É possível sentir os efeitos do aquecimento global e o Brasil pode ter vantagens comparativas por ter economia de baixo carbono. Essas são observações da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-Coppe) e presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Suzana Kahn. No Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, ela fez palestra em Florianópolis no evento da Engie Brasil Energia e me concedeu a entrevista a seguir.

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Qual é o grande desafio na área ambiental?

Para mim, o grande desafio está na questão da mudança climática, do aquecimento global, porque, de certa maneira, abrange tudo. Isto porque quando você fala de aquecimento global está tratando da questão da energia, do alimento e da equidade. Por exemplo, se você tem um problema de aumento de temperatura com todos os impactos que isso acarreta há um estresse ainda maior na desigualdade social. Uma das coisas que a gente presencia hoje é um grande problema migratório, de refugiados da África indo para a Europa. Isso é muito agravado com a mudança climática. Quando a gente fala que a mudança climática é o maior desafio é porque ela coloca uma série de problemas gravíssimos e problemas associados a ambiente stricto sensu, como perda de diversidade, agricultura, alimentos. Então acho que sintetiza tudo.

A descarbonização da geração de energia vai demorar muito?

Eu acho que demora muito porque a gente tem toda uma infraestrutura baseada nos combustíveis fósseis e grandes interesses. Há um avanço rápido, mas parte de uma base bastante pequena. Hoje, temos muitos investimentos migrando para a energia renovável. Grandes fundos estão com essa prioridade. A Fundação Ford, por exemplo, não investe em nada que tenha combustível fóssil. Há um movimento grandioso, mas ainda é muito pequeno dado a presença forte dos combustíveis fósseis no mundo, em toda a infraestrutura. A gente está indo nesse sentido, mas mudar isso vai demorar décadas. Por isso acho pouco provável que o aumento da temperatura vai ficar nos 2 graus como foi acordado em Paris. Vai ser mais do que isso.

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Os impactos do aumento da temperatura são mais sentidos agora?

Quando a gente fala em aumento da temperatura, o que está se falando é que há muito mais energia, calor, na atmosfera. Esse aumento de energia provoca não só o aumento do nível do mar, mas o aumento de chuvas intensas e eventos extremos porque como está mais quente você tem uma evaporação mais rápida de água que gera nuvens mais carregadas. O problema não é chover mais, mas aquela chuva concentrada num período curto de tempo, tipo o que aconteceu no Rio. Há temporais e uma série de problemas associados a inundações. Se aumenta um pouco o nível do mar e os rios correm para o mar, mesmo em regiões de planície você começa a ter inundação porque não tem para onde correr porque o mar subiu.

E os problemas à saúde?

Há problemas associados à saúde porque uma série de vetores, como mosquitos, que agiam num determinado tempo, acabam tendo um período maior para agir. Essas doenças tipo dengue e chicungunha começam a ter um período maior para atuar sobre a população. As ondas de calor trazem problemas sérios de saúde às crianças e diodos. O mais grave é a desigualdade. Se você tem um problema num país muito pobre, a capacidade de ele reagir a esses eventos é muito menor do que um outro país de renda maior. Um aumento do nível do mar na Holanda é muito menos dramático do que em Bangladesch, por exemplo. Para um país que depende muito de agricultura, a mudança climática vai trazer um impacto econômico muito maior do que para quem vive da venda de software. O fechamento de fronteiras de países mais ricos é uma proteção porque os problemas maiores ocorrem em países mais pobres, com temperaturas maiores, onde há maior risco de desertificação.

Como avalia a gestão do governo federal para a área ambiental?

Acho que há um total desconhecimento do proveito, das vantagens que o Brasil pode ter da sua diversidade, da sua floresta. Eu vejo que a questão ambiental do Brasil está sendo considerada como um passivo e não como um ativo. Está sendo olhada de maneira preconceituosa. É evidente que há ONG que não é honesta, mas é preciso analisar e entender que a questão ambiental e como um aliado ao comércio internacional.

A energia limpa também pode ser aliada?

Como a gente tem uma matriz energética, principalmente elétrica, muito limpa, todos os produtos feitos no Brasil têm conteúdo de carbono menor. Até mesmo quando você fala em veículo elétrico, por exemplo. Ele precisa de energia elétrica de algum lugar. Se a nossa matriz elétrica é renovável, o nosso veículo elétrico tem emissão menor. Isso vale para o aço brasileiro e a agricultura. Se o mundo caminha para um mercado de restrição a carbono e a gente tem baixa emissão de carbono, como vamos virar as costas para isso ao invés de estar nos beneficiando?

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Como as pessoas podem colaborar para reduzir as emissões e o que é prossumidor?

Como é possível a geração de energia descentralizada, você pode gerar e consumir a sua energia. Então você deixa de ser consumidor para ser prossumidor. Isso é interessante porque você não está pressionando as redes. Mas não é tão simples. É preciso saber o papel da distribuidora, que precisa ter essa oferta de energia por fio. Há uma discussão na Aneel sobre isso. Além da vantagem, o prossumidor tende a ser mais consciente. É possível também planejar a casa para usar energia nos horários mais baratos. Um exemplo é lavar roupa na máquina de madrugada. Não dá para lavar às 18h, quando a energia é mais cara.

Como será o consumidor do futuro, na sua opinião?

Cada vez mais há uma maior consciência sobre muitas coisas. Uma delas é não usar mais sacolinha de plástico no supermercado. Isso está melhorando. Mas acho que vai mudar muito a questão da posse, do ter. As pessoas vão preferir alugar e compartilhar. No Rio começou com o compartilhamento de bicicletas. A questão da posse tende a reduzir por causa do avanço digital.

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