Com êxito no inédito desafio de tratar doentes que sofrem de uma pandemia ainda sem cura para todos, a Covid-19, o Hospital Baía Sul, instituição privada de Florianópolis, começa pensar também no futuro, em como pode ampliar atividades. Dentro desse foco, a instituição, que em 2018 teve o controle acionário adquirido pela Hospital Care, de São Pauo, mantém conversas com a Irmandade do Hospital de Caridade, visando uma parceria de gestão compartilhada, informa o presidente do Hospital Baía Sul, o médico radiologista Sérgio Marcondes Brincas.
Continua depois da publicidade
Nesta entrevista, ele conta como o hospital vem atuando no enfrentamento ao novo coronavírus, fala de investimento em dois pronto-atendimentos, perda de receita, cuidados com pacientes e sobre como equilibrar os serviços de saúde de Florianópolis no futuro.
Brasil supera 100 mil mortes e registra mais de 3 milhões de casos de coronavírus
Passados cinco meses da chegada da pandemia, como o Hospital Baía Sul está em relação ao atendimento à Covid-19?
-O atendimento à Covid-19 já faz parte do nosso dia a dia. O fato de não termos tido grande impacto da doença no começo deu tempo para a gente se estruturar, se organizar, aprender a lidar com isso, porque é uma doença nova. Embora existam muito mais perguntas do que respostas, a gente já tem uma determinada tranquilidade de lidar com a situação. Sobre número de pacientes, agora não estamos no máximo de ocupação. Já tivemos mais. Nos últimos dias reduziu um pouquinho. Eu não sei se essa redução vai perdurar, se é real ou é só momentânea, mas a gente viu um equilíbrio aí.
Continua depois da publicidade
Como o senhor sente a adesão da população às medidas de prevenção à doença?
-Acho que ficou muito claro durante essa pandemia o quanto a população catarinense adere à necessidade social e geral. As pessoas têm um papel muito grande de respeitar o isolamento, respeitar os critérios de proteção. Isso tem ajudado muito. Como o isolamento não é geral, a doença se dissemina, mas com menos casos, o que permite que a gente não estoure a capacidade de atendimento dos hospitais. Nós, no Baía Sul, seguimos no equilíbrio, perto do limite.
De que forma o Baía Sul se preparou para o atendimento a essa nova doença?
A gente começou a se organizar no finalzinho de fevereiro começo de março, quando vimos que o novo coronavírus iria chegar no Brasil. A nossa perspectiva é que chegaria de avião. E como Florianópolis é uma cidade internacional e o Baía Sul é uma referência da medicina suplementar, da medicina privada, a gente sabia que seriamos um dos primeiros a receber doentes. E não foi diferente, o primeiro caso foi diagnosticado aqui. Aí a gente estruturou fluxos internos, fez a separação de fluxos principalmente, para isolar o paciente antes de ele entrar no hospital, para que o hospital não fosse uma fonte de infecção. A gente viu que no mundo inteiro havia um monte de profissionais da saúde adoecendo e as equipes caíam ao longo do combate, então a gente estruturou protocolos de consumo e uso de equipamentos de proteção para que não faltasse. Isso porque estava muito caro e muito difícil de conseguir. Trabalhamos para oferecer segurança para que a gente pudesse ter o mínimo ou nenhuma contaminação de equipes assistenciais.
O coronavírus impôs novos custos, investimentos e perdas aos hospitais. Como está sendo isso para o Baía Sul?
Continua depois da publicidade
-Muitos produtos necessários para o enfrentamento da Covid-19 não eram utilizadas antes no hospital, pelo menos em larga escala. Tivemos que investir em equipamentos de proteção, respiradores e em transporte privado para os funcionários. Nessa estrutura e em obras de adaptação investimos perto de R$ 5 milhões. Nós já havíamos reformado a unidade de pronto atendimento, com investimento de aproximadamente R$ 2 milhões, só que a gente tinha orçado com uma dinâmica diferente. A gente percebeu que deve haver uma separação de fluxos em todos os hospitais porque a Covid é uma doença respiratória e parece que vai ficar entre nós por muito tempo.
