Diante das polêmicas em torno do novo marco do saneamento no Brasil, lei que prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, o especialista internacional sobre o tema, professor Carlos Eduardo Morelli Tucci, diz que o país precisa buscar quem faz o melhor serviço pelo menor preço. Chama a atenção ao fato de que o setor público, hoje principal fornecedor do serviço, não atende satisfatoriamente, por isso é preciso incluir mais o setor privado, mas cobrar metas.

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Engenheiro civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com doutorado em recursos hídricos pela Colorado State University, dos Estados Unidos, Carlos Tucci é professor aposentado e colaborador da UFRGS. Faz projetos para o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pelo mundo desde 2002. Agora, trabalha em plano para uma região da Índia.

Na última quarta-feira (17), ele fez palestra no 1º Fórum de Saneamento em Áreas Sensíveis, realizado pelo Grupo Habitasul em Jurerê Internacional, Florianópolis. No evento, Tucci também chamou a atenção sobre a necessidade de planejamento integrado de saneamento, incluindo água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos.

Segundo ele, projetos assim permitem melhor urbanismo, com serviços mais eficientes e mais baratos porque evitam alagamentos. Para isso, é necessário cobrar também taxa de drenagem, recomenda. Saiba mais na entrevista a seguir:

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Quais são os principais desafios para o Brasil cumprir o marco do saneamento?

– O marco do saneamento está indo no caminho certo, que é procurar dar mais eficiência para as empresas. Ele dá oportunidade para outras empresas com características privadas investir na área. Não que o privado seja melhor que o público ou vice-versa. Na realidade, a discussão de ser privada ou pública é inócua. O que precisamos é saber quem faz o melhor serviço de saneamento pelo menor preço.

O que se vê até aqui é que as empresas públicas de saneamento são extremamente ineficientes por várias razões. O que se está buscando é uma solução pelas empresas privadas. Não quer dizer que ela vai ser mais eficiente se não houver regulação e controle. Mas é uma alternativa porque do jeito que está não pode continuar.

O senhor alerta sobre a falta de planejamento urbano integrado, para incluir drenagens visando evitar alagamentos. Como fazer isso?

– Nós não resolvemos o básico, ainda, que é água e esgoto. Mas a tendência moderna, para atuar sobre áreas degradadas e áreas com certos problemas é trabalhar os quatro serviços juntos: água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos. Você não pode trabalhar mais isolado porque todos eles interferem entre si. O que acontece é a mesma coisa que você ir para uma UTI de hospital e ser tratada por cinco médicos em que nenhum conversa com outro sobre o tratamento. A chance de você sobreviver é nula ou muito baixa.

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A mesma coisa ocorre numa cidade porque é preciso a integração e ela não acontece. Na realidade, existe a necessidade de desenvolver uma área com o conjunto das empresas com uma determinada coordenação. Essa construção institucional é fundamental. As tecnologias de controle de água e esgoto estão aí a mais de 30 anos.

Pequenas inovações ocorrem, mas o que não acontece é a solução do problema legal institucional porque nós somos muito limitados em recuperação de custos, em organização das empresas, em atingir metas e controlar metas.

Então teríamos que ter uma empresa que fizesse tudo isso? Como é no exterior?

Não necessariamente. Você pode ter os quatro serviços fragmentados como normalmente acontece em todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, você vai encontrar drenagem com uma instituição, água esgoto numa outra empresa e resíduos sólidos em outra. Normalmente são três empresas e elas têm que trabalhar juntas por uma meta única, com uma certa coordenação.

Nós tivemos um evento do Banco Mundial (Bird) no Japão em 2017. Tinha 35 países e essa foi a questão que apareceu. Quando perguntaram aos japoneses como faziam, eles disseram que tinham ministérios diferentes, mas tinha que ter um chefe, um coordenador, para que as coisas acontecessem.

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Isso porque o ser humano é complicado. Todo mundo acha que é mais bonito que o outro, mais eficiente que o outro. E preciso uma coordenação. Então, a construção institucional, econômica e social é a chave disso, que nós ainda somos de baixa eficiência.

