Nas últimas semanas foi registrado aumento significativo do número de casos notificados de Covid-19 e, consequentemente, do percentual de óbitos decorrentes em todas as regiões do Brasil, incluindo Santa Catarina. Um dos grandes desafios em meio à crise provocada pela rápida disseminação do novo coronavírus, gerando forte impacto socioeconômico, é estabelecer diretrizes conjuntas por parte da União, Estados e Municípios para seu enfrentamento. Esse esforço envolve não apenas líderes e secretários de governo, profissionais de saúde e analistas econômico-financeiros, mas cientistas com diferentes competências, como bioquímicos, epidemiologistas, matemáticos e físicos.

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Esses pesquisadores utilizam modelos matemáticos para descrever a evolução de epidemias e analisar possíveis cenários, a fim de auxiliar a tomada de decisões, como o isolamento e o distanciamento social. Neste contexto, com o objetivo de acrescentar novos subsídios, dois professores do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os doutores Jeferson de Lima Tomazelli e Rodrigo Pereira Rocha, decidiram estudar o problema e, a partir de cálculos analíticos preliminares, elaboraram um modelo de natureza probabilística e o código computacional que permite simular a evolução da pandemia da Covid-19, levando em conta a subnotificação de casos, como apontam recentes estudos.

– Nosso modelo estocástico, cuja arquitetura computacional inovadora coube ao professor Rodrigo Rocha, não tem apenas o intuito de prever o número de novos casos a cada dia, a partir do ajuste de dados empíricos, mas conceber possíveis cenários que decorrem da organização do sistema, das relações entre os indivíduos e dos fatores que condicionam ou influenciam seu comportamento. Trata-se de um sistema complexo, envolvendo saúde pública e intervenções do Estado na esfera social e econômica – explica Tomazelli, que é doutor em física teórica pelo Instituto de Física Teórica (IFT/Unesp), com ênfase em teoria quântica de campos e gravitação.

Rodrigo Rocha é doutor em física estatística pela UFSC e atua na área de sistemas complexos, na interface entre biologia e neurociência. Com base nas simulações realizadas, ambos avaliam que a liberação de atividades econômicas em Santa Catarina foi precipitada e o sistema de saúde do Estado corre sério risco de saturação caso os critérios de flexibilização do isolamento social não sejam urgentemente revistos, a exemplo do que vem ocorrendo em regiões do país onde a taxa de isolamento social foi baixa.

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Alertam também para a falta de transparência dos critérios adotados pelo governo de SC para a liberação de atividades e elaboração de regras de distanciamento social, que contrastam com a proibição do uso do transporte coletivo. Os dois cientistas colocam-se à disposição para cooperar com órgãos governamentais nas tomadas de decisões. Saiba mais na entrevista a seguir concedida por Hangouts e por e-mail:

O que motivou vocês, dois físicos teóricos, a elaborar um modelo matemático para avaliar impactos da pandemia?

Rodrigo Rocha – O que nos motivou a estudar o problema foi a observação dos boletins técnicos sobre o avanço da pandemia. Em nossa percepção como físicos, notamos algumas fragilidades nos estudos da evolução da pandemia. Quando esta se encontrava em sua fase inicial na maioria dos países, como no Brasil há cerca de dois meses, alguns boletins limitavam-se ao ajuste de dados defasados, referentes ao número de novos casos diários, a curvas que não poderiam ser extrapoladas à história futura da pandemia e, portanto, não serviam como diagnóstico de eficiência do isolamento social.

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Outros faziam o ajuste desses dados utilizando modelos teóricos cujas previsões dependem do conhecimento da taxa de transmissão individual da covid-19 e do tempo de recuperação dos indivíduos infectados, que variam de acordo com as características da população e são difíceis de ser estimados a priori.

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Simulações semelhantes às nossas desconsideravam essas características e outros fatores importantes. Decidimos também entender melhor o efeito das subnotificações e como estas comprometem a confiabilidade dos dados divulgados nos boletins diários. Inicialmente, examinamos os modelos utilizados para descrever a evolução do número de indivíduos suscetíveis, infectados e recuperados durante epidemias, em grandes populações. Um deles é o modelo divulgado no final de março pelo Imperial College, de Londres, que traz uma série de dados com prognósticos em relação à evolução da pandemia da Covid-19 em diversos países, incluindo o Brasil.

Estamos acompanhando sua evolução real através dos dados disponibilizados diariamente nas fontes utilizadas nesse e em outros trabalhos científicos; em nosso estudo, recorreremos também a bancos de dados como os do IBGE, a fim de simular cenários de centros urbanos do país e do estado de Santa Catarina. Quando analisamos uma epidemia, o diagnóstico geralmente é feito a posteriori, quando temos o quadro completo da evolução da doença. No caso da covid19, é preciso analisar sua evolução em tempo real.

Jeferson Tomazelli – No meu caso, decidi fazer uma incursão em outra área, à qual posso emprestar o rigor de análise, sob a perspectiva de um físico teórico familiarizado com a construção de modelos matemáticos a partir de primeiros princípios; sempre acreditei que o conhecimento não possui fronteiras e que a Ciência deve estreitar seu diálogo com a sociedade. Eu e o professor Rodrigo temos a mesma percepção e nossa parceria tem sido extremamente profícua; embora atuemos em áreas distintas, no trabalho que estamos desenvolvendo nossa formação se complementa.

Estamos somando esforços para analisar possíveis cenários de evolução da pandemia da Covid-19. Porém, o principal desafio é a escolha da estratégia mais adequada para o seu enfrentamento, à medida que a doença avança no país e em Santa Catarina. Assim como a toda a comunidade científica, temos fortