Com o objetivo de informar líderes empresariais sobre cenários econômicos, acontece dia 3 de outubro, no Infinity Blue Resort, em Balneário Camboriú, a Jornada Expogestão. Um dos palestrantes será o economista Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-diretor do Banco Central do Brasil.
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Em entrevista à coluna, ele defendeu as reformas e disse que a indústria pode crescer com o aumento do consumo doméstico.
Como o senhor avalia o cenário internacional?
Continua desafiador. Temos aí a indicação de uma desaceleração visível de vários indicadores. O comércio internacional praticamente parou, muito como resultado das guerras comerciais Estados Unidos-China, EUA-União Europeia, EUA e Canadá. A política comercial do governo americano tem gerado dificuldades.
A desaceleração maior ocorre na Europa. As dificuldades aparecem nos preços de comodities, temos as particularidades do petróleo. Onde fica mais tranquilo é que os bancos centrais estão mantendo juros baixos. Isso não ajuda o exportador, mas os países que precisam financiar seus desequilíbrios.
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O governo do presidente Jair Bolsonaro está completando nove meses. Que avanços ocorreram na sua opinião?
A gente está conseguindo avançar alguma coisa no campo de reformas. Não sendo injusto, foi realizada uma reforma da Previdência que não é considerada ideal, mas é muito melhor do que qualquer um esperava no início do ano. A gente começa a lidar com os nossos desequilíbrios. Mas precisamos de mais reformas.
Há ideias para reduzir dívidas, a gente começa também uma discussão sobre reforma tributária e temos observado o Banco Central do Brasil, em linha com os outros bancos centrais, reduzindo a taxa básica de juros. Nas duas últimas reuniões reduziu um ponto percentual. O Banco Central pode trazer a taxa Selic para 4,5% e como a meta de inflação é 4%, a gente está falando de uma taxa real de juros muito baixa para padrões brasileiros, o que deve, em alguma medida, ajudar a questão do consumo.
E quais são as dificuldades que vê no governo?
Nós temos um presidente disperso, para dizer o mínimo. O envolvimento dele com a reforma previdenciária foi virtualmente não existente. Tivemos sorte que a elite do Congresso, especialmente o presidente da Câmara, tenha abraçado a causa. O presidente fica combatendo o comunismo internacional, globalismo, chamando a mulher do presidente francês de feia…
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Não temos garantia de que o Congresso vai ter a mesma postura amigável que teve até agora. Seria importante um engajamento maior do executivo para levar adiante as reformas. Está faltando trabalho aí. Essa é uma dificuldade. A nossa janela de oportunidade para promover reformas é relativamente estreita. Eu gostaria de ver um pouco mais de empenho do governo nesse sentido. A falta de reformas impede o desenvolvimento.
O senhor acredita que o governo conseguirá aprovar a reforma tributária?
Pelo andar da carruagem a resposta é não. Até porque não há proposta de reforma tributária do poder executivo, concretamente falando não existe. O que tinha era um balão de ensaio de CPMF. Alguma coisa na linha de colocar a CPMF para tirar a contribuição previdenciária. Mas existem dois projetos de reforma tributária bastante similares. Um de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly que está em debate no Senado e outra foi formulada pelo Bernard Appy e encampada pelo deputado Baleia Rossi que também está em discussão na Câmara dos Deputados, que tem viés promissor no sentido de unificar impostos indiretos num grande imposto sobre valor adicionado.
Unificar PIS, Cofins, ICMS e ISS e focar num grande imposto de valor adicionado. Seria muito positivo no sentido de facilitar a vida das empresas, resolver guerra fiscal, aumentar a produtividade. Mas isso é muito mais iniciativa do parlamento do que do Executivo. Se as coisas se encaminharem por aí vai ser muito bom. Não temos nada do Executivo dizendo “Essa aqui é a minha proposta”. Então, se for aprovada, não será uma proposta do Executivo. Será aprovada uma do Legislativo.
Como avalia a questão do orçamento?
O orçamento brasileiro é extraordinariamente rígido. Hoje, as despesas obrigatórias representam quase 95% do orçamento federal. São coisas que eles (o governo) não podem mexer. Então, a margem de manobra no orçamento para reduzir gastos é muito pequena e recai primordialmente sobre investimentos. Já começam, em alguma medida, a tratar desse problema quando você lida com Previdência porque esse é o maior dos gastos obrigatórios.
