Com fortes impactos na vida das pessoas e na economia, a pandemia da Covid-19 se tornou um divisor da história e vem causando uma série de transformações. Nesse contexto, uma boa mudança registrada foi o aumento da cultura de doações no Brasil e em Santa Catarina, com diversos bons exemplos de empresas e entidades. A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), para a área social, estima que as doações no país durante a pandemia já superaram R$ 6 bilhões e foram feitas por mais de 500 mil doadores, incluindo pessoas e empresas, informa a presidente do conselho do Instituto Comunitário Grande Florianópolis (Icom), Lucia Dellagnelo. A expectativa é de que esse movimento continue com doações para o Natal e, posteriormente, para enfrentar os desafios sociais que continuam.

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Segundo ela, as pessoas e empresas doaram para o enfrentamento à Covid-19 e para ajudar famílias em vulnerabilidade social. Em todo o país, mais de 540 campanhas para auxiliar famílias arrecadaram quase R$ 2 bilhões dos mais de R$ 6 bilhões registrados pela ACBR.

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Em Florianópolis, as pessoas também começaram a doar mais. O Icom teve um crescimento recorde de doações, afirma a presidente. Recebeu quase R$ 1,7 milhão vindos de 950 novos doadores pessoas físicas e de 78 empresas. Além disso, o Icom e o Instituto Vilson Groh, instituição que reúne as ações do Padre Vilson Groh, lançaram o Banco Comunitário, que apoiou com moeda social mais de 800 famílias durante a pandemia e continua esse trabalho.

– Esse sentimento de doar torna as pessoas mais felizes. Eu cito a pesquisa da Universidade de Harvard, segundo a qual as pessoas que chegam aos 80 anos mais felizes são as que têm boas conexões com seus familiares e com a comunidade. As doações fazem parte desse sentimento de felicidade. Eu espero que a partir da experiência na pandemia, continuem doando de uma maneira mais sistemática e mais permanente – diz Lucia Dellagnelo.

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A expectativa é de que esse seja um movimento crescente no país, que está longe de ter uma das populações mais doadoras do mundo. Em um dos rankings mundiais que medem isso em 126 países, o Ranking Global de Solidariedade, o Brasil está na 74ª posição, o que mostra que o país tem muito para avançar, observa Lucia Dellagnelo.

Mais empresários colaboram para projetos sociais

O trabalho do Padre Vilson Groh voltado à educação de crianças e jovens em comunidades da Grande Florianópolis é reconhecido e tem atraído apoios empresariais e de instituições, com mais atenção em função da pandemia, a exemplo do Banco Comunitário. Entre os empresários que participam desse movimento de apoio às ações sociais do Instituto Vilson Groh (IVG) desde a fundação do mesmo, está Jaime de Paula, do setor de tecnologia, fundador e acionista da Neoway. Um dos projetos apoiados por ele no IVG é o Pode Crer, que visa instalar laboratórios de inovação em cinco comunidades da região. O primeiro será aberto em 2021, no Maciço do Morro da Cruz, na Capital.

– A ideia é começar formando 350 jovens em 10 cursos diferentes. Ofereceremos formação para o mercado, não só para o setor de tecnologia, mas para outros setores, considerando a vocação de cada aluno – diz Jaime de Paula.

Feliz como investidor social, ele apoia mais dois projetos: o Superando Barreiras, de Jiu-Jitsu, e o Mama Solidária, para recuperação de mulheres que tiveram câncer. O projeto Pode Crer vem recebendo maior atenção, especialmente em planejamento e articulação. As instituições que integram a rede IVG atendem mais de 5 mil crianças desde recém-nascidos até adolescentes e estudantes universitários. É composta pela Associação João Paulo II, Centro Cultural Escrava Anastácia, Centro de Educação e Popular (Cedep), Associação Amigos da Criança e do Adolescente do Morro do Mocotó, Centro Social Elisabeth Sarkamp e Associação Amigos da Guiné-Bissau. O IVG tem, também, uma parceria socioeducativa com o Grupo Marista.

