Apesar de ser diversificada e competitiva no Brasil e no mundo, a indústria catarinense trabalha para se reinventar constantemente e, para isso, levanta uma série de desafios. Um deles é ter marcas fortes nos mercados interno e externo. O presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiesc), Mario Cezar de Aguiar, reconhece que esse é um investimento que precisa ser feito e está liderando ações para que o setor alcance resultados nessa área, hoje restrita a raras empresas de SC.
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Outros desafios colocados pela Fiesc é a necessidade de o Estado melhorar o aprendizado do ensino básico – fundamental e médio – para a economia não perder competitividade em breve e, também, seguir lutando pela melhoria da infraestrutura logística.
Em entrevista para a coluna, o presidente da Fiesc falou também sobre o que torna o setor um dos mais competitivos do país e sobre pleitos ao setor político, como um conselho consultivo em SC e reformas federais.
Qual é a sua expectativa para a indústria de Santa Catarina em 2023.
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– Nossa expectativa é sempre positiva. O Estado de Santa Catarina tem na indústria o seu grande vetor de desenvolvimento. E tem uma grande vantagem. É uma indústria muito diversificada. Nós produzimos de tudo aqui. E por conta da estrutura portuária e cultura da internacionalização, nós estamos incrementando, dava vez mais, nossas vendas internacionais. Então, acho que o Estado tem um futuro promissor, mas precisa tomar cuidado em algumas coisas.
Uma que é desnecessário falar, é que a infraestrutura que temos de transporte é extremamente precária e onera muito o custo de produção. É uma barreira a ser vencida. Isso impede que a nossa indústria seja ainda mais importante para a economia de Santa Catarina.
Se tivéssemos uma infraestrutura de transporte mais adequada, não teríamos perdido o primeiro posto de produção e abate de aves. Hoje somos o terceiro estado, perdemos até para o Rio Grande do Sul. Somos o primeiro em suínos, mas podemos perder. São dois produtos importantes na pauta das exportações, que empregam bastante e trazem muitas divisas para o Estado. Essa falta de infraestrutura logística tira muita competitividade.
Uma outra característica que estamos trabalhando aqui na Fiesc com programas específicos é criar valor, criar marca para a produção catarinense. Santa Catarina produz bem, com qualidade, mas não investe muito em marca.
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Temos empresas de referência, mas grande parte das 52 mil indústrias do Estado não se dedica muito a criar marca, criar design, a agregar valor para a produção. Nossas indústrias se preocupam muito com a qualidade, mas em termos de design, não.
Temos uma indústria moveleira que pode crescer muito em qualidade, em agregação de valor. Temos uma empresa no Extremo Oeste catarinense, a Sollos, que tem um design fantástico e agrega muito valor ao que produz (ela faz as criações do arquiteto e designer Jader Almeida). Com a mesma madeira que uma empresa produz um móvel, essa agrega valor com design, com produtos mais elaborados. Ela expõe em Milão e grande parte do que produz é exportado.
Somos, hoje, o maior produtor de confecções do Brasil. Ultrapassamos São Paulo. Temos poucas marcas conhecidas. As grandes marcas não estão em SC. Produzimos para elas, mas não com a nossa marca catarinense. Tínhamos uma empresa como a Dudalina que estava começando a criar uma marca, mas foi vendida. São poucas as marcas. Para sermos o maior produtor de confecções, temos poucas marcas que agregam valor. Marca vende.
Quando o senhor fala é no sentido de Santa Catarina buscar projeção mundial para marcas?
Sim! Falta agressividade nessa parte de criar marcas. Produto catarinense tem marca, tem qualidade. Marca vende, design vende. Qualidade é intrínseco e produtos catarinenses têm qualidade. Esse é um desafio que temos em Santa Catarina, tanto em nível nacional, quanto internacional.
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Mesmo com todos esses desafios eu vislumbro um 2023 positivo para a indústria catarinense. E digo mais. No Brasil, se fala em reindustrialização. Nós não usamos essa palavra em Santa Catarina até porque, aqui, a indústria tem incrementado a participação na produção de riqueza.
