A reforma tributária deve viabilizar simplificação expressiva ao sistema de impostos do país, na avaliação do economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, ex-Secretário do Tesouro Nacional. Na opinião dele, o Senado tenderá a não aumentar o número de setores econômicos com alíquota reduzida na reforma.

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Em entrevista exclusiva para a coluna, o economista, que fez palestra na Money Week, sexta-feira, evento da EQI Investimentos, em Balneário Camboriú, falou também que o BC poderá acelerar a queda dos juros se a condição da inflação permitir.

Além disso, ele destacou a aprovação do mercado para o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou de crescimentos do país acima do projetado e, também, defendeu maior qualidade da educação para o Brasil avançar em produtividade. Saiba mais na entrevista a seguir.

O projeto de reforma tributária preocupa diversos setores de serviços em Santa Catarina porque deverá implicar em aumento da carga de impostos a eles. Como analisa o projeto que está no Senado?

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– É uma reforma que substitui o ISS, ICMS, PIS e Cofins. Ela vai simplificar tanto a regras tributárias no Brasil, o que vai permitir quase que uma compensação imediata de toda a geração de crédito ao longo da cadeia de produção. Eu acho que o efeito geral dela será muito positivo.

O governo ainda está discutindo detalhes, a proposta ainda está em análise no Senado, mas é possível que passe ainda por alguns ajustes. Então, eu acho que não vai ter nenhum aumento de carga tributária muito grande. Ao contrário, a intenção do governo é que a reforma seja neutra.

Para a indústria, é muito claro que vai ser uma reforma positiva. Então, a indústria, seja em São Paulo, Rio de Janeiro ou em Santa Catarina será beneficiada. Uma parte de aumento de tributo talvez ocorra para algum setor muito específico que tem uma cadeia curta, que não compra muitos insumos.

São alguns setores civis. Mas muito do que a gente chama de setores civis, que são as áreas de saúde, educação e transporte público terá uma alíquota reduzida também.

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Então, acho que com a reforma, os benefícios a médio e longo prazo serão muito maiores do que qualquer problema de curto prazo, de alguma modificação pequena de carga tributária.

Existe a pressão de setores para serem incluídos na alíquota reduzida. Será que o Senado vai mudar muito o que a Câmara aprovou?

– Então, a parte positiva foi que o governo, agora, divulgou os estudos com as simulações de alíquotas a depender do número de alíquotas especiais reduzidas. O governo estimou que a alíquota geral ficará entre 24% e 27%. Talvez fique algo aí em torno de 25% a 26%.

Então, eu não espero que o Senado vá aumentar ainda mais o número de setores com alíquota reduzida. Talvez tenha até uma diminuição dos setores com alíquota reduzida.

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Mas, ao contrário do que se chegou a comentar que a alíquota poderia ficar perto de 30%, não tem esse perigo. As simulações indicam entre 24% e 26%. Se o Senado continuar com o número de setores que tem alíquota reduzida, talvez fique mais próxima de 26% a alíquota geral.

Nós temos uma carga tributária de 33%. A reforma vai reduzir carga para alguns setores?

– Para a indústria sim. Quando você tem setores como a indústria que compra muito insumo e nem sempre consegue se acreditar do imposto que foi pago na compra de um insumo, essa reforma tributária com o CBS será muito positiva.

Então, a indústria vai ser o setor mais beneficiado com essa reforma tributária. Em geral, a indústria tem cadeias de produção longas, compra muitos insumos e, no Brasil, você tem muito imposto cumulativo que não consegue compensar.

Como o senhor avalia o corte de 0,50 ponto percentual da taxa Selic pelo Copom?

– Foi uma decisão correta porque os índices de inflação estão melhorando bastante. Hoje (sexta-feira), saiu o número fechado do IPCA e veio uma infração de 0,12%, mas a inflação de serviço veio menor do que se esperava. Então, os índices de inflação estão mostrando um bom comportamento.

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E mesmo que o Banco Central mantenha a redução em 0,50 ponto percentual até o final do ano – até lá teremos mais três reuniões do Copom. Se além da redução dos juros, que aconteceu na semana passada, nós tivermos mais três reduções até o final do ano, a gente ainda vai terminar o ano com a taxa de juros em 11,75%. A expectativa de inflação no próximo ano está por volta de 3,8%, e no modelo do Banco Central, de 3,4%. É um juro real ainda muito alto.  

