Futebol é esporte, paixão e economia. Em Santa Catarina, o setor movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano considerando estimativa de 2019 da Ernest & Young Auditores, segundo a qual esse esporte responde por 0,72% do PIB do Brasil. O Figueirense Futebol Clube, que nasceu na Ilha de SC em 12 de junho de 1921 e foi o primeiro time do Estado a disputar campeonato nacional, tem desafio duplo. Além de buscar vitórias em campo para voltar à série A do Campeonato Brasileiro de Futebol, corre para vencer as dívidas que, segundo informações ainda não formalizadas no balanço, estão próximas de R$ 155 milhões.
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O objetivo é festejar o centenário ano que vem com as contas em dia, diz o presidente do clube, Norton Flores Boppré. Para sanear as finanças, o Figueirense acaba de contratar a Alvarez & Marsal (A&M), consultoria financeira de Nova York que já recuperou as contas de vários clubes pelo mundo. E para atrair mais torcedores, firmou parceria com o grupo LX, especialista na área de marketing esportivo.
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Após uma série de dificuldades, principalmente nos últimos dois anos com a empresa gestora Elephant SA, o Figueirense trouxe de volta o grupo que projetou o clube nos anos de 1990, com o administrador Boppré à frente, apoiado pelo empresário Paulo Prisco Paraíso.
Graduado em administração pela UFSC, com MBA em gestão esportiva pela Estácio e pós-graduação em administração na Fundação Dom Cabral, Norton Boppré presidiu o clube de 1998 a 2010. Nascido em Florianópolis, 61 anos, casado, pai de duas filhas, ele é servidor público do Estado e está cumprindo o último mês de licença-prêmio antes de se aposentar. Por isso já concentra 100% das atenções para conseguir a virada do clube. Saiba mais na entrevista do presidente a seguir:
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De quanto é a dívida do Figueirense e como ela cresceu tanto?
O clube está para agendar uma assembleia geral na primeira metade do mês de setembro, na qual serão apresentados os números do balanço de 2019. Serão informados números tanto da associação como da empresa gestora do Figueirense nesse período, a Elephant SA. Há uma decisão dos poderes constituintes do clube para que essas informações não sejam levadas à imprensa antes da assembleia e, assim, não ferir estatutariamente a questão da hierarquia de informações. Mas posso falar que é uma dívida sem precedentes no clube, estimada em perto de R$ 155 milhões.
Foi um problema sério de gestão, de desleixo com o Figueirense. Ela foi se acumulando nos últimos 10 anos. A maioria é débito trabalhista. Por isso nós fizemos o ato trabalhista, que é um acordo pelo qual com a com a com a Justiça do pelo pelo qual 30% de toda a receita que entra para o clube é destinada a esse ato, para a quitação dessas dívidas. Caso não tenha receita, o clube paga R$ 200 mil por mês. É isso que está definido no acordo.
Por que vocês decidiram contratar a consultoria Alvarez & Marsal (A&M) para ajudar nessa recuperação financeira do clube?
– Decidimos contratar essa de Nova York, que tem atuação em quatro continentes e escritórios no Brasil, porque ela é especializada em reestruturação financeira. Vai trabalhar na renegociação de dívidas e captação de recursos no curto prazo, e também na busca de investidores de longo prazo para o clube. Eles têm “N” clientes mundo afora, de diversos setores da economia. No Brasil, o Figueirense será o cliente pioneiro deles no esporte, mas já atenderam clubes de futebol da Europa, do México, a Confederação de Futebol dos EUA, América Central e Caribe (Concacaf) e a Liga Americana de Baseboll (MLB). Eles já trabalharam com os clubes franceses Bordeaux (de Paris), Saint-Étienne e o Lille, mais o West Ham, da Inglaterra e o Chivas Guadalajara, do México. Prestaram consultoria também para a NBA, liga nacional de basquete dos Estados Unidos.
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A Alvarez & Marsal foi fundada em 1983 e se apresentava como boutique de reestruturação, terminologia que existia naquela época para esse tipo de empresa. O escritório do Brasil foi criado em 2004, em São Paulo, que é a sede da empresa para a América Latina. Quem nos ajudou a prospectar essa consultoria foi um colega nosso, o Felipe Cantieri.