Então deve haver uma separação de doentes respiratórios nas unidades de pronto atendimento e nas alas de internação, que é uma divisão que não acontecia. Em função disso, a gente fez, praticamente, dois pronto-atendimentos novos, um destinado às doenças respiratórias e um destinado às outras doenças, para que não haja a contaminação desses pacientes com outras doenças. E isso até melhorou a nossa segurança. Pela nossa análise de controle do atendimento assistencial, nesses últimos dois meses nós tivemos os melhores índices históricos de controle de infecção dentro do hospital.
Além disso, criamos unidades flexíveis porque uma vez que você isola uma área para pacientes de Covid-19, se tem 50 vagas e 1 paciente internado, as outras 49 não poderão ser ocupadas por pacientes com outras doenças. Então a gente criou unidades fracionadas, que vamos dimensionando conforme a necessidade.
Quanto às perdas pela ociosidade do hospital?
Tivemos perdas. No mês de abril, por exemplo, não se fazia nada. A gente teve uma perda de 80% na nossa receita. Estávamos utilizando apenas 20% da capacidade do nosso hospital. Mas em maio já tivemos uma recuperação boa, justamente por essa segurança que a gente conseguiu transmitir aos pacientes, mas ainda não voltamos ao dimensionamento normal do orçamento para esse ano. Isso porque o custo fixo você não consegue mexer. Não dispensamos pessoas. Pelo contrário, contratamos muita gente durante essa fase mais crítica. Contratamos 70 pessoas, mais de 10% do total da nossa folha. Em função da ocupação menor e maiores custos, tivemos perdas na casa dos R$ 10 milhões. Isso juntando todos os nossos negócios: Hospital Baía Sul e Clínica Imagem. Nosso custo operacional subiu demais.
Continua depois da publicidade
Como foi a incidência da doença entre os profissionais da instituição?
Isso é uma questão relativa. A gente teve um número considerável de profissionais contaminados, mas não muito diferente da taxa de contaminação na sociedade em si. Pelo contrário, tivemos uma média até um pouco menor. A maioria dos profissionais se contaminaram fora, nas relações individuais e não nas áreas de atendimento à Covid-19. E todos se recuperaram. Alguns enfrentaram quadro um pouco mais grave, mas nenhum chegou ao limite de gravidade, graças a Deus. Existem exemplos de cidades que tem hospitais atendendo apenas Covid e hospitais atendendo apenas outras doenças, mas pode-se observar que o número de infectados é muito maior nos hospitais que atendem apenas outras doenças. Isso acontece justamente pelos critérios de segurança porque onde tem Covid são mais rigorosos, o que faz o nível de contaminação cair muito.
Por ser um desafio enorme, a pandemia tem um lado bom também relevante, como mais pesquisas, por exemplo. O que o senhor pode destacar nesse aspecto?
O primeiro lado bom disso tudo é que pela primeira vez, desde que eu atuo na área da saúde, a sociedade entendeu o quão é importante ter saúde. Eu acho que isso nunca foi tão evidente, então, para mim, esse é o primeiro lado bom. O segundo lado bom é que a gente viu que essas grandes estruturas, grandes hospitais foram as que realmente ajudaram a conter esse pânico do adoecimento e da morte.
Sobre as pesquisas, a gente participou de várias nacionais, todas com os grandes hospitais do Brasil, no sentido de tentar validar tratamentos. Isso coloca cidades como a nossa no radar da assistência médica. Já estávamos por outras razões, mas agora é mais sólido institucionalmente. Em termos assistenciais, o que eu vou dizer é até o contrário da percepção de todo mundo. Eu acho que foi o período de maior motivação de profissionais da saúde que eu vi em toda minha carreira. Internamente, no Baía Sul, o nível de motivação e de propósito dos profissionais da saúde nunca foi tão grande quanto nesse momento. Mesmo se expondo a riscos, obviamente controlados, a motivação é enorme para participar dessa grande causa.
Continua depois da publicidade
Uma das novas recomendações, atualmente, é que as pessoas que testam positivo para o novo coronavírus procurem imediatamente atendimento médico. Qual é a sua opinião sobre isso?
O importante no tratamento é se o paciente está sendo acompanhado, mas o mais importante é que não fique em casa com sintomas graves sem estar acompanhado por médico. Quando o paciente começa a sentir sinais de agravamento tem que vir no hospital ou pelo menos ter alguém acompanhando-o. Como a doença progride rapidamente, esse acompanhamento é feito diariamente por algumas semanas. Eu diria que o paciente precisa de assistência precoce, não de tratamento precoce. E a internação precoce mesmo que seja em leitos normais, evita que o paciente precise de uma UTI. Esse é um dos fatores principais.