Então, acho que o Banco Central fez a decisão correta. E ele pode ajustar a velocidade da decisão das taxas de juros, de manter em 0,50 ou até, eventualmente, acelerar mais à frente, a depender do que aconteça com a inflação.

Mas eu acho que ele começou certo porque, mesmo mantendo os cortes de 0,50 até o final do ano, ainda teremos juro real muito alto.

Então, podemos ter condições de acelerar a queda dos juros?

– Depende! Na ata do Copom, o Banco Central  coloca de forma muito clara que para acelerar a queda da taxa de juros, de cortar a taxa em uma das reuniões acima de 0,50 ponto percentual, a inflação corrente tem que melhorar, a expectativa da inflação para frente tem que ir para 3%. A expectativa de inflação para 2025 e 2026 ainda está em 3,5%. Então, tem que ir para 3%. E que o hiato do produto, que é a diferença entre o que o Brasil pode crescer e o crescimento efetivo, tem que ficar ainda a distância muito grande, ou seja, a gente não pode ter um mercado de trabalho muito aquecido.

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Então, o Banco Central está colocando três condições para acelerar o corte de juros: melhora da inflação corrente, expectativa de infração para frente dentro da meta, e que o mercado de trabalho não esteja muito aquecido.

Como o senhor avalia o cenário fiscal do Brasil?

– A gente tem uma boa notícia porque no início do ano o orçamento que foi aprovado sinalizava um déficit primário para o governo federal, o governo central, de R$ 230 bilhões. Mas o governo tomou medidas como a reoneração de combustíveis e outras medidas tributárias que reduziu esse buraco fiscal esperando por esse ano, na projeção oficial do governo, em R$ 140 bilhões.

A gente acha que vai ser até melhor, vai ser um número próximo de R$ 100 bilhões. Então, o cenário fiscal hoje já está melhor do que o que estava no início do ano.

Adicionalmente, o governo agora mostrou qual é o plano fiscal, que não vai ter nenhum crescimento explosivo nem do gasto, nem da dívida. E que isso já reduziu bastante o risco fiscal, a trajetória de crescimento da dívida melhorou.

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Só que além disso, o governo está prometendo déficit primário zero para o próximo ano e o mercado ainda não consegue enxergar como o governo vai entregar um déficit primário zero.

Para isso acontecer, tem que ter um aumento de arrecadação muito forte. É necessário aumento de arrecadação em mais de R$ 100 bilhões de reais. Ninguém sabe ainda como o governo conseguirá ter um crescimento tão grande assim na arrecadação.

Como o mercado está vendo a atuação do ministro da Fazenda, Fernado Haddad?

– No início do governo, o mercado tinha dúvidas sobre como seria a atuação de Fernado Haddad. Nesses sete meses que início de governo, agora no oitavo mês, o ministro da Fazenda passou a ter uma credibilidade muito grande junto ao mercado e junto ao Congresso.

Ele tem dado as mensagens corretas da necessidade de reformas, da necessidade de ajuste fiscal. Isso tem sido muito positivo. Hoje, o mercado acredita que o ministro está fazendo o melhor possível para mostrar um plano para reduzir o problema fiscal do Brasil e continuar com a agenda de reformas.

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Um dos novos debates da área econômica para o consumidor envolve o rotativo do cartão de crédito. O presidente do BC, Roberto Campos, até falou em uma taxa fixa. Como o senhor avalia esse tema?

– Esse debate de vez em quando surge. Em 2016 houve também uma demanda muito grande em relação à taxa de juros do crédito rotativo do cartão de crédito. É um debate que tá acontecendo, não sei como está essa discussão no governo e no Banco Central.

Parte do problema de taxa de juros de cartão de crédito também foi um crescimento muito forte que a gente teve na indústria de cartões, que depois veio um crescimento muito forte na inadimplência em decorrência de juros altos, queda de renda, de excesso de endividamento das famílias.

Mas eu acho que a gente tem que ter consciência do seguinte: não tem como reduzir artificialmente a taxa de juros de cartão de crédito. Qualquer que seja a medida, precisa ser muito bem estudada, para não causar distorções adicionais no mercado de crédito e de cartão de crédito em especial.

