Os choques de inflação vieram de todos os lados no Brasil e preços seguem pressionados porque parte das empresas ainda não transferiu as altas de custos, afirma o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale. Segundo ele, a expectativa é de que os preços vão se acomodar em alguns meses, quando essa fase passar e a alta da taxa Selic passar a ter influência na economia. Para o ano que vem a expectativa é de inflação mais baixa, mas ele alerta para o risco da questão hídrica, que pode pressionar a inflação e inibir crescimento.

Continua depois da publicidade

Megale esteve quinta-feira em Florianópolis, juntamente com o CEO da XP, Rafael Furlanetti, e a analista de política da empresa, Débora Santos, para o painel “Retomada da Economia”, promovido pelo Lide Santa Catarina. Sexta-feira, o economista concedeu esta entrevista exclusiva à coluna, na qual falou também sobre cenário econômico em geral, reforma tributária, alta de juros e destacou que os investimentos em bolsa podem se tornar mais atrativos nos próximos meses.

> Receba as principais informações de Santa Catarina pelo Whatsapp

O Brasil enfrenta piora de indicadores, com influência externa e interna. Como o senhor avalia esse cenário e o que poderia levar a uma melhora?

Nas últimas semanas, tivemos um cenário internacional que ficou um pouquinho mais incerto com o aumento da variante Delta e possível redução dos estímulos nos Estados Unidos. O mercado americano estava bastante esticado, então a gente viu uma performance recente das bolsas um pouco pior, mas eu vejo o cenário externo com alguns altos e baixos, afinal, ainda está na pandemia. Mas não vejo o cenário externo como o que vai afetar mais a economia brasileira.

Continua depois da publicidade

Acho que os nossos riscos maiores estão ligados às incertezas domésticas que aumentaram um pouco no último mês e meio. Isso está ligado a dois fatores. O primeiro é a reforma tributária, o tema do Imposto de Renda, desde que foi apresentado no final de junho trouxe mais incerteza ao mercado, de quanto seria a tributação das empresas, de quanto seria a lucratividade das companhias. As empresas passaram a investir menos, a pisar um pouco no freio para sentir a evolução das discussões.

Do lado fiscal, ficou a dúvida se a tramitação do processo levaria a uma perda importante de arrecadação de impostos enquanto o Brasil ainda tem déficit nas contas. Essa foi a movimentação em torno da reforma tributária. E um segundo fator foi ligado ao risco de aumento de gastos públicos, a sustentabilidade do teto de gastos.

À medida que nos aproximamos do ano eleitoral, a temperatura política subiu e deve continuar subindo. A pressão por mais gastos também sobe. Isso num ambiente fiscal apertado acabou gerando alta dos juros futuros refletindo as incertezas ficais, especialmente as taxas mais longas.

Então, considerando a combinação de todos esses fatores, me preocupa menos os externos do que os internos. A gente vai entrar num processo eleitoral lá na frente, estão começando a misturar um pouco as discussões de economia com política, por isso do lado doméstico a volatilidade e a fase de turbulência pode durar mais.

Continua depois da publicidade

Qual é a sua opinião sobre a proposta de cobrança de Imposto de Renda sobre dividendos?

Tem dois lados. Do lado da justiça tributária, eu acho que faz sentido tributar dividendos porque hoje muitas pessoas se estruturam em torno de uma empresa e acabam recolhendo muito menos impostos do que os trabalhadores que pagam Imposto de Renda normal. Ainda que haja tributação na empresa, o Imposto de Renda Pessoa Jurídica, o cômputo final dos impostos pagos pelos acionistas das empresas acaba sendo menor do que os impostos pagos por um trabalhador normal.

Mas a economia brasileira é estruturada nesse formato de isenção de tributação de dividendos há muito tempo. Os investimentos são estruturados dessa forma, as empresas se preparam dessa forma. Então, é muito arriscado mudar de uma hora para outra, passar a tributar dividendos sem saber qual será o impacto na economia como um todo.