A pandemia dificultou muito a vida do clube?
– Quando assumimos a gestão em 2 de março, nós informamos que um dos primeiros objetivos estratégicos era prioritariamente trabalhar por um plano de recuperação financeira para o Figueirense. Mas a situação de dívida do clube, combinada com a situação da pandemia, fez com que da noite para o dia as nossas receitas, face a gravidade da dívida acumulada, se exauriram e outras foram perdidas.
O campeonato estadual foi retomado sem público. Temos agora o Campeonato Brasileiro de Futebol. Essa volta é sem público, isso significa sem venda de ingressos, sem bilheteria. Além disso, tivemos perdas de patrocinadores. Uns pediram para encerrar o contrato com o clube, outros suspenderam até o retorno do futebol. A própria Globo, por conta da pandemia, reduziu as parcelas que ela paga aos clubes pelo direito de transmissão dos jogos. A CBF até complementou no mês passado e a Globo voltou a pagar o valor total agora.
Quantos sócios tem o clube e de que forma vocês pretendem ampliar essa participação?
Na nossa gestão anterior (1992-1998), chegamos ao ápice der 13 mil sócios que pagavam mensalidades em dia. Hoje estamos com aproximadamente 4,6 mil. É claro que essa queda não foi só por causa da pandemia, mas também por conta dos insucessos da administração anterior. E agora, na pandemia, muita gente saiu porque muitos perderam emprego, a renda de muitas famílias caiu.
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O trabalho da A&M será mais na área financeira. Para aumentar o número de sócios e trabalhar mais o marketing e a comunicação nós celebramos um contrato com o grupo LX Marketing Brasil, de São Paulo, especializado em marketing esportivo. Nós vamos lançar um novo programa de sócio torcedor, tendo como mote o centenário do clube. Também estamos estruturando o e-commerce e criando novos produtos.
Como será desenvolvido esse trabalho da consultoria?
A primeira fase é uma análise e uma simulação de cenários. É a parte de estudo dos dados, que está acontecendo e pode durar até 2 meses. Depois, começa realmente a renegociação das dívidas, o contato com os credores e as negociações. E a terceira fase será destinada à captação de recursos no curto prazo, finalizando com a busca de investidores para o longo prazo. O prazo previsto para todo o trabalho é de nove meses.
A Alavarez & Marsal assumiu o Figueirense porque é um clube que se enquadra entre os que têm grande potencial de crescimento no Brasil. E acredito que esse trabalho no nosso clube será como um cartão de visitas para a empresa atender outros clubes brasileiros que precisam da mesma ajuda.
Como vocês esperam chegar financeiramente no aniversário de 100 anos do clube, em 12 de junho do ano que vem?
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O grande propósito é a erradicação da nossa dívida. Nós entendemos que ela é muito complicada e vai durar muito mais do que a gente imagina, mas a nossa intenção e deixar ela administrável e que o clube siga e frente com suas próprias condições e receitas.
Em termos de patrocínio, como o Figueirense está?
Olha, em termos de patrocínio, hoje o clube tem um grupo bem extenso, mas com valores individualmente de baixa relevância. É uma conjugação, um somatório. Temos por exemplo a C2M que é da área de energia, a qual patrocina o uniforme do Clube, a Casas da Água que historicamente sempre foi parceira do Figueirense, temos Ibagy que nos ajuda com imóveis residenciais para jogadores e funcionários numa forma de permuta. Outro patrocinador o Grupo VEG (do segmento de assessoria na área de telecom), que tem a logomarca na camisa do clube. Estamos buscando um novo patrocinador e vamos anunciar em breve.
O senhor pode contar um pouco da trajetória do Figueirense?
