O que a região francesa da Borgonha, que produz vinhos mais caros do que joias, tem a ensinar para o novo polo de vinhos de altitude de Santa Catarina? Muito, com certeza. O técnico em vinicultura, enólogo e guia turístico Michel Mendonça, nascido naquela região, que visitou semana passada São Joaquim, polo dos vinhos de altitude de SC, mostra alguns caminhos.

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Ele veio a convite de empresários do Clube do Vinho de Criciúma, entre os quais Olvacir Bez Fontana, Marlon Araújo e Ricardo Brandão. Mendonça, que é filho de portugueses que migraram para a França, passou a vir mais ao Brasil porque é casado com uma paulista.

Segundo ele, as vinícolas da serra catarinense estão no caminho certo para se diferenciar. Ele visitou a Leone Di Venezia, Villaggio Bassetti, Suzin e Villa Francioni.

A região da Borgonha, na França, faz os vinhos mais caros do mundo. Como chegou a esse diferencial?

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Michel Mendonça – Cada vinícola tem que seguir um padrão. É uma lei. Você não pode usar qualquer uva para fazer vinho, tem que seguir características que fazem a identidade da Borgonha. Por isso há um custo alto e a produtividade muito baixa. Isso resulta num vinho com determinado preço. O que faz o preço é a oferta e a demanda. Se tem preço alto, significa que é um produto apreciado, alguém reconhece esse valor e paga por isso.
Há vinho que custa mais de R$ 100 mil… Isso é fora do padrão. É o vinho Romanée- Conti. Estamos falando de joias da Borgonha, um vinho perfeito. Aí, não é qualquer um que pode acessar essa joia. A vinícola Romanée Conti é uma das joias da Borgonha, que representa uma característica dessa região francesa. Tem o trabalho deles e o lugar onde estão. Isso é possível com a qualidade, tanto na viticultura quanto na vinificação. Todo o processo é desenvolvido com rigor.

Que padrões produtivos o senhor destaca?

Mendonça – Na França, se você tem uma denominação de origem, é preciso seguir as normas. Uma delas é o tipo de uva. Na Borgonha é a uva chardonnay para o vinho branco e a pinot noir para o tinto. É preciso usar 100% dessas uvas não pode ser 80%. Outra regra é a regulamentação da produção por hectare, ou melhor, por pé de uva. O foco final é o vinho, tantos litros. O mais que podemos produzir na Borgonha é o espumante, que dá mais ou menos 900 ml por parreira, depois vem o vinho mais simples, que é a quantidade por garrafa de 750 ml. No caso de um Romanée Conti Grand Cru, cada parreira pode render 350 ml de vinho, no máximo. Isso é controlado já na poda, que requer deixar menos brotos. São necessárias duas parreiras para fazer uma garrafa. Outra razão do preço do vinho é o alto custo da terra, que passa de pai para filho mediante uma taxa de sucessão. Essas taxas são altas porque estão ligadas ao preço da terra. A maioria dos filhos não tem recursos para pagar e faz empréstimo bancário. Por isso o maior custo do vinho é a taxa de sucessão paga na aquisição da terra. Esse processo de sucessão vem desde o século XI. Depois, há um imposto tipo ICMS e outros custos.

O enoturismo é forte na região?

Mendonça – Sim. Por eu ser originário da Borgonha, posso dizer que o que atrai muita gente para lá é o vinho, a gastronomia e a história. Não temos mar, não temos montanhas (apenas encostas). Temos cada um a nossa identidade, mas queremos conhecer a identidade do outro. A região recebe quase 2 milhões de turistas por ano enquanto a França recebe mais de 80 milhões de estrangeiros anualmente (dados de 2018 apontam que o país chegou a 89 milhões de visitantes estrangeiros/ano).

Quais são os destaques da gastronomia?

