Márcia Mantelli é um exemplo de profissional feminina de sucesso na área de pesquisa em tecnologia de ponta. À frente do Laboratório de Tubos de Calor da UFSC (Labtucal/Lepten), a professora do departamento de Engenharia Mecânica acaba de ser eleita coordenadora do comitê de assessoramento em Engenharia Mecânica, Naval e Oceânica, e Aeroespacial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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Além desse desafio, ela lidera um grupo de pesquisadores com cerca de 50 pessoas do laboratório que, entre outras atividades, prepara tubos de calor para a próxima missão espacial do foguete brasileiro VSB-30, que será lançado em outubro.
Engenheira mecânica com doutorado no Canadá, a professora tem uma carreira inspiradora que começou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Entre as premiações que já recebeu estão o Prêmio Certi de Inovação, Prêmio Orientador de Melhor Dissertação de Mestrado (ABCM-Embraer), Mulheres de Destaque na Engenharia (CREA), Prêmio Inventor 2015 (Petrobras) e Prêmio Destaque Categoria Ciência (Revista Cláudia). Ela destaca o último como reconhecimento não do mundo científico (seus pares), mas da sociedade.
A professora deixa claro que o mundo da matemática, no qual teve influência positiva da família e de professores, está aberto para quem se dedicar um pouco. Quando alguém pergunta se é difícil, a professora diz que todas carreiras têm suas dificuldades.
A senhora acaba de ser eleita coordenadora do comitê de assessoramento do CNPq para áreas de Engenharia Mecânica, Naval, Oceânica e Aeroespacial. O que representa esse novo cargo e quais atividades terá que desenvolver?
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Eu já era representante do CNPq. Agora fui eleita coordenadora, o que é uma grande honra para mim. O CNPq escolhe para mandato de dois anos pesquisadores que eles consideram importantes no país para participar desses conselhos acadêmicos, que são os conselhos que discutem a concessão de bolsas, a concessão de recursos para projetos, de recursos para financiamento de pesquisas, esse tipo de coisa.
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O CNPq nos convoca para mandato de dois anos e, a cada mandato, é escolhido um coordenador. Eu estou nesse conselho desde o ano passado e agora me elegeram coordenadora. Se considerarmos que essa grande área envolve todos os processos de Engenharia Mecânica, Aeronáutica e Oceânica, é bastante coisa. O conselho analisa, julga e classifica todos os pedidos. É um trabalho de prestígio, mas não deixa de ser bem complexo.
Como coordenadora do laboratório de tubos de calor da UFSC, a senhora tem um novo desafio: desenvolvimento de experimentos de tubos de calor a serem testados em foguete brasileiro em novembro deste ano. Como é esse projeto?
O meu primeiro emprego foi no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em São José dos Campos, São Paulo. Lá, eu trabalhava na área de controle térmico de veículos espaciais. Por controle térmico entende-se o controle de temperatura dos componentes eletrônicos que estão em equipamentos dentro de um satélite. Um satélite pode ser entendido como um armário fechado cujas prateleiras contêm vários equipamentos eletrônicos. É preciso controlar a temperatura desses eletrônicos, da mesma forma que existem controladores de temperatura em nosso laptop, por exemplo. O objetivo é manter eles em níveis pré-determinados de temperatura para que eles funcionem bem. Então, na minha área, desenvolvemos tubos de calor para aplicações no espaço.
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Quando saí para fazer doutorado no exterior, fiz contato com várias universidades brasileiras buscando parceria para desenvolver estes dispositivos de controle térmico, que são os tubos de calor. Na época eu entrei em contato com a UFSC e foi assim que conheci esse grupo. Conheci o professor Sérgio Colle e outros docentes. Quando voltei do doutorado, ao invés de ir para o INPE, vim para a UFSC trabalhar nesse laboratório. Atualmente, boa parte do nosso laboratório está voltado para o desenvolvimento de tubos de calor para a indústria, principalmente a Petrobras. Também trabalhamos com a Embraer, WEG, etc.
Como funciona a remuneração desses trabalhos para empresas?
Na verdade, existem bolsas para alunos, bolsas para professores e a gente consegue através das fundações contratar funcionários. Hoje, envolvidos diretamente com a minha linha de pesquisa, não tenho nenhum funcionário pago com dinheiro público. Todos são remunerados com dinheiro de projetos.
A senhora chegou a alguns dos cargos mais importantes da engenharia. Que conselho daria para mulheres que querem seguir essa carreira?
Eu acho que nenhuma profissão é fácil. Agora imagina você trabalhando numa profissão que não é fácil e aonde você é minoria. Mas coisas estão mudando. Há 30 anos, quando eu entrei no mercado, a coisa era pior ainda. O preconceito era maior, tinha menos mulheres do que tem hoje. Eu acho que as coisas estão facilitando com o tempo, mas ainda temos um longo caminho. Qualquer pessoa com inteligência e vocação para essa área tem condição de seguir essa carreira, uma condição muito boa, na verdade. Dentro da engenharia tem uma série de funções que são muito adequadas para mulheres e que não estão sendo ocupadas. Da mesma forma que em profissões “femininas”, tem uma série de vagas que seriam muito bem ocupadas por homens, que também estão vazias, então tem os dois lados. Mas eu acredito que sim, as mulheres têm uma grande possibilidade de trabalhar nessa área.
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A maioria dos estudantes tem medo de disciplinas como matemática e física. É difícil mesmo ou é só uma questão de prestar atenção?
Eu até tenho um pouco de dificuldade de falar nisso porque, desde criança, para mim matemática era a matéria mais fácil de todas. Então, vai um pouco também do talento natural das pessoas. Eu, por exemplo, não gostava muito de história, tinha dificuldade com história. Então, em história, eu precisava me concentrar mais, estudar mais.
Eu tive a felicidade de ter tido um professor de matemática e um de física que eram apaixonados pelo que faziam. Quando você faz com paixão alguma coisa, você transmite essa paixão para os alunos. Eu acho que muitos professores no Brasil são muito mal preparados ou desinteressados.
Por quê? Paga-se muito pouco aos professores. Então, como é que você vai querer que um professor que goste de física queira ensinar para crianças e adolescentes com estes salários horríveis que estão sendo pagos? Eu acho que é uma questão também de valorizar os professores. Se a gente tivesse professores bem pagos, se dar aula para crianças e adolescentes fosse uma profissão interessante, você iria ver quanta gente interessada iria aparecer.
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No seu caso, além dos professores ótimos, seus pais também gostavam de matemática?
Meu pai era engenheiro. Ele era de uma família de seis irmãos, dos quais quatro eram engenheiros. Já na minha família de quatro irmãos, três são engenheiros e um é economista. A maioria dos meus primos também fez engenharia. Acho que há uma influência genética (risos). A gente não nasceu em um ambiente onde matemática era difícil, já vem de uma cultura familiar mesmo.