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Segundo Jaime de Paula, a expectativa é de que pelo menos 10% dos estudantes dos centros de inovação, que serão na Grande Florianópolis, escolham seguir carreiras no setor de tecnologia. O plano é oferecer formação profissional de qualidade, respeitando as vocações de cada um. Se o estudante preferir carreira na gastronomia, poderá estudar nessa área. Se optar por atuação em saúde, terá oportunidades e assim por diante. 

Para esse projeto, o empresário informa que está sendo constituída uma grande rede de apoiadores. Entre as instituições que foram convidadas a participar e sinalizaram que poderão colaborar ou já confirmaram apoio estão a Caixa, o Sistema Fiesc por meio do Sesi e Senai, o Sebrae-SC e a Associação Catarinense de Medicina (ACM). Além disso, há um grupo de empresários que, a exemplo de Jaime de Paula, começou a investir mais em projetos sociais nos últimos anos. Os organizadores também estão buscando apoio de grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, entre as quais a Microsoft, Google e Amazon, para que forneçam equipamentos e até cursos específicos para os estudantes.

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Para o projeto esportivo Superando Barreiras, Jaime de Paula colabora com doações. Criado pelo professor de jiu-jitsu Matheus Fayad, conta atualmente com 350 alunos na modalidade e vem conquistando resultados surpreendentes. Em competição internacional recente, a instituição participou com nove alunos e voltou com 10 medalhas.

O projeto Mama Solidária é uma iniciativa nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica que é coordenada no Estado pelo cirurgião plástico Evandro Parente. O trabalho conta com a participação de outros médicos voluntários, apoio de hospitais públicos e privados e doações de próteses por empresas ou pessoas. Na última campanha, em outubro, foram realizadas cerca de 70 cirurgias em diversas cidades catarinenses.

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Investir no social está no DNA de família

Entre as tradicionais famílias que investem em projetos sociais na Grande Florianópolis e reforçaram ações durante a pandemia estão os Koerich, com um programa em cada empresa. Walter Silva Koerich diz que lembra do seu avô, Raulino, do pai Walter e dos tios Antonio e Orlando fazendo doações para o Natal. Hoje, ele lidera projetos de mais de uma empresa e participa do Instituto Vilson Groh.

– Eu amo fazer isso. Temos uma equipe altamente competente que também adora estar nesses projetos – diz Walter Koerich, ao destacar que os investimentos incluem também a revitalização e manutenção de praças.

A família Koerich individualizou os projetos e as ações. O Beiramar Shopping desenvolve o Conexões Sociais e é padrinho da Apae de Florianópolis. A WOA tem o programa Além Muros, e a W Koerich Imóveis desenvolve o W Life, com atuação maior na adoção de praças públicas. O hotel WK, que acaba de ser inaugurado, também está abrindo o seu programa de responsabilidade social. O empresário informa que, atualmente, o W Life trabalha na revitalização da Praça Nossa Senhora de Fátima, no bairro Estreito, da Capital, que será entregue à comunidade em maio do ano que vem. Por enquanto, a empresa também faz a manutenção. Para o futuro, o plano é fazer uma experiência, convidando condomínios para colaborar na manutenção.

Os Koerich têm, também, um longo histórico de parcerias em projetos sociais com o Pe. Vilson Groh, a quem o empresário Walter Silva Koerich faz questão de expressar reconhecimento.

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– Ainda tenho a sorte de ser amigo de um amigo do meu pai, o Pe. Vilson Groh. No meu conceito, o Pe. Vilson é um homem santo. E ter o privilégio de ver ele materializar alguns sonhos é muito bacana. Fizemos a revitalização da Praça Monte Serrat. É um espaço público muito importante para os moradores da região durante a pandemia. Ver as crianças brincando nas praças nos orgulha muito. Elas são o nosso amanhã. Socializar, brincar, muda a mentalidade das pessoas – afirma Walter Koerich.