Mendonça – São os queijos, carne refogada com legumes e vinho, pão de mel, mostarda, scargot, presunto cozido com salsinha picada e colágeno e pão de queijo. A Borgonha foi colonizada por monges beneditinos a partir do século VII. Essa congregação exige que trabalhem com as próprias mãos. Como a terra estava pobre, eles plantaram parreiras, o que fortaleceu o setor na região.

O senhor visitou quatro vinícolas de altitude, em São Joaquim, na serra catarinense. Quais foram as suas impressões?

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Mendonça – Visitamos quatro vinícolas bem diferentes em dois dias. A primeira foi a Leone Di Venezia onde formos recebidos pelo enólogo Saul Bianco e fizemos degustação de vinho direto da barrica. Depois, visitamos a Villaggio Bassetti, Suzin e a Villa Francioni. São Joaquim tem várias uvas. Eu pude perceber que todas as vinícolas, mesmo com atuação de 10 a 15 anos, estão na fase de pesquisa, estão procurando definir tanto a uva, quanto a maneira de fazer, a viticultura (produção da uva no campo). Já dá para ver que há um interesse grande na viticultura no mundo. Na Borgonha, nossa região, o trabalho maior é no vinhedo. Vi que em Santa Catarina também estão focando no vinhedo. É preciso fazer bem os dois, mas o cuidado do vinhedo é muito importante.

Como o senhor vê o potencial futuro da serra catarinense como produtora de vinho e no enoturismo?

Mendonça – A primeira coisa, em termos de vinho posso dizer que a região já tem uma base muito boa. O importante para mim, para as pessoas que gostam de vinho, é tomar um vinho saudável, que não dá dor de cabeça. As condições de São Joaquim são boas para fazer vinho saudável. Por isso se destaca diante de vários lugares da América Latina. Em termos de turismo, tem tudo. Além do vinho há outras atrações como maçãs, trilhas e prática de esportes ao ar livre. Na Borgonha, alguns têm interesse em fazer esporte, mas o maior interesse é o vinho. Em São Joaquim, a pessoa pode ficar alguns dias, vai ver uma vinícola, depois vai fazer uma trilha, outro dia visita outra vinícola… São Joaquim e Santa Catarina contam também com cultura e gastronomia para atrair visitantes. Por exemplo, na gastronomia, eu fui a um restaurante de São Joaquim e me ofereceram bacalhau com pinhão, um prato com um produto regional. Se não fosse o vinho, eu não conheceria Santa Catarina e as pessoas daqui.

As vinícolas da Serra catarinense estão buscando um selo de origem. O senhor acha importante esse diferencial?

Mendonça – Sim. Se você quer se destacar no comércio mundial, tem que vender a sua identidade. São Joaquim é um local único, com 1.200 metros de altitude, uma rocha específica, minerais específicos e também a decisão de que não pode chaptalizar (acrescentar açúcar para o vinho ter uma maior graduação alcoólica). A tipicidade de São Joaquim é fazer um vinho mais ácido. É mais saudável, combina com gastronomia, aí pode valorizar mais a região. O problema de colocar açúcar é que exige mais conservante e isso dá dor de cabeça.

E sobre os vinhedos?

Mendonça – Visitamos quatro vinhedos diferentes. Dei algumas sugestões sobre o tipo de uvas, tipo de cuidado. A ideia não é copiar Borgonha, é ter uma base para a região encontrar seu caminho. Já posso dizer que estão no caminho certo porque estão tentando fazer vinhos de qualidade, usando pouca uva por pé. Não é igual a Borgonha, mas é uma das regiões do mundo que usam menos uvas por parreira. Isso já resulta em vinhos que se destacam. São Joaquim tem 19 vinícolas, a região da  Borgonha tem 3.800, a maioria são familiares, vêm de pais para filhos. Além disso, ela tem cooperativas e negociantes que compram uvas e fazem vinhos. Temos esses três Status na França. Uma vinícola que tem meio hectare já vale uma fortuna na Borgonha. A Villa Fracioni tem 26 hectares plantados. Em média, as vinícolas de lá têm sete hectares plantados.

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