação começou em 2016 porque vimos que em função da recessão estávamos com dificuldades para crescer de forma lucrativa. Começamos a olhar áreas adjacentes à nossa. A companhia passou a se ver como uma plataforma de investimentos em infraestrutura de energia quando decidiu, em fins de 2017, entrar na transmissão. Também entrou na geração distribuída.

A entrada no gás se deu na mesma direção, ou seja, é uma área onde temos expertise internacional e poderíamos explorar as competências locais. A aquisição é um marco na história da Engie no Brasil. Foi a maior aquisição da companhia na América Latina. Nossa entrada neste setor é realmente em grande estilo, não somente pelo enorme potencial que a cadeia do gás oferece e por ser uma empresa operacional que ingressa na Engie já dando resultado, mas também por ser um ativo que estará sob a nossa gestão local.

O governo está querendo reduzir o preço do gás ao consumidor. Qual é o impacto para a empresa?

A redução do preço do gás, para nós, é boa. Hoje, a gente tem um contrato com a Petrobras que consome toda a capacidade do gasoduto. Mas é importante um mercado com mais players para ter um aumento da oferta e demanda e, com isso, o gás, por si só, vai barateando. Se você aumenta o volume transportado reduz o custo do transporte para cada metro cúbico de gás. O governo quer aumentar o volume de vendas para ter maior produção, maior consumo. Ele tem que respeitar os contratos já existentes. No nosso caso, temos contrato por muitos anos ainda. Quanto mais barato o gás ficar, mais volume é vendido e mais tranquilidade teremos de que o sistema é robusto, sólido e vai durar muitos anos.

A empresa tem o projeto de térmica a gás em Garuva. Qual é a expectativa de viabilizá-lo?

Temos o projeto da Usina Termelétrica Norte Catarinense, localizada em Garuva, com capacidade instalada de 600 MW. O projeto já possui Licença Ambiental Prévia, e estamos avaliando alternativas para participar dos próximos leilões de energia. O projeto, porém, depende do suprimento de gás que só será viabilizado com o terminal de GNL de Itapoá.

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Além desse, a empresa tem outros projetos para SC?

Estamos constantemente avaliando novas oportunidades tanto em geração como em transmissão, através de leilões da Aneel, mercado livre ou fusões & aquisições. Entretanto, além do Norte Catarinense, neste momento não temos outros projetos em desenvolvimento no Estado. O braço de soluções do grupo, entretanto, está atuante e, recentemente adquiriu empresa de iluminação pública – Sadenco, e está acompanhando movimentos de alguns municípios em PPPs nessa área. Outro sucesso conquistado pela Engie em SC foi ter vencido a concorrência para fornecer monitoramento e segurança na cidade de Blumenau. Estamos ativos aqui no Estado também.

A Engie optou pela descarbonização e colocou à venda as usinas térmicas. Como evolui esse plano?

Em 2016, resolvemos nos desfazer dos ativos a carvão no Brasil, em linha com a estratégia global de descarbonização da matriz energética da Engie em todo o mundo. De lá para cá, a empresa realizou o descomissionamento da Usina Termelétrica Charqueadas (72 MW), no Rio Grande do Sul, e colocou à venda o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (857 MW), em SC, que está com negociações avançadas.

Devido ao contrato de confidencialidade não podemos divulgar as empresas interessadas, nem o valor do negócio. Em relação ao processo de Jorge Lacerda, existem companhias analisando, já com propostas colocadas. Estamos avaliando essas propostas e devemos ter uma decisão em breve, já que preferimos vender de forma equilibrada e com o preço mais justo possível. Acreditamos que será possível fechar o negócio nos próximos meses porque é um ativo maduro, com gestores de primeira qualidade.

Hoje, o carvão representa menos de 5% da geração da Engie no mundo, que já vendeu € 9 bilhões de ativos dessa matriz energética. No Brasil, o carvão é responsável por pouco mais de 10% da geração da empresa, incluindo os 857 MW do complexo Jorge Lacerda e os 345 MW da Termelétrica Pampa Sul. Nossa meta é vender a Pampa Sul partir de 2020.

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O setor de energia está em transformação. Quais sugestões a empresa daria ao governo federal sobre mudanças necessárias?

Realmente, o setor está em franca transformação, necessária e motivada inclusive por mudanças tecnológicas. Temos acompanhado as propostas de alteração da regulamentação no sentido de abrir o mercado para mais consumidores, de instruir preços mais aderentes à escassez da energia, reduzir subsídios, entre outras coisas, que entendemos serem muito importantes para modernização do setor.

Cabe ressaltar que, antes de promover mais mudanças, há que se resolver passivos existentes, como o já citado problema do GSF, que para ser solucionado depende, fundamentalmente, de deliberação do Senado Federal. Desde 2017, o setor debate amplamente uma reforma cujo objetivo é a sua modernização. O atual governo já está com uma agenda e grupos de discussão formados e trabalhos em andamento. Esperamos que temas que já estão sendo discutidos há bastante tempo possam ser implementados num horizonte próximo.

Como será o setor de energia em 2030?

Os próximos 10 anos serão marcados por profundas transformações no setor de energia elétrica. Para fazer frente aos novos desafios, a Engie redefiniu sua estratégia baseada em descentralização, digitalização e descarbonização e tem buscado uma maior proximidade com os clientes. Geração distribuída, crescimento do mercado livre e forte penetração de geração renovável. Novas tecnologias de monitoramento e diagnóstico de equipamentos vão mudar a gestão e as práticas de operação e manutenção (O&M) de energia. A operação do sistema será mais complexa e deverá contar com novos recursos como o gerenciamento pelo lado da demanda, bem como o uso de armazenamento, seja por bateria ou outras formas.

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A Engie tem buscado uma interação com os clientes com ofertas mais aderentes as suas necessidades e entende que em alguns mercados o modelo baseado no conceito de “Energy as a Service”, onde aborda todos os aspectos do relacionamento do cliente com energia será amplamente difundido. Por exemplo, uma oferta completa abrangeria estudo de eficiência energética e investimentos para a redução de consumo, gestão da conta de energia (demanda contratada, horários de consumo, etc…), construção de uma unidade de geração distribuída no site do cliente, fornecimento do balanço de energia através de geração centralizada renovável e gestão dos contratos de energia.

No Brasil, a Engie sempre teve uma presença muito forte na geração centralizada, mas no momento estamos nos dedicando a crescer na área de serviços através de aquisições, e já temos as competências locais para uma oferta global alinhada com o conceito de “Energy as a Service” para os nossos clientes, inclusive na questão dos investimentos necessários. Esse novo portfólio de soluções complementará nossa atuação no Brasil.