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Mas tem iniciativas que o governo promete tomar na área de orçamento para reduzir o grau de vinculação das outras despesas. Por exemplo, quando há necessidade de fazer algum controle de gasto, que hoje recai sobre investimentos, que ele possa recair sobre outras contas como folha de pagamento e outras despesas vinculadas e retome um certo grau de liberdade para lidar com o orçamento.
O Brasil está com inflação baixa e juros baixos. Quais são as principais causas e quando isso pode gerar efeitos positivos?
Temos uma inflação baixa, em primeiro lugar, porque depois de muitos anos de uma política monetária sem qualquer sentido, o Banco Central começou com o Ilan Goldfajn (ex-presidente da instituição) e continua agora com o Roberto Campos a fazer uma política monetária que controle as expectativas. Então, num primeiro momento, o Banco Central conseguiu convencer o público de que as metas de inflação são para valer. As expectativas de inflação convergiram para as metas. A gente olha as expectativas de inflação, não só aquilo que os analistas informam no Boletim Focus, mas se a gente for olhar mercados de renda fixa quais são as expectativas que parecem estar embutidas nos preços dos títulos da dívida pública, elas sugerem, de maneira geral, que há uma forte credibilidade do Banco Central em fazer com que a inflação esperada se aproxime da projetada na meta.
Outro fator importante é o fato de que existe um desemprego muito alto. O desemprego bateu um pico de 13%, está um pouquinho abaixo de 12% agora e isso faz com que os aumentos de salários sejam muito baixos. Isso se traduz em menores aumentos de custos e inflação mais baixa também. A própria fraqueza econômica faz com que num ambiente de expectativas ancoradas, expectativas próximas da trajetória de metas, a gente tenha uma inflação bastante baixa. Esse é o motivo que faz com que o Banco Central reduza a taxa básica de juros, ao contrário do que foi necessário lá atrás, quando já tínhamos inflação alta e estávamos em recessão e o Banco Central teve que subir juros porque não tinha sido feito o trabalho de ancorar as expectativas de inflação nos anos anteriores.
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Quando teremos uma retomada maior da geração de emprego?
Os números de emprego total estão melhores. O que temos é uma piora da qualidade do emprego. O emprego formal caiu na crise e ainda não recuperou, segundo dados da PNAD. Temos uma forte recuperação de emprego por conta própria e de vagas informais. São empregos de má qualidade. Para que o desemprego caia, temos que crescer mais de 1% ao ano, talvez no ano que vem podemos ter uma melhora expressiva.
A indústria do país pode se tornar mais competitiva? Como?
Isso não vai acontecer porque não tem investimento. É um setor que passou décadas protegido, por isso não vai se tornar mais produtivo num período curto. Você tem ideias como expor mais o setor à concorrência externa, talvez a reforma tributária. Mas as discussões apontam que a reforma vai demorar alguns anos, terá um período de transição relativamente longo.
A curto prazo a melhora da indústria não vai acontecer por aumento de competitividade e de produtividade. O que pode acontecer é um aumento de consumo doméstico, que será atendido principalmente pelo setor industrial. Precisamos lembrar que o nosso principal mercado externo, a Argentina, está passando por uma grande crise.
O discurso de Bolsonaro na ONU na última terça-feira recebeu muitas críticas, até de que pode prejudicar a economia brasileira, o agronegócio. O senhor acha que vai prejudicar?
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Eu confesso que não vi o discurso. Li a repercussão. O pouco que eu pude ver é uma visão parcial. Eu tenho uma certa antipatia pelo presidente. Acho ele despreparado para o cargo. Mas eu acho que o dano que isso pode causar é relativamente pequeno. Não é pelo discurso da ONU que a gente vai ver o Brasil barrado do mercado, nas exportações, inclusive porque temos ministros absolutamente a par dos problemas que temos e vão tomar medidas corretas.
Por exemplo, a ministra da Agricultura é das primeiras a entender que a questão ambiental é importante em si e para o agronegócio no Brasil. O setor depende de mercados abertos e temos que mostrar que existe respeito às regras ambientais. Por exemplo, é importante na questão da União Europeia. Se a gente quiser levar adiante o acordo entre Mercosul e União Europeia a gente vai ter que dar à questão ambiental um peso maior do que o próprio presidente dá. Então, o presidente poderá falar o que quiser, mas os adultos na sala vão tomar conta disso.