Em 2021, éramos 26,6% do PIB do Estado, em 2022, devemos chegar a 27% do PIB estadual. Assim, vejo toda possibilidade de ter um bom ano de 2023.
Como a Fiesc está colaborando para esse desafio de projetar marcas?
– Temos uma indústria diversificada que precisa, cada vez mais agregar valor, precisa criar marcas. Esse é um trabalho que estamos fazendo junto a indústria. Temos um programa que desenvolvemos junto com os industriais, trazendo experiências internacionais para agregar valor, criar marcas e design.
Temos MBR Priori – Moda, uma pós-graduação para o setor de confecções. Agora, ele será oferecido para alimentos e bebidas, móveis e madeiras. O exemplo da Sollos é fantástico como marca. Uma das mesas de centro dessa empresa custa na fábrica R$ 38 mil.
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A agregação de valor requer produtos exclusivos (pouca oferta) e alta qualidade, o que requer maior preço. Grife vende. O mercado de luxo da França, por exemplo, é extremamente rentável e traz resultados grandes para a economia do país. Precisamos criar marcas, existe um mercado para isso, que podemos alcançar.
O cenário econômico está menos otimista, apesar de a CNI projetar alta de 1,6% para o PIB em 2023. Mesmo assim, o senhor vê possibilidade de a indústria de SC crescer mais que a média?
A CNI está prevendo isso, mas alguns economistas estão prevendo menos, crescimento de 0,3%, 0,4%. Temos um novo governo, há uma expectativa não muito positiva, até pela quantidade de ministérios que estão sendo criados, a questão de não-observação do regime fiscal. Isso tira a confiança do empresário e pode acarretar num crescimento menor.
Mas, mesmo quanto o Brasil não cresceu tanto, Santa Catarina se sobrepôs. Contudo, temos algumas questões como a infraestrutura, inovação, capital humano. Precisamos investir mais em inovação. Fizemos uma reunião aqui na Fiesc e foi apresentado um quadro não muito positivo em Santa Catarina.
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Temos deficiência no nosso ensino básico. Nós éramos referência e não somos mais. Estávamos entre os três primeiros em qualidade de ensino, éramos referência. Caímos para a 18ª posição. Fui professor por muitos anos do curso de engenharia.
Eu senti, ao longo dos anos, que o aluno entrava na universidade cada vez menos preparado em matemática e português. O nosso ensino básico não está adequado para o padrão que hoje se exige. Existe uma deficiência bastante grande.
Isso dá para reverter?
Isso deve reverter. É um ponto de atenção do Estado. É isso que eu falo. Temos problemas na infraestrutura de transporte, na educação básica, temos problemas com fornecimento de energia. Algumas cidades querem ampliar suas plantas, mas não têm energia suficiente. Temos problemas em Treze Tílias, com a Tirol, em Água Doce com a Baterias Pioneiro. Agora, estão fazendo uma subestação para regularizar. Temos problemas também aqui no Estado, de água em excesso no litoral e falta de água no Oeste. Precisamos criar mecanismos para conter esses problemas. Como podemos enfrentar o problema no litoral? Fazendo barragens de contenção. No Oeste, precisamos de água para animais, agricultura e para o próprio parque fabril. Tem que ter reservas de água e poços artesianos.
Como resolver esse problema da educação básica? O setor produtivo pode colaborar?
É preciso política pública. Nós estamos fazendo. Hoje, mudamos totalmente a metodologia do ensino médio. Seguimos a metodologia STEAM (ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática, no inglês). Estamos adequando aquela proposta de ensinar fazendo. Uma metodologia adequada, com espaços adequados.
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Estamos requalificando nossos docentes e remunerando adequadamente. Tem toda uma política, um programa para a melhoria do ensino. E os resultados estão começando a aparecer. Fizemos o último Ideb e vimos que as notas de matemática e português melhoraram. É um modelo que podemos compartilhar com escolas públicas.