 Isso acontece porque as empresas têm possibilidade de cobrar, mas elas não têm capacidade de investimento. Aí elas poluem o rio e o órgão fiscalizador é o órgão do Estado. E a empresa que polui é do mesmo Estado. Aí começam as dificuldades até porque o governador pode pressionar um e outro para resolver isso porque ele tem uma meta de resultado. Então, isso muitas vezes não vai funcionar.

Você tem que ter uma empresa que tenha uma meta, medida de eficiência em termos de carga que deposita nos rios e não em indicadores que só enganam a sociedade. Tem 100% de coleta, 100% de tratamento e entrega poluído no rio.

O senhor veio para palestra em evento do Grupo Habitasul, que tem um sistema próprio de água e esgoto em Jurerê internacional. Como avalia esse sistema?

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Do ponto de vista de água e esgoto, eu acho que a área está bem controlada, tanto a situação atual como a situação futura, com planejamento. No caso de drenagem você não tem grandes enchentes, mas o próximo passo é controlar a poluição difusa, que vai ocorrer somente em dia de chuva, na primeira parte da chuva.

Isso em função até do que aconteceu no último verão, de as praias de Florianópolis terem que controlar o esgoto e poluição difusa. Eu não conheço as outras praias, não sei o padrão das outras praias. Mas acredito que aqui, em Florianópolis, existe o risco de ter extravasamento de fossas em períodos muito chuvosos, que vá esgoto misturado com água para a praia. São potenciais riscos que devem ser minimizados. Em coleta e tratamento de esgoto a fossa sempre é uma solução intermediária. Mas eu não conheço todas as situações da cidade para poder opinar.

No Brasil, temos muita mistura de água de chuva no sistema de esgoto. Isso compromete o tratamento?

Ocorre bastante. Isso compromete o tratamento de esgoto porque aumenta o volume e a eficiência do tratamento baixa. Isso porque o sistema é feito para fazer o tratamento puro, da ordem de 300 miligramas por DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio). Quando você mistura com água pluvial ele cai para 180 ou 200 depende da proporção de água pluvial. E aí a própria eficiência de percentagem de tratamento muda. Você tem uma vazão maior e, muitas vezes, o sistema não consegue tratar tudo.

Quando você faz um projeto de rede de esgoto, você aceita uma proporção pequena de água. Mas em locais onde existe lençol freático alto, pode aumentar demais a água pluvial. Aí é a questão de controle da rede.

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O senhor trabalha há tempo em projetos de saneamento no exterior. Pode contar um pouco sobre isso?

Sempre trabalhei com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o Banco Mundial (Bird) desde a época da universidade, desde 2002. São contratos de vez em quando. Já trabalhei em Bangladesh, Indonésia, Gana, Moçambique, Nigéria, Turquia e em muitos países latino-americanos. Agora, participo de um projeto na Índia.

Isso dá uma visão muito interessante do problema de saneamento no mundo. A nossa empresa, a Rhama Consultoria, trabalha nos setores de mineração, energia e cidades nessa área de recursos hídricos. Temos especialistas em geotecnia, hidrologia e meteorologia. Um dos projetos recentes que fizemos para a Agência Nacional de Águas (ANA) foi uma proposta de regulação para drenagem urbana no Brasil. É um setor totalmente sem serviços porque os prefeitos não querem cobrar uma taxa.

As prefeituras deveriam cobrar uma taxa para os serviços de drenagem?

– Seria necessário. Masos prefeitos não querem cobrar porque, politicamente, para eles, é consideram suicídio alguém cobra taxa de lixo. A única prefeitura do Brasil que cobra é Santo André. Nos Estados Unidos, são 1.600 cidades e todas cobram taxa de drenagem.

É preciso aprovar uma lei para tornar essa taxa obrigatória?

Não precisa fazer uma lei. Existem outros mecanismos.Todas as cidades precisam de dinheiro do governo federal para investimentos. Nossa proposta é que o governo federal decida dar financiamento somente para quem tem serviço de drenagem e cobra a taxa. Não precisa de uma nova lei. Lei demais atrapalha. Aqui no Brasil, temos lei demais e pouco funciona. Nos EUA, nem constituição tem e funciona. Isso ocorre porque o sistema inglês se baseia na prática das decisões judiciais.

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