A nova geopolítica mundial após a pandemia e guerra na Ucrânia marca o fim de uma fase de expansão da globalização e início da desglobalização. Esse fator, mais a baixa oferta de petróleo, vão resultar em uma década ou mais de pressão inflacionária. A avaliação é de Fernando Ulrich, especialista em finanças corporativas e criptomoedas, que fez palestra sobre “Economia, Negócios e Finanças, A nova ordem econômica mundial” na Expogestão, em Joinville, na última semana.

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Em entrevista para a coluna, ele disse também que o Brasil pode ter vantagens nessa nova fase da geopolítica mundial, especialmente com o Agro e detalhou os riscos devido ao baixo nível de investimentos do setor de petróleo. Sobre a sucessão presidencial, ele comentou sobre propostas econômicas dos candidatos que lideram as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

Fernando Ulrich é administrador de empresas pela PUC do Rio Grande do Sul e tem mestrado em economia pela Universidad Rey Juan Carlos, da Espanha. Também especialista em cripomoedas, ele tem mais de 500 mil seguidores no canal do YouTube, onde aborda diversos temas econômicos, em especial cenários internacionais e criptomoedas. Confira a entrevista a seguir:

O que o senhor destaca sobre o cenário econômico internacional?

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O mundo está em transformação nas últimas duas décadas. Foi uma transformação positiva e que está sendo finalizada, digamos, com o que aconteceu na pandemia, com a guerra na Ucrânia, tensão com Taiwan que é renovada e essa formação de blocos regionais da China se aliando com a Rússia. Isso pode rever as forças que fizeram com que o mundo se integrasse, ficasse mais próspero e comercializasse mais, tivesse mais integração de comércio, de pessoas, de capitais.

Isso agora está se desfazendo, essas forças estão sendo revertidas. A gente pode denominar de desglobalização, que teve, talvez, como catalizador a pandemia, mas que já estava ali em forças latentes. A pandemia foi um grande catalizador, depois veio a guerra da Ucrânia. Isso vai trazer um mundo um pouco diferente do que foram as últimas duas ou até três décadas, quando a China se inseriu muito no mundo, especialmente depois da entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001.

Então, vai ser um mundo menos conectado com mais fricção, que vai impactar empresas, possivelmente a inflação também. Pode ser uma década ou décadas de pressão inflacionária por conta da quebra de cadeias produtivas, cadeias de integração. Fábricas fechando em localidades não tão amigáveis e abrindo em outras que o mundo está denominando de friendshoring ou ally-shoring. Ao invés de offshoring, que indica localização de fábrica longe das fronteiras, traz de volta para perto das fronteiras ou pelo menos em países que são aliados.

Que oportunidades vê para o Brasil nessa nova fase internacional?

– O Brasil, não sendo um ator importante na geopolítica, vai precisar de muita habilidade para navegar nesse mundo em formação ou em polarização. Porque ao mesmo tempo que temos uma aliança e um relacionamento de décadas, de séculos, comercial, político e diplomático com os Estados Unidos, com o Ocidente, com a Europa, a China é o nosso principal parceiro comercial.

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Como, no meio desse confronto político e diplomático, a gente conseguirá lidar com dois patrões? Teremos que ter muita habilidade e aproveitar porque, especialmente no mundo do agro a gente se destaca. O mundo vai continuar precisando de alimento, de segurança alimentar e o Brasil é uma peça-chave nisso. A gente precisa aproveitar essa posição, tendo habilidade para lidar com dois patrões que estão se digladiando.

A gente precisa saber lidar e manter as relações diplomáticas abertas com todos. Quando se olha para a Europa é difícil dizer o que está certo e o que está errado. A União Europeia tomou uma posição muito clara com relação à guerra na Ucrânia e está tentando isolar a Rússia, só que no curtíssimo prazo, isso está tendo muito mais repercussão negativa na economia europeia do que na Rússia porque eles são dependentes de commodities essenciais como gás natural, petróleo e óleos combustíveis e a Rússia é o principal fornecedor.