Nessa jornada de investimentos sociais, nem todas as famílias, pessoas ou empresas informam que colaboram. Conforme Walter Koerich, é incrível como existe um grande número de anônimos que fazem um belo trabalho e não querem aparecer. Para ele, investir no social é fazer conexões, ou como diz o Pe. Vilson Groh, ‘fazer pontes’. Walter Koerich avalia que é preciso se auto ajudar, não dá para ficar só reclamando do poder público.

– Nosso objetivo não é ocupar a obrigação do poder público, mas contribuir para que a gente possa fazer alguma coisa, no fundo, para nós mesmos. Esse tipo de atitude é um espelho da vida, isso volta tudo. É um processo sem fim – afirma o empresário.

Rapidez empresarial frente ao novo coronavírus

Quando a pandemia afetou a mobilidade das pessoas com o lockdown em 17 de março deste ano em Santa Catarina, entidades empresariais agiram rápido para colaborar. O presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiesc), Mario Cezar de Aguiar, liderou a criação duas frentes de trabalho, o Fundo Empresarial de Reação Articulada de SC Contra o Coronavírus (FERA), que recebeu doações de R$ 2,5 milhões para serviços e projetos industriais, e o Protocolo Corona, que vem ajudando empresas na prevenção à saúde.

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As ações sociais da federação visaram preservar vidas e oferecer condições para a retomada mais rápida de atividades econômicas. A volta de setores econômicos ao trabalho foi realizada gradualmente, começando pela indústria, que agora conta com boa parte das atividades operando com nível superior ao pré-pandemia.

O apoio da Fiesc na oferta de respiradores pulmonares teve duas frentes. Uma foi para colaborar na ampliação de produção ou início de novas fábricas de respiradores pulmonares, o que resultou em seis iniciativas. Outra frente foi na restauração de 65 respiradores de hospitais catarinenses. A Fiesc também lançou um plano de desenvolvimento estratégico para a indústria, o Travessia, e uma campanha para incentivar o consumo de produtos locais.

Doação de um novo hospital para Joinville

Entre as rápidas iniciativas de doações por parte de associações empresariais catarinenses frente à pandemia está a da Associação Empresarial de Joinville (Acij). Entidade que representa a maior economia do estado, a Acij doou aproximadamente R$ 5 milhões. O principal projeto incluiu 83 novos leitos para o Hospital Municipal São José, que atende alta complexidade da região.

Entrada do Hospital Municipal Sáo José, de Joinville
Entrada do Hospital Municipal Sáo José, de Joinville (Foto: Salmo Duarte, NSC, BD)

O presidente da associação, Marco Antonio Corsini, destaca que quando surgiu o problema da pandemia e o governo do estado decretou lockdown, a entidade logo criou um comitê de crise. O objetivo foi entender o que estava acontecendo, ajudar o poder público e também as empresas associadas. O comitê abriu uma conta para doações e avaliou que o mais importante seria ampliar o número de leitos do Hospital São José, concluindo área que estava com reforma atrasada. Na primeira fase, empresas investiram diretamente seus recursos e entregaram 53 leitos equipados.

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Ala de hospital de Joinville construída pela Acij é aberta para pacientes

– No Hospital São José deixamos um legado muito importante, não só para Joinville, mas para toda a região. Num prazo inédito, em 120 dias entregamos para a cidade 83 novos leitos hospitalares. Isso é um novo hospital dentro do São José. Doamos ambientes completos, com equipamentos – explica Corsini.

O empresário destaca também que a entidade investiu cifra expressiva na aquisição de 12 respiradores pulmonares que foram doados ao mesmo hospital. Outra ação empresarial articulada na área da saúde que segue atendendo a população é o centro de triagem para Covid-19 no ginásio na Associação Atlética da Tupy. Além disso, a entidade doou 4 mil cestas básicas e fez campanhas de prevenção junto às empresas e à comunidade.

