Oferecer melhores condições de produção para a agricultura familiar, que responde por 80% da oferta de alimentos para consumo no Brasil, com ênfase aos métodos sem agrotóxicos. Esse é o propósito principal do governo do presidente Luíz Inácio Lula da Silva para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), informa o superintendente da pasta em Santa Catarina, José Fritsch.
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Um dos mais antigos filiados do PT catarinense, ex-ministro da Secretaria Especial da Aquicultura e da Pesca no primeiro governo Lula (2003 a 2006), ex-prefeito de Chapecó por dois mandatos consecutivos (de 1997 a 2002) e ex-deputado federal, o professor José Fritsch assumiu em março essa nova função do MDA em Santa Catarina.
Nesta entrevista, ele fala também de outras prioridades da pasta para valorização os pequenos e médios produtores rurais que produzem os alimentos que chegam à mesa da população. Além de apoio à produção, com crédito acessível, o planejamento vai dar atenção à formação de pequenas cooperativas e oferta de bioinsumos para agroecologia.
A comercialização será incentivada junto aos mercados e também para aquisições especiais de escolas e instituições. Saiba mais na entrevista a seguir:
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O governo do presidente Lula recriou o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Quais são os objetivos da pasta que o senhor representa em SC?
– O presidente Lula agregou ao Ministério do Desenvolvimento Agrário a Agricultura Familiar porque ela não estava explícita nas funções anteriores do ministério nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff. Agora, a Agricultura Familiar passou a ser uma política oficial do governo, dentro do ministério.
O Incra vai continuar cuidando da reforma agrária, dos assentamentos, dos quilombolas, e o Ministério dos Povos Indígenas vai cuidar da questão dos territórios indígenas. Nós vamos atuar na produção dos alimentos dessas comunidades.
O que o ministério vai priorizar na questão da Agricultura Familiar?
– Hoje, quase 80% do alimento consumido pelo brasileiro é produzido na pequena e média propriedade. O agronegócio produz grãos, milho, soja, arroz, mas praticamente tudo visando à exportação, especialmente para a China, que é um grande comprador nosso. Então, o alimento mesmo quem produz é a agricultura familiar, o pequeno e médio produtor.
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A Conab, que era vinculada ao Ministério da Agricultura, agora veio para o MDA. E uma discussão que se faz agora é com relação ao armazenamento. Nós sugerimos que a Conab armazene o alimento humano, e que o Ministério da Agricultura possa encontrar uma solução para o armazenamento de grãos para a ração animal, sobretudo para a produção de suínos e para as granjas de aves.
O presidente da Conab disse que será feita uma gestão compartilhada desses estoques. Mas eu acho que vai se construir uma outra estrutura para a questão dos grãos destinados à alimentação dos animais.
Qual é o principal desafio, hoje, na questão da agricultura familiar?
– O presidente Lula, durante a campanha, dizia que o nosso agricultor, referindo-se à agricultura familiar, tinha que produzir alimentos saudáveis, e isso significa produzir alimentos com menor carga de agrotóxicos. Hoje, o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo.
Mas organizar o processo de transição agroecológica não é de um dia para o outro. Não é chegar na casa de alguém e dizer “agora você vai deixar de produzir com agrotóxicos, vai produzir só sem veneno”. O desafio é oferecer alternativas, como os biodefensivos agrícolas.
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Hoje, temos várias experiências de pequenas associações de agricultores que já fabricam biodefensivo?
– Sim, mas é preciso ter uma política nacional do governo, com linhas de crédito do BNDES para que pequenas e médias indústrias, em parceria com as experiências populares dos pequenos agricultores de cooperativas, possam produzir esses bioinsumos, como biofertilizantes, biodefensivos, estimulantes de crescimento, de controle de pragas.
Vai ter a demanda. Então, se hoje produzimos 10, teremos que produzir 500. Eu falei com o dono de uma indústria aqui de Santa Catarina, que produz isso. Ele tem uma linha completa de bioinsumos, mas disse que tudo o que produz é para grandes produtores. Nós precisamos ter uma política para que a gente possa colocar esse produto na mão da agricultura familiar. Então, temos que construir essa alternativa.
Nós temos também aqui em Santa Catarina a Epagri e a Cidasc, que fazem um trabalho muito eficiente. Vocês podem trabalhar em parceria?
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– Sim, eu estive conversando recentemente com o presidente da Epagri, o Dirceu Leite, porque lá tem muitos profissionais, agrônomos, técnicos agrícolas, veterinários, com muita experiência acumulada nessa questão de alternativa de produção. E quem mais avançou na produção de alternativas de produção sem agrotóxico foi a Epagri.
Hoje, por exemplo, tem toda uma política de produção de leite à base de pasto, que não é leite à base de grãos, de ração, etc. E por trás disso tem uma outra discussão, que é a produção dos nossos produtos tradicionais, que fazem parte da nossa cultura, da tradição histórica de Santa Catarina.
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Antigamente não existia leite pasteurizado, o queijo era todo produzido com leite cru. Se aquecia o leite, depois ele coalhava e era transformado em queijo. Esse queijo passava por 10 a 20 dias de cura. E aí não tinha mais problema algum, porque todas as bactérias que poderiam estar presentes no queijo eram eliminadas no processo de cura. Isso também vale para os embutidos de carne, salames e copas.