Eles estão tendo alto custo com essa decisão. Eu estava vendo uma notícia, por exemplo, de que a suspensão da importação de gás da Rússia pode resultar na suspensão de atividades de fábricas de fertilizantes na Europa. Até que ponto vão conseguir sustentar essa política? Daqui a pouco, mesmo com guerra, a Europa vai ter que comprar gás natural.

Mas essa foi a decisão que a União Europeia tomou. No começo, Bolsonaro foi muito criticado por ter visitado a Rússia. Depois condenou a invasão, mas não condenou a Rússia. A política externa brasileira foi criticada, mas o fato é que para a gente garantir a nossa segurança alimentar a gente precisa comprar fertilizantes. 

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Bielorrussia e Rússia são grandes exportadores e a gente precisa comprar de lá. O que é correto: tomar uma posição de política externa condenando Vladimir Putin? Com isso se fecharia uma fonte de importação importante de fertilizantes e, possivelmente, desabasteceria nosso mercado, trazendo problema para o agro, arriscando a segurança alimentar do brasileiro e do exterior. Tem muita coisa em jogo.

Mas o Brasil segue importando fertilizantes da Rússia…

– Sim! Mas teve gente que achou que o Brasil deveria ter sido mais veemente na condenação, até o ponto de arriscar a interrupção do fornecimento. Criticaram o Bolsonaro por não ter feito isso. Seria o correto? Tenho minhas dúvidas. Tem muita coisa em jogo. A gente vai ter que ter essa habilidade, seja com Bolsonaro, Lula ou quem for. Até porque essa tensão geopolítica não vai acabar em 2023.

Achei preocupante a informação de que as pressões inflacionárias vão continuar por 10 anos ou mais. A China, por muitos anos, foi a redutora de inflação no mundo. O que vai pressionar a inflação?

– Essa vai ser uma das fontes de inflação porque os ganhos de produtividade que a integração da China ao mundo permitiu a gente não vai mais ter. Vamos ter o processo reverso. Se a gente vai fechar mais fábricas, comercializar menos com a China ou tentar ter mais redundância, fábricas mais perto, outros canais de suprimentos, isso significa mais custo, mais inflação.

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Não estou afirmando que a gente vai ter inflação de 10% a 15% ao ano ao longo da década, mas, talvez, seja bem mais difícil ter uma inflação global da ordem de 2% que é a meta dos bancos centrais, que é o que vigorou por praticamente 20 anos. Hoje, a gente tem mais forças inflacionárias do que forças deflacionárias no mundo.

Países ricos enfrentarão mais variações de inflação?

– São duas questões, uma inflação média mais elevada e uma volatilidade de preços ainda maior. O preço do petróleo apresenta isso.

Como o senhor vê o cenário para os preços do petróleo?

– Com volatilidade e, possivelmente nos próximos anos, com preços em alta porque entra não apenas o cenário geopolítico, mas também a questão de transição energética. Isso porque se demonizou combustíveis fósseis durante anos, desestimulando e punindo o investimento em combustíveis fosseis e isso fez com que a indústria do setor, principalmente no Ocidente, não investisse em Capex (bens de capital), para manter ou aumentar a capacidade para exploração, perfuração, pesquisa, refino, novos reservatórios. 

Tudo isso não foi feito. Nessa indústria, os investimentos que hoje estão maturando foram implantados cinco, seis, sete anos atrás. Hoje, temos o resultado não apenas dessa perturbação geopolítica, mas dessa questão estrutural do setor de petróleo de gás que investiu muito pouco nos últimos anos. A gente tem o mundo que ainda demanda muito petróleo porque o sistema energético é baseado em petróleo.