Falando sobre futuro, com frequência se diz que Florianópolis precisa de mais hospitais privados. O Baía Sul foi investido pelo Hospital Care em outubro de 2018. Vocês têm planos de expansão?
Eu acho que há duas linhas de crescimento, e não acho que Florianópolis precise de mais hospitais. Talvez Florianópolis necessite de uma reestruturação na saúde. A gente tem muitos e bons hospitais. O que a gente está tentando construir é mais um reequilíbrio da Saúde. Estamos trabalhando muito no sentido de criar linhas de cuidado, o que significa criar um controle do adoecimento das pessoas para evitar a necessidade de continuar internando. Esse é o primeiro passo. Também estamos buscando equilíbrio com as operadoras, para que as operadoras, as seguradoras, as cooperativas médicas, todos tenham sustentabilidade financeira.
Continua depois da publicidade
A gente tem projetos de crescimento. Primeiro, pretendemos utilizar ao máximo a nossa capacidade interna porque é muito mais barato você crescer internamente do que sair construindo prédios, fazendo hospitais novos. E, se possível, também gostaríamos de fazer parcerias com outros hospitais. Nosso projeto é muito mais de racionalização dos recursos de saúde, do que de construir mais hospitais.Temos uma discussão sobre o hospital de caridade, conversas avançadas com a Irmandade (que administra a instituição). Nosso interesse é recuperar o Hospital de Caridade e devolvê-lo para Florianópolis com a importância que ele sempre teve.
O Baía Sul e o Hospital de Caridade têm portes semelhantes?
O Baía Sul tem 100 leitos. O Caridade eu não sei quantos leitos têm hoje (o site da instituição informa 200, incluindo UTIs). Mas no Baía Sul, como a gente tem uma estrutura de giro de leitos muito bem organizada no sentido de deixar o paciente internado somente o tempo necessário, temos uma performance como se fosse um hospital maior. Isso diminui o custo hospitalar e aumenta o conforto e a segurança do paciente. Isso porque existe um momento a partir do qual não faz diferença o paciente estar no hospital ou estar em casa, não corre mais risco. Temos um time organizado no sentido de fazer a internação no momento adequado, manter elevada segurança e garantir a alta precoce. A sustentabilidade vem do reflexo disso tudo, mas o principal é a segurança e o resultado do tratamento.
O senhor fala em linhas de cuidado, controle do adoencimento. Pode explicar mais sobre como isso pode ser alcançado?
Se você não tiver uma harmonia no serviço de saúde como um todo, você não consegue racionalizar custos. Você tem que ter parceria com todos os níveis, parcerias entre a fonte pagadora, a atenção primária, que é a medicina da família, a medicina comunitária, a pediatria, com a atenção secundária, que é o diagnóstico, internações de pequeno porte, e a terciária que é a de alta complexidade. Se elas não tiverem na mesma linha de negócio, não necessariamente no mesmo grupo, não é possível racionalizar custos. Um exemplo disso é quando a gente juntou o diagnóstico por imagem e o Hospital Baía Sul dentro do mesmo negócio. Teoricamente, são setores distintos.
Continua depois da publicidade
A gente ganha eficiência especializando cada ambiente. A gente começou a criar uma plataforma de multisserviços e multiparceiros. Nosso objetivo é excelência em saúde com controle de custos. A gente vem conversando sobre como fazer isso em parceria com a própria Unimed. A gente estuda como utilizar o Hospital de Caridade para viabilizar o equilíbrio econômico da medicina de Florianópolis.
Qual é a sua avaliação sobre os serviços de saúde oferecidos hoje em Florianópolis?
– A saúde de Florianópolis, como um todo, vem evoluindo muito. Basta ver a tranquilidade, relativa claro, que estamos passando nesta fase da Covid-19. A gente não teve, por exemplo, nenhum problema assistencial hospitalar de pânico, de ter que escolher quem vive, quem morre por falta de equipamentos. Acho que a cidade já tem um padrão de assistência que pode ser comparado com os de outras grandes cidades ou até países.