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O desempenho da economia brasileira tem surpreendido. Quanto deve crescer este ano, na avaliação de vocês?

– Este ano, a gente tem uma surpresa que é o crescimento forte do PIB do primeiro trimestre puxado pela agricultura. O mercado esperava um crescimento da produção agrícola no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior (o último trimestre do ano passado) de 11%. Veio um crescimento de 22%.

Com esse crescimento do PIB do primeiro trimestre, se a economia brasileira ficar estagnada no segundo terceiro e quarto trimestre, já garante o crescimento do PIB de 2,3%. Então, a atividade este ano não está forte. É puxada pela agricultura. Mas é um crescimento muito acima do que se esperava.

O Brasil, nos últimos três anos e mais neste quarto ano, tem crescido muito acima do que se projetava nos modelos econômicos. Em 2020, com a pandemia, o PIB caiu 3%. A projeção era de uma queda de 5% a 6%. Em 2021, a economia voltou a crescer, os economistas estimavam que cresceria entre 2% a 3% e a economia cresceu 5%.

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Em 2022, que foi um ano difícil, com juros já altos, estimavam uma queda do PIB de 0,5% ou um crescimento pequeno, de 0,5%. A economia cresceu 2,9%. Então, a gente está  numa sequência de anos em que o crescimento realizado é maior do que o que era projetado.

A gente está entrando agora no ciclo de início de queda de juros. A depender da velocidade da queda de juros, a gente pode ter um 2024 muito melhor. Hoje, olhando para 2024, as diversas instituições estão com estimativas muito diferentes.

Você tem instituições que estão estimado o crescimento mais próximo de 1% que é o nosso caso (BTG Pactual), porque o juro ainda vai estar muito alto, e tem outras instituições que então estimando o crescimento de 2,5%. Então, no próximo ano, qualquer número entre 1% a 2,5% é possível.

Para este ano, o senhor já falou que o impulso será da agricultura. Não terá outro impacto para crescer?

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–  A gente acha que vai ficar em torno de 2,3% porque vai ter trimestre que vai crescer, mas vai ter trimestre que vai cair. A indústria não está crescendo. Então, vai ser um ano que vai crescer mais do que o esperado, mas a gente não está num cenário de atividade forte, a indústria não está com atividade forte, o comércio também não. Então, vai ser um ano em que a gente vai ter a boa surpresa de crescimento, mas não é economia aquecida.

Mas a indústria representa menos do PIB…

– Representa. Mas este ano, inclusive, tem um crescimento um pouco mais forte do início do ano do setor de serviço. É um pouco daquele rescaldo do pós-pandemia.

Mas a gente acredita que isso está se arrefecendo. Então, a gente não vê um movimento muito forte de demanda se traduzindo em crescimento mais sustentável, mais forte do setor de serviço.

Na sua palestra, aqui na Money Week, o senhor falou que está mais preocupado com o futuro do que com o presente. Falou em qualidade da educação. Por que?

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– É o seguinte: os números que o IBGE divulgou de crescimento da população no Brasil vieram abaixo do que se esperava. Todo mundo esperava que a população do Brasil de 2010 até 2022 tivesse crescido aí entre 0,7% a 0,8% ao ano. Mas cresceu 0,5% ao ano. Tanto que todo mundo ficou surpreendido que a população do Brasil, hoje, é menor do que se estimava.

Isso significa que a transição demográfica que está em curso é um aumento muito forte da proporção de idosos no Brasil. E, possivelmente, essa transição demográfica ficará ainda mais rápida.

Como chega menos trabalhadores no mercado de trabalho, a tendência é o crescimento econômico cair. Para o crescimento não cair, cada trabalhador que chega tem que produzir mais e a gente tem que ter crescimento contínuo de produtividade.

Mas essa é uma agenda em que o Brasil teve muita dificuldade nos últimos 20 ou 30 anos. E um dos pontos que a gente sabe que é essencial para ter crescimento de produtividade é ter trabalhadores com qualificação, com alguma qualificação. Por isso que a agenda de educação é tão importante.