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Eu acho graça quando as pessoas dizem que o mundo é viciado em petróleo. Não é vício, mas uma dependência. Os sistemas energéticos do mundo foram construídos em torno do petróleo. É todo o setor de logística, navios, modal rodoviário, ferroviário, aéreo. Talvez nos próximos 50 ou 100 anos não tenhamos aviões elétricos.

Então, achar que a gente vai conseguir se desvenciliar e não mais depender de petróleo em cinco ou 10 anos era uma ilusão. Mas isso foi vendido como uma necessidade absoluta e uma solução factível. Mas não é. Hoje, a demanda por petróleo segue aí, mas a capacidade para aumento dessa demanda hoje é insuficiente. 

Isso traduz em preços elevados em mais anos porque a gente precisa hoje, investir mais para conseguir produzir mais daqui a cinco ou seis anos. Quanto mais a gente nega a realidade, mais esse problema vai ficar sem solução. Há uma questão estrutural no setor, que não vai conseguir dar conta da demanda, portanto, preços em alta.

Existe a expectativa de volta desses investimentos no setor de petróleo?

– Em nível global, na magnitude que a gente precisa, ainda não. Com toda essa realidade, vejo que a força da opinião pública, ambientalistas e movimento ESG contra combustíveis fósseis ainda é muito forte. Isso não é uma questão de seguir poluindo o meio ambiente. Mas é preciso, em paralelo, buscar alternativas de fontes energéticas que poluam menos, mas aceitar a realidade de que o mundo vai precisar de petróleo para a economia crescer, alimentar as pessoas e, também, para essa própria transição energética. 

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Olha a construção de um parque eólico. Você precisa de muito combustível fóssil. A gente não consegue eliminar essa dependência da noite para o dia. É uma transição que leva décadas ou séculos.

No Brasil, o futuro da economia vai depender, em boa parte, da eleição de outubro. Como o senhor avalia os planos de governo dos candidatos à presidência que estão liderando as pesquisas, mesmo que ainda não estejam totalmente claros?

– Acho que totalmente claros ainda não estão. Mas a gente já teve um esboço do que seria o plano do PT e o do Bolsonaro, que foi divulgado recentemente. Para mim não tem novidade. Vejo do lado do Bolsonaro alguém que tem uma equipe econômica sob o comando do Paulo Guedes, com as suas visões de de liberalizar a economia, com as quais eu concordo plenamente. Esse é o caminho.

Há um discurso de liberalizar a economia brasileira, controlar o tamanho do estado, reduzir carga tributária. Para mim esse é o norte claro que eu concordo. Agora entre ter norte, objetivo e conseguir realizar, as vezes há um abismo enorme.

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Às vezes, o próprio presidente Bolsonaro não tem essa visão liberal que tem Paulo Guedes, ele mesmo joga contra o seu próprio governo, mas pelo menos esse é o Norte. Então digamos que dentro dessa proposta esse é um risco positivo. Talvez Bolsonaro pode decidir privatizar o Banco do Brasil ou a Petrobras, seria ótimo para os brasileiros se isso avançar.

Do outro lado, vejo a cartilha proposta pelo PT que é mais do mesmo. Mais de interversão na economia, de estado como o protagonista numa visão de mais dirigismo econômico, e não é isso que vai catapultar nossa economia para voos maiores e que vai garantir um crescimento sustentável. É uma visão diferente de mundo e o risco aí é o risco negativo de de eles conseguirem implantar essa agenda, que não é fácil.

Seja uma agenda, na minha concepção, positiva para a economia, ou seja uma agenda negativa, como essa do PT, sempre há o freio do Congresso Nacional, o contrapeso para o bem ou para o mal. Para o bem é uma agenda negativa não ser imposta. Para o mal é uma agenda positiva não avançar porque o Congresso não permite. Mas eu prefiro correr o risco de uma agenda positiva do que uma agenda negativa não ser implantada. Mas temos eleições e a gente pode ir para qualquer lado. Acho que a eleição brasileira ainda está indefinida.