Corsini reconhece que Joinville tem uma forte cultura de doação, tanto por parte dos seus empresários, quanto da população. Um dos exemplos que ele cita é o do Corpo de Bombeiros Voluntários da cidade, que recebe doações da entidade, de empresas e tem cidadãos atuando como socorristas voluntários, entre os quais empresários. Outras campanhas da Acij envolvendo doações ao Hospital São José em anos recentes atraíram grandes adesões. Por isso e pela resposta rápida das empresas joinvilenses frente ao forte impacto da pandemia, Corsini acredita que a sensibilização por doações cresceu, por isso serão feitas mais doações no pós-pandemia.

– Isso está no DNA do empresário. Com a pandemia, isso aflorou mais. Nós precisamos sim, sempre colaborar com a comunidade, especialmente a mais necessitada. Eu acredito que depois da pandemia, isso vai acontecer mais – disse o presidente da Acij.

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Falta adesão às leis de incentivo, alerta Chapecó

O presidente da Associação Empresarial de Chapecó (Acic), Nelson Eiji Akimoto, que mobilizou rapidamente a entidade nas ações frente à pandemia que resultaram em doações superiores a R$ 1 milhão para o município, alerta que empresas e pessoas de Santa Catarina poderiam doar muito mais com base nas leis de incentivo. Segundo ele, essas doações podem chegar a 9% do imposto de renda pago pelo Estado, o que daria R$ 300 milhões por ano.

Conforme Akimoto, desse total, são autorizados para leis de incentivo apenas até 35% desse valor, o que chega a cerca de R$ 105 milhões por ano. Ele lamenta que em Chapecó, a situação é ainda pior. O município poderia retornar R$ 20 milhões de IR por ano, mas apenas cerca de 15% são incluídos, o que chega a cerca de R$ 3 milhões. Para ampliar essa reserva de recursos a projetos locais, a Acic criou um portal específico, que se comunica também com o portal do Sistema Fiesc, também com o mesmo objetivo.

Nas ações frente à pandemia, segundo Akimoto, a Acic também priorizou arrecadação de doações para investir na área da saúde. Toda cifra superior a R$ 1 milhão doada por empresas foi destinada para equipar a UTI do Hospital Regional do Oeste (HRO) que é administrado por uma associação voluntária. Outra campanha da Acif foi pela valorização de pequenos negócios, incentivando o consumo de serviços para que as pequenas empresas não tivessem uma queda muito grande de receita em função da pandemia.

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Entre as ações sociais da cidade que já eram desenvolvidas antes da pandemia e passaram a receber atenção especial com a chegada da doença está o Programa Viver, do qual Akimoto é vice-presidente.

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– O atendimento a 150 crianças teve que parar na pandemia. Só que as famílias tiveram muitas dificuldades nesse momento. Então, como tínhamos a equipe interna de professores e outros profissionais, passamos a fazer um sopão no final da tarde para atender as famílias das crianças e outras. Hoje, atendemos 700 pessoas da região, que estão cadastradas. As porções individuais são entregues a uma pessoa de cada família. A sopa é feita com doações do Mesa Brasil, do Sesc, de supermercados e outras empresas – informa Akimoto.

Conforme o presidente da Acic, apesar de Chapecó ser um ponto fora da curva, sempre com muitos postos de trabalho abertos, inclusive atualmente durante a pandemia, alguns trabalhadores não conseguem colocação no mercado e passam dificuldades. Akimoto, que é reconhecido como um dos empresários que mais investem na área social no Oeste, acredita que a pandemia sensibilizou mais as pessoas para fazer doações. Mas, ao mesmo tempo, ele trabalha para que a alternativa legal de destinar parte do IR para projetos voltados a crianças, idosos, saúde e cultura seja mais utilizada.