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Porque muitas vezes também não adianta a gente pegar um trabalhador de 20 anos, 25 ou 26 anos, que não teve um bom ensino básico e achar que treinando aquele trabalhador ele vai ficar espetacular.

Tem que começar o investimento de educação na criança. Por isso, a gente vai ter que melhorar muito nossa educação infantil, acesso à creche e ensino básico, porque isso forma uma base.

Atenção à creche também porque, muitas vezes, a gente sabe que a capacidade de aprendizagem de uma pessoa ao longo da vida depende muito dos estímulos que ela recebeu quando criança, no período de zero a seis anos.

Por isso, muitas vezes, quando você não consegue ter aquele ambiente em casa de estímulo, você pelo menos tenta fazer isso nas creches. É muito importante a gente dar uma atenção maior para melhorar a qualidade do ensino porque o Brasil de 2030 em diante vai ser cada vez mais dependente produtividade. E se a gente perder o tempo agora não tem como recuperar lá na frente.

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Antigamente, há 40 anos ou 50 anos atrás, se achava que as pessoas queriam ser iguais. As pessoas não querem ser iguais. Mas uma coisa que o setor público em qualquer lugar do mundo tem que almejar é o que a gente chama de igualdade de oportunidades.

Para que o destino de uma criança não seja determinado pela família que ela nasceu e pelo local de nascimento. No Brasil ainda é muito isso. O destino de uma criança ainda é muito dependente da família que ela nasceu e do local de nascimento.

Países que têm boa distribuição de renda, conseguiram avançar bastante como os países nórdicos, Dinamarca, Suécia, a pessoa tem acesso a boa educação e boa saúde, independentemente da família em que nasceu e local de nascimento. Isso é um dos grandes desafios. Por isso que investir em creche e educação infantil é tão fundamental.

Como o senhor vê o setor privado de Santa Catarina?

– A gente vem, no Brasil, de um ciclo de reformas importantes. Foi feita a reforma trabalhista. Isso foi muito bom para o setor privado. A gente fez mudança de marcos regulatórios que facilitou o investimento, a gente teve concessões importantes que aeroportos. Eu gosto muito de citar o caso do aeroporto de Florianópolis que, para mim, é um caso muito claro de mudança do que era cinco anos atrás e o que é hoje. A gente construiu um aeroporto novo em Florianópolis do zero em menos de 24 meses quando foi feita a concessão.

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– Eu sei que a indústria foi muito machucada. O Brasil tem dois problemas quando se fala de tributos: a carga tributária muito alta e o sistema tributário muito complexo. A gente, pelo menos, está tentando reduzir essa complexidade do sistema tributário. A indústria, no Brasil, temos empresas muito competitivas, inclusive em SC.

Então, é fundamental no Brasil que a gente consiga avançar nas reformas. A reforma tributária, a reforma administrativa. Se a gente comparar o Brasil com outros países emergentes, é um país que se destacou nos últimos anos, fez reformas importantes.

Então, acho que se a gente conseguir mostrar o compromisso muito claro que o governo está  tentando uma agenda de responsabilidade fiscal e aprovar reformas boas, acordos comerciais, acordos comerciais, maior integração com o resto do mundo e reduzir a reduzir a complexidade do sistema tributário, vai ser muito bom para a indústria do Brasil e de Santa Catarina.

O senhor veio para falar em evento da EQI Investimentos, empresa que acaba de ser autorizada a operar como corretora. Como avalia esse avanço?

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É uma empresa de assessoria de investimentos, um segmento que cresceu muito o Brasil. Antigamente, para você aplicar o seu dinheiro tinha que, necessariamente procurar um banco. Hoje, não. Hoje você tem assessores de investimentos. O diferencial é que a EQI é uma empresa muito mais  sofisticada, com um portfólio grande sobre gestão. Ela é assessoria de investimentos, corretora, asset, faz operações de fusões e aquisições e, agora, vai ter banco digital. É uma empresa que não faz parte do eixo Rio e São Paulo, o que torna ainda mais interessante esse sucesso da EQI.

É uma empresa em que na sede de Balneário Camboriú, tem mais de 400 pessoas, e mais escritórios em São Paulo, é um caso espetacular. Mostra esse brasil novo que cresce fora do eixo Rio-São Paulo, fora de capitais e quer ter acesso a oportunidades diversificadas de investimentos.