– O Figueirense foi fundado em 1921 no momento em que o futebol era incipiente em Florianópolis e em Santa Catarina. Na época, o esporte preferido era o remo. Aí, três jovens desportistas da região onde fica hoje o Terminal Rodoviário Rita Maria e havia uma figueira (árvore), decidiram criar o clube. Por isso o nome Figueirese. Ele foi o primeiro time catarinense a participar do Campeonato Nacional de Clubes, em 1973. Hoje tem a maior torcida em SC, algo como 1 milhão entre torcedores e simpatizantes. Também coleciona o maior número de títulos estaduais, 18 conquistas ao todo. E mais recentemente ficou sete anos consecutivos na Série A do Brasileiro.
O Figueirense também ajudou na revelação de vários talentos do futebol, que depois atuaram no futebol nacional e mundial, como o Roberto Firmino, que joga no Liverpool, da Inglaterra, e integra a Seleção Brasileira. O Felipe Luiz, lateral esquerdo que jogou na Europa e hoje está no Flamengo.
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A empresa Ernst & Young, multinacional de auditoria, fez um estudo no final do ano passado e constatou que o futebol movimenta no Brasil o equivalente a 0,72% do PIB, o que representou quase R$ 53 bilhões (dados de 2018). Em SC, considerando o último PIB divulgado, de 2017, daria quase R$ 2 bilhões. O senhor acredita que é isso mesmo?
Eu acredito que sim. É um esporte que tem uma importância muito grande, ele é um grande gerador de empregos, receitas e rendas. As duas principais receitas dos clubes vêm da transmissão dos jogos e da venda de atletas. Quando falo em atletas, são aqueles formados na base do clube, que começam a performar e jogar na equipe principal. Esses jogadores passam a valer muito, são negociados tanto no mercado nacional quanto no internacional. Falando em empregos diretos, hoje o Figueirense tem em torno de 200 funcionários, incluindo atletas, comissão técnica e trabalhadores da área administrativa. Se você somar os funcionários de todos os clubes da primeira divisão de Santa Catarina deve dar quase mil empregos diretos. Além disso, há também o movimento da economia com as lojas dos clubes, os royalties e por aí vai. Temos também os demais clubes e o futebol amador. Acredito que chega a movimentar R$ 2 bilhões por ano. Se não for isso, é um valor muito próximo.
Na sua opinião, foi uma grande perda para Santa Catarina não ter ganhado um estádio da Copa de 2014?
Naquela época o Governador Luiz Henrique da Silveira estimulou muito para que Santa Catarina ganhasse um estádio. O nosso projeto (do Figueirense) não contava com nenhum recurso público. Seria inclusive com uma empresa que participou das construções de alguns estádios da Copa, mas Santa Catarina acabou não sendo escolhida para sediar um estádio. Eu vejo que por uma interferência política do Nordeste nós perdemos o espaço para o Rio Grande do Norte. Eles fizeram também um fatiamento das regiões, e como o Paraná e o Rio Grande do Sul já tinham sidos escolhidos, sobrou para nós ficarmos fora. Mas eu lamento, acho que seria um grande crescimento para o Estado. Nós temos condições de ter um bom estádio.
Como o senhor vê o futuro do futebol feminino. O Figueirense poderia ter uma equipe?
O Figueirense já teve uma equipe feminina e tem ainda parceria com um clube de Florianópolis com esse objetivo. Existe uma obrigatoriedade da CBF para os clubes que disputam a série A do campeonato brasileiro terem equipe feminina, o que não é nosso caso no momento. Agora, com a pandemia, não há jogos femininos marcados para este ano.
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Na sua opinião, quem são o melhor jogador e a melhor jogadora da história do futebol mundial?
Na minha opinião a melhor jogadora da história do futebol mundial é a Marta. Ninguém conseguiu ainda chegar ao nível dela. E no futebol masculino mundial, Edson Arantes Nascimento, o Pelé. Para mim, não tem outro. Mas se fossem perguntar quem são o segundo e o terceiro melhores jogadores do mundo, eu citaria mais dois brasileiros, o Garrincha e o Zico, respectivamente. É claro que eu reconheço que o futebol mundial tem grandes jogadores hoje, como o argentino Leonel Messi, o português Cristiano Ronaldo e o francês Kylian Mbappé.