O consumidor brasileiro tinha a expectativa de que com a chegada da nova safra de grãos, a partir de fevereiro, os preços de alguns produtos cairiam, em especial do arroz e do feijão. Seria um alívio depois de enfrentar uma inflação de alimentos de 14% em 2020, mas as reduções foram fracas até agora e não dá para garantir que os preços voltarão ao patamar de fevereiro do ano passado. 

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Em Florianópolis, o criterioso Índice de Custo de Vida (ICV) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc Esag) apurou que de janeiro a março deste ano o preço médio do arroz recuou 2,31% após alta acumulada de 60,86% de fevereiro do ano passado até fevereiro de 2021. E o preço do feijão recuou 3,84% no primeiro trimestre após alta de 48,90% desde fevereiro de 2020.

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Nas compras de arroz no campo as variações são maiores, mas não indicam uma volta logo ao patamar de preço do início do ano passado. O arroz ficou cerca de 20% mais barato nos valores pagos ao produtor desde o início do ano no Sul do país, segundo o Sindicato das Indústrias de Arroz de SC (Sindarroz). Em Santa Catarina, a redução foi pequena ao produtor, que recebeu R$ 87,32 por saca em fevereiro, com queda de -0,5% frente ao mês anterior, apurou a Epagri/Cepa. E o preço do feijão preto em SC, ao invés de queda nos valores pagos aos produtores, teve alta de 8,10% no preço de fevereiro frente a janeiro, apurou a Epagri.

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A coluna ouviu quatro fontes sobre as razões da alta de preços dos dois produtos: o presidente do Sindicato da Indústria do Arroz de Santa Catarina (Sindarroz-SC), Renato Franzner; o presidente da Associação Catarinense de Supermercados (Acats), Francisco Crestani; o coordenador do Índice de Custo de Vida da Esag/Udesc, Hercílio Fernandes; e o engenheiro agrônomo João Rogério Alves, analista de socioeconomia da Epagri/Cepa.

Por que o arroz está caro

– Preço em dólar no mercado mundial subiu 20% no ano passado e continua nesse patamar

– A desvalorização do real frente ao dólar de 28% em 2020, e de 15% até agora

– Colheita de apenas 30% da safra nacional de arroz até agora

– Alto custo de insumos agrícolas, como combustíveis, fertilizantes, sementes e outros

– O produtor de arroz está mais capitalizado, pagou suas dívidas e, por isso, prefere esperar preço melhor para vender o produto

– O maior consumo de arroz no início da pandemia, no ano passado, elevou preços

– A seca de 2020 em algumas regiões elevou preços, que hoje se mantêm

– Volta das exportações de arroz

– Falta de estoque regulador do governo federal

Por que o feijão está caro

– Período de entressafra. A primeira das três safras do país está sendo colhida agora

– Impacto da seca na produção da Região Sul no ano passado e neste ano

– Produtor não endividado. Por isso, disposto a vender só com preço que considera justo

– Produtor que busca resultado financeiro parecido com o gerado pela soja (R$ 120 ou mais por saca de 60 quilos)

Para o empresário Renato Franzner, presidente do Sindarroz-SC, a produção de arroz no Brasil na safra 2020-2021 será suficiente para atender o mercado interno mas, no momento, não existe motivo para o preço se manter tão alto. Ele acredita que uma das razões é que apenas cerca de 30% da safra foi colhida até agora.

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Em três ou quatro meses, a colheita será finalizada e os preços vão cair mais, mas não deverão voltar ao que eram antes dessa série de aumentos que levou os preços ao patamar atual, diz Franzner. A normalização, analisa ele, deverá ocorrer somente com a nova safra, em 2022, quando mais produtores plantarão para aproveitar os bons preços.

– A alta dos preços dos insumos no mercado interno vai ajudar a segurar os preços do arroz num patamar mais alto neste ano. Combustível, frete, defensivos agrícolas… Tudo ficou mais caro. Além disso, a agricultura vive uma nova fase. O produtor recuperou a rentabilidade no ano passado após três anos de preços baixos e quer manter essa média melhor de resultado. Ele não precisa vender logo a produção – explica Franzner.

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O que acontece no campo e na indústria se reflete nos preços ao consumidor. Segundo Hercílio Fernandes, coordenador do Índice de Custo de Vida calculado pela Esag-Udesc em Florianópolis, no início do ano, os preços do arroz e feijão tiveram uma pequena queda. Mas na coleta da segunda semana de março, feita em 16 estabelecimentos, tanto o arroz quanto o feijão subiram.

– Eu coordeno a pesquisa da Esag há 45 anos. O que vemos agora é algo diferente, não é comum ver preço subir em plena colheita da safra. Este ano, estamos vendo isso com arroz, cebola e batata. Quando o país tinha estoque regulador dos principais cereais isso não acontecia – alerta Fernandes.

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Sobre o mercado do feijão, o engenheiro agrônomo da Epagri, João Rogério Alves, diz que a tendência é que os preços se mantenham no atual patamar porque não houve aumento de área plantada para a safrinha. Os produtores estão preferindo o milho, que está com preço alto. Também reconhece que existe uma pressão para que os preços fiquem próximos aos alcançados com outros cereais. A principal referência é a soja.

Mas Alves avalia que a oferta nacional, com três safras – a da Região Sul, que está sendo colhida agora, a safrinha no Centro-Oeste e a safra pivô (de irrigação em Minas Gerais e Goiás) – será suficiente para atender o mercado em 2021. Avalia que os preços são instáveis porque depende de diversos fatores e da distribuição nacional. Santa Catarina, por exemplo, está colhendo a primeira safra, na qual planta 60% de feijão preto e 40% carioca, esse último para vender fora do Estado.

Nos supermercados, tanto os preços de arroz quanto de feijão têm recuado pouco nas últimas semanas ou até aumentado. Segundo o presidente da Associação Catarinense de Supermercados (Acats), Francisco Crestani, em janeiro o setor estava comprando a embalagem de 5 quilos de arroz por R$ 19, depois caiu para R$ 17,80 e agora está em R$ 18. O quilo do feijão está sendo comprado pelo supermercadista por cerca de R$ 6. Depois, é acrescida uma margem baixa, observa Crestani. O preço ao consumidor está em torno de R$ 7.

– Ficamos sabendo que o Brasil voltou a exportar arroz, por isso os preços estão se mantendo. Isso é preocupante. O país deve exportar somente o excedente, não o que está faltando ao mercado interno – alertou ele.

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O empresário informa que, diante dos preços altos, muitos consumidores estão optando por produtos substitutos ao arroz. As opções principais são as massas e as batatas, mas, dependendo da região, o consumidor opta por derivados de milho, como a farinha e o cuscuz. No litoral de Santa Catarina, o pirão e a farinha de mandioca também são opções. No caso do feijão, a única alternativa é a lentilha, cujo preço é parecido.

Crestani afirma que, quanto mais o consumidor optar por produtos substitutos mais baratos e deixar de fazer estoque em casa, mais chances tem de os preços caírem, porque os fabricantes ficarão com estoques maiores. Se estocar, o consumidor acaba ajudando a elevar preços.