Essa discussão não foi ampla, as pessoas não fizeram muitos cálculos. Até outro dia, quando se falava em reforma tributária, se pensava no consumo, ISS, ICMS. Se pensava sobre isso. De repente, outra reforma apareceu na frente para ser votada antes, ficou meio confuso. Apesar de ter méritos, a proposta foi meio açodada e pode trazer mais malefícios do que benefícios se não for bem feita.

De que forma os dividendos poderiam ser tributados?

Eu acho que deveria ser faseado, em etapas, não totalmente de uma hora para outra. E quando for implementada, a tributação de dividendos deveria ser de forma homogênea. Primeiro, apareceu a proposta para cobrar só de dividendos acima de R$ 20 mil por mês. Não entendi a razão disso.

Continua depois da publicidade

Agora, as empresas do Simples foram excluídas da taxação de dividendos. Então, você está gerando um incentivo para as empresas se tornarem pequenas e se encaixarem no Simples porque a tributação é menor e ficaria ainda menor. A forma como a tributação está sendo pensada para ser implementada traz discussões.

Temos uma inflação alta, bem acima do esperado. O que está pressionando os preços?

Esse é um ponto importante que está trazendo preocupação não só para economistas, mas para a população brasileira em geral porque a inflação afeta diretamente a vida das pessoas. Por que a inflação subiu tanto? O Brasil passa por uma verdadeira tempestade perfeita de inflação. Nós tivemos uma alta de custo muito grande no mundo inteiro. O minério de ferro, aço, petróleo e grãos de forma geral tiveram aumentos. Quando sobe o milho, que é usado na ração, a carne fica mais cara.

No Brasil, ficou mais caro em particular porque a taxa de câmbio depreciou muito. O real saiu do R$ 4,00 e foi para R$ 5,80, agora voltou para R$ 5,40, mas é bem mais fraco do que antes da pandemia. Muitos países tiveram depreciação cambial, mas foi mais baixa do que a brasileira. Então, a alta de custos internacionais veio turbinada no Brasil por conta do efeito da taxa de câmbio.

Em cima disso, tivemos uma demanda que foi muito impulsionada pelos auxílios emergenciais, programas de governo. Não foi só inflação de oferta, de custos. Teve uma importante pressão de demanda por conta da transferência de custos do setor privado e, agora, mais recentemente, choveu pouco, o que faz com que o custo de energia dispare. Além disso, tivemos geadas recentemente que quebraram algumas safras. De novo, milho e soja subiram, o que afeta a ração animal. Arroz e feijão também ficaram mais caros. Então, a gente teve um ano de choque de inflação de todo lado.

Continua depois da publicidade

Como os preços vão se comportar daqui para a frente?

No curto prazo, não vai ter muito refresco não. Uma boa parte dos custos ainda não repassados pelas empresas ao consumidor serão transferidos. Eu estou preocupado com a inflação de curto prazo. Mas acho que ao longo do tempo a gente deve ter uma acomodação da economia porque os estímulos de programas governamentais não devem ser tão fortes, o Banco Central está subindo a taxa de juros para conter a alta adicional de preços. A taxa de câmbio, bem ou mal, está mais estável do que foi no ano passado. Então, quando estendo a minha análise para o ano de 2022, vamos ter uma inflação mais baixa, o que não significa preços mais baixos. Eles continuam altos, mas param de subir.

No ano que vem teremos inflação mais baixa com um grande risco, a questão hídrica. Não está com cara de que teremos um período de chuvas abundante. Ele começa em setembro. Então, teremos mais pressão do lado da energia, isso é um risco tanto para a inflação, quanto para a atividade econômica, se tivermos que fazer racionamento de energia.

Qual é a previsão da XP para a taxa básica de juros para este ano e para 2022?