Dizem que o professor é do século IX, a escola é do século XX e o aluno, do século XVI. É que os jovens estão muito avançados, eles têm muito mais acesso à tecnologia. Precisamos de um programa que adeque os professores e as escolas para as necessidades atuais.
Gosto de citar que um professor nosso, do Senai, foi para a Universidade de Harvard e lá teve acesso a uma pesquisa sobre monitoramento das atividades intelectuais dos alunos durante 24 horas, por sete dias. A pesquisa havia apurado que o menor índice de atividade intelectual era de quando ele estava em sala de aula. Isso mostra que o que está se ensinando não está cativando o aluno.
O cenário internacional será mais difícil em 2023. Mesmo assim, a indústria catarinense vai seguir com exportações em alta?
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– O mundo se viu muito dependente da Ásia quando chegou a pandemia. Hoje, se criou um sentimento de que não pode vir tudo da Ásia. De uma maneira meio equivocada, essa globalização transferiu todas as indústrias para a Ásia. Era mais barato produzir na Ásia e trazer para cá.
A pandemia mostrou que isso foi um equívoco. Hoje, o mundo quer pulverizar seus fornecedores. Isso abre grandes oportunidades para Santa Catarina pela qualidade e diversidade que produz.
Os desafios geram oportunidades. Como nosso principal destino são os Estados Unidos, isso significa que podemos ter pretensão de vender para outros países. Nosso segundo principal destino é a União Europeia. Embora os produtos que mais vendemos são proteínas de aves e suínos, que vão para a China. Mas quando você computa tudo o que SC exporta, o principal destino são os EUA e o segundo é a União Europeia. Isso mostra que temos qualidade, somos competitivos e podemos incrementar as exportações.
Quais são as expectativas para investimentos no novo ano? A nova gestão no governo federal gera dúvidas ainda sobre ambiente de negócios?
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– No nosso Estado, 70% votaram pela continuidade do governo de Jair Bolsonaro. Então, naturalmente, o índice de confiança do empresário catarinense passou de otimista, que estava sempre acima da média nacional, passou a ser menor do que a média nacional e para pessimista, abaixo de 50 pontos. Mas isso é reflexo do processo eleitoral. Historicamente, SC sempre teve muita confiança e mais intenção de investir do que a média nacional.
Se o novo governo federal definir novos limites para gastos públicos, trazendo de volta a confiança no controle fiscal, o empresário de SC volta a investir?
– Volta. Isso é muito forte do catarinense. Ele sempre foi muito ousado, protagonista. A maioria das grandes empresas catarinenses nasceu no Estado. Há um sentimento de que o resultado da eleição não representou a vontade da maioria daqui. Mas pelo histórico do catarinense ele deve voltar a investir. Mas tem que ter um ambiente favorável.
Santa Catarina, pelas características peculiares da sua economia, recebe alguns grandes investimentos bilionários. Tem alguns vindo por aí?
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– A Fiesc é bastante consultada por empresas interessadas em investir no Estado. Nós sempre defendemos a complementariedade. Nunca incentivamos fomentar a concorrência aqui dentro, que seja predatória, com vantagens sobre quem já está aqui. O fato é que falta uma política mais agressiva do Estado de Santa Catarina para atrair mais empresas.
No governo de Luiz Henrique da Silveira, por exemplo, teve grande incremento, principalmente das tradings, que fez com que o Estado tivesse essa corrente de comércio tão forte. SC deve fechar este ano com uma corrente de aproximadamente US$ 41 bilhões, sendo que US$ 12 bilhões são importações.
Nós importamos muito por Santa Catarina pela eficiência dos portos e houve incentivo para importação pelos nossos portos privados, que são referência em termos de eficiência. Mas acho que o Estado precisa ser mais agressivo justamente para fortalecer esse setor que mais emprega, que é o setor industrial, é o que mais contribui na arrecadação de impostos.