Não existia geladeira, então se pendurava o salame, o presunto, e se deixava defumando para evitar que os insetos pudessem estragar aqueles alimentos. Isso entra também nessa visão de produção agroecológica.
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Outra questão, que envolve também a terra e o uso de agrotóxicos, é o confinamento. A Europa está abandonando o confinamento, enquanto aqui a gente concentra 20 mil frangos num aviário de 100 metros, tratados com uma carga alta de antibióticos e respirando uma nuvem de água com agrotóxico.
O senhor fala de uma produção ecológica nova, a partir da agricultura familiar, mas disse que a grande propriedade compra mais bioinsumos. Significa que agroecologia é tendência geral?
– É que a nossa soja já começa a ter restrições internacionais. Antes da pandemia, eu estava lá no Senado, e veio uma restrição do Ministério da Agricultura da Rússia, porque tinha resíduos de glifosato na soja. Antigamente, na roça, meu pai só usava pó de gafanhoto. Era o que tinha. Hoje tem mais de 2 mil agrotóxicos liberados no Brasil.
E eu me lembro, quando eu era prefeito de Chapecó, quando visitei Toulouse, na França, uma cidade de 1 milhão de habitantes que há mais de 40 anos não consumia a água das próprias fontes porque estavam contaminadas com dejetos da suinocultura. Quando eu voltei, comecei a discutir com os produtores de
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suíno do Oeste do Estado como fazer para que os resíduos não contaminassem o solo e o lençol freático.
Que outras políticas estão sendo planejadas para a pasta?
– Vem toda uma política de compras diretas e compras antecipadas para entidades, escolas, grupos de idosos. Vamos incentivar as prefeituras a comprarem da agricultura familiar para a merenda escolar e os programas sociais e assistenciais. Tudo isso vai voltar.
Uma coisa que preocupa, é a questão de se remunerar bem a propriedade rural. A agroecologia remunera bem, ela paga um “X” a mais para o produtor?
– O grande problema hoje da remuneração do pequeno produtor que não está integrado na agroindústria é a inexistência de estruturas de mercado. Nós vamos estimular a criação de pequenas cooperativas. Por exemplo, lá em Chapecó nós temos 23 pequenas cooperativas que atendem 82 municípios na merenda escolar.
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São essas estruturas que a gente precisa fortalecer e organizar, estimular o produtor que é sócio dessas cooperativas a produzir alimentos orgânicos. E essas cooperativas podem montar pequenas fábricas de bioinsumos. Então, aí começa a existir uma outra perspectiva de produção, tanto para a cooperativa, quanto para o mercado.
As grandes cooperativas não lidam muito com a questão do produto alternativo que não seja frango, que não seja soja, porco ou leite. Por exemplo, produtos como mandioca, farinha de mandioca, farinha de milho, batata doce ou legumes, frutas. Como não tem um grande mercado, porque é mais regional, mais localizado, é mais fácil, inclusive, poder remunerar melhor o produtor.
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Tem uma ideia que está sendo discutida nacionalmente é que a gente tenha em cada região um mercado da Agricultura Familiar. E dentro dessa lógica saiu, no último dia 5 de maio, uma portaria do governo federal criando o selo do produto da Agricultura Familiar. Então, será possível saber que aquele produto que está embalado tem a marca da Agricultura Familiar.
E vai ser especificado se é produto de jovens mulheres agricultoras, se é dos indígenas, dos quilombolas, para começar a caracterizar a agricultura familiar como um setor próprio da agricultura brasileira. É o recomeço de um longo caminho a ser percorrido. O selo é para mostrar que o produto da agricultura familiar tem um valor e o produto da agroindústria tem outro.
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Que um frango que ficou 28 dias confinado num aviário é diferente de uma galinha caipira criada solta. É um desafio grande, mas eu acredito que vamos avançar bastante. Quando tudo isso vai se concretizar, não sei. Pode demorar muitos anos para eliminarmos o agrotóxico dos nossos alimentos, mas vamos trabalhar para que isso aconteça.
O senhor acredita que esse modelo vai reter mais as pessoas no campo?
– Nós temos um problema chamado sucessão de propriedade familiar. Mas quando você começa a apresentar alternativas diferentes de uma agroindústria, daí atrai a juventude, que vai para a faculdade, vai fazer um curso técnico e volta para a propriedade do pai e da mãe para retomar um outro tipo de produção.
Tem que ter incentivos, tem que ter crédito, Pronaf, várias alternativas. E assistência técnica. Nós estamos retomando muito firme a Anater (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural), que vai atuar em parceria com os estados.
Em evento recente de cooperativas de SC, eles apontaram que está baixo o valor do empréstimo liberado pelo governo federal para o Pronaf, de no máximo R$ 500 mil. Gostariam de R$ 700 mil ou R$ 800 mil para fazer investimentos. Sabe se existe projeção de aumento do valor atual?
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– Isso já está sendo estudado pelo ministro (Fernando) Haddad, para ver se encontramos uma maneira de atender essa demanda. O problema é que, como o dinheiro está curto hoje, se aumentarmos a margem, menos gente vai ser atendida.
A questão é orçamentária, e o governo anterior não deixou recurso algum no orçamento para esse ano, praticamente não tem nada. Para Santa Catarina, não veio nada do governo anterior. E o que se está priorizando agora é a questão da infraestrutura, melhoria das estradas, porque a situação em que elas se encontram traz prejuízos para o escoamento da nossa produção, para a circulação de mercadorias.
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