A nossa previsão é de 7,25%. Acho que o Banco Central fará mais uma alta de 1,0 ponto percentual, depois iniciará um ajuste mais moderado, de 0,5 ponto percentual em mais duas reuniões. Então, subirá da atual taxa de 5,25% para 7,25%. E ficará em 7,25% no ano que vem. Se ficar assim, estaremos falando de uma taxa de juros real, ou seja, da taxa Selic menos a inflação, de algo perto de 3% a 3,5% ao ano, que é uma taxa de juros mais de equilíbrio para a economia brasileira. Por esse prisma, para um cenário de razoável equilíbrio fiscal para o ano que vem, sem grandes rupturas, essa ação do banco central será suficiente para trazer a inflação para a meta.

Agora, se não tivermos equilíbrio fiscal no ano que vem, ou seja, se essa discussão de precatórios, teto de gastos continuar e levar a uma mudança no arcabouço fiscal com mais despesas, nova depreciação da taxa de câmbio, mais incertezas, mais populismo no ano que vem, aí o Banco Central não conseguira manter a taxa em 7,25%. Aí a nossa simulação mostra que o BC terá que subir mais a taxa e a Selic vai até 9,5%. Então, temos dois cenários. Um sem ruptura fiscal, com Selic a 7,5%, e com ruptura fiscal, Selic a 9,5%.

Continua depois da publicidade

Qual é a expectativa de vocês para o PIB este ano e em 2022?

Para este ano, acho que o PIB contratado é da ordem de 5% a 5,5% de crescimento frente a 2020. Nossa projeção é de 5,5% e estamos tranquilos com essa projeção. A grande surpresa foi que o PIB continuou andando bem este ano. Teve segunda onda, teve auxílio emergencial menor, mas a economia continuou andando muito bem, ainda como reflexo dos estímulos do ano passado.

Para o ano que vem esses estímulos vão perdendo o efeito, não vai ter tanta transferência, a Selic não será mais de 2%, estará em 7,5%, com um ambiente mais apertado. E o mundo também está se acomodando. A taxa de crescimento global não será tão forte quanto este ano. Em 2021, o mundo vai crescer perto de 7%, uma das maiores taxas de crescimento em mais de 100 anos. No ano que vem, a expectativa é de que a taxa mundial se acomode perto de 4%, o que também não é pouco.

A nossa projeção para o Brasil no ano que vem é de 2,3%. A gente acha que o país continua crescendo, desacelera, mas cresce. E 2,3% hoje é até um pouco otimista. O mercado está caminhando para alguma coisa perto de 1,5%, um pouco abaixo de 2%. A gente ainda acha que a reabertura da economia, num estado como o de Santa Catarina que se beneficia muito do turismo, ainda vai beneficiar mais, tem muita coisa ainda para se normalizar e trazer impulso para a economia, o que vai manter o PIB do ano que vem relativamente firme.

O que me preocupa são esses fatores que eu coloquei: pode ter falta de energia e um desequilíbrio político-fiscal que pode fazer o Banco Central arrochar mais forte no monetário. Aí nesse cenário, de fato, o PIB não consegue ser acima de 2% de crescimento. Aí eu acho que tem que ser menor e eu tenho a impressão que essas revisões no PIB que estamos assistindo já são de pessoas que estão colocando esse cenário mais negativo na conta.

Continua depois da publicidade

O que esperar no mercado de investimentos com a Selic acima de 7% ao ano. Vai haver corrida para a renda fixa?

A procura por renda fixa já vem subindo. A Selic em 7% é um rendimento razoável, principalmente se a gente estiver certo que a inflação vai recuar. Agora, essa chacoalhada toda no mercado acaba abrindo oportunidades porque a bolsa brasileira, que estava lá perto dos 120, 125 mil pontos, apagou na última semana todos os ganhos desde o início do ano.

Num cenário em que a economia continua crescendo, que não há grandes rupturas, dependendo de quanto mais cai a bolsa, volta a ser atraente. A taxa de juros mais alta faz com que um pedacinho do portfólio dos clientes fique mais cativo na renda fixa, principalmente a mais indexada ao juro de curto prazo. Mas é só um pedacinho porque dependendo do movimento do mercado, se a bolsa cair muito, ela pode ficar atraente. A tendência de procura pela bolsa vai continuar, especialmente agora que os preços estão voltando a ser atraentes.