O Estado é muito visitado por secretários de estados vizinhos, para levar empresas de SC. Precisamos de uma política que fortaleça o crescimento, manutenção e desenvolvimento da nossa indústria.
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O que seria necessário fazer?
Eu acho que precisaria de uma política mais definida. Há um sentimento da parte do governo de que há uma renúncia fiscal. Com essa palavra eu não concordo. Na verdade, nós nunca defendemos um benefício que seja para uma determinada empresa, que não seja uma regra clara e definida, aberto para todos.
Nós defendemos uma política de desenvolvimento industrial que fomente a nossa indústria e, por conta disso, o Estado arrecade mais, e não que aumente a carga tributária com a intenção de arrecadar mais.
Se você eleva a carga tributária, acaba inibindo investimentos, transferindo nossas indústrias para outros estados. É importante o Estado estar muito atento a isso para fortalecer nossa indústria.
A Fiesc e o Conselho das Federações Empresariais (Cofem) sugeriram a criação de um conselho junto ao governo do Estado. Qual seriam os objetivos?
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– Esse conselho permanente não é só com a indústria. É com o setor produtivo. Nós entendemos que a interlocução do governo e o setor produtivo é fundamental para o desenvolvimento. Ninguém pode trabalhar isolado. Nós dependemos da atividade do setor político e o setor político depende do setor produtivo. É fundamental que esses dois setores conversem.
Não queremos um conselho deliberativo, mas consultivo, para que cada um coloque as suas posições. É importante que o governo ouça as demandas do setor produtivo e, da mesma forma, o setor produtivo entenda as razões e ajude o governo a administrar o Estado, numa discussão aberta.
A ideia do Conselho Permanente é que haja uma interlocução do setor produtivo e da sociedade organizada como um todo e o poder executivo.
SC tinha uma agência de atração de investimentos que foi transformada num programa denominado Invest SC. Seria importante o Estado voltar a ter agência?
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– Urgentemente teria que retomar. O Estado do Paraná, por exemplo, tem a sua agência de investimentos e vem conseguindo uma atração muito grande de empresas. São Paulo tem a sua. Tínhamos uma agência no Estado em parceria com a federação (Fiesc). Várias empresas nos procuram e temos colocado toda a nossa estrutura para auxiliá-las.
Qual é a pauta prioritária da indústria junto ao governo federal que acaba de assumir? A realização da reforma tributária?
– Essa é uma questão sine qua non. Mas também defendemos a reforma administrativa. Estamos preocupados com um governo com 37 ministérios. Temos um setor público obeso. Acho que tanto ministério preocupa.
O senhor sempre fala da importância da indústria como impulsionadora de outros setores econômicos em Santa Catarina. Tem alguns exemplos que gostaria de destacar?
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– Temos um dado. Para cada emprego que a indústria gera, ela cria mais 1,6 emprego em outro setor. O Brasil, por exemplo, exporta muita commodity. Nós não temos commodity para exportar. A soja exportada aqui pelos nossos portos não é de Santa Catarina. Então, qual é a vocação de SC: turismo, serviço e indústria.
Então, são necessárias políticas para incentivar esses setores. A indústria que produz precisa de pessoas para vender, para transportar. Isso movimenta todos os setores de serviços. É uma característica do povo catarinense. É uma vocação industrial.
Se a gente observar a história, temos o caso de Joinville, por exemplo. Os imigrantes foram convidados para vir da Alemanha para plantar, mas chegaram e viram que a terra não era favorável para plantar. Aí, como vinham de região industrial, acabaram desenvolvendo atividade industrial. A mesma coisa aconteceu em Blumenau.
A indústria é a vocação do Estado. Somos o segundo Estado em que a indústria tem a maior participação na geração de riqueza. Só perdemos pelo Amazonas em função da Zona Franca de Manaus, que é uma montadora. A nossa indústria é de base, transforma matéria prima em produto acabado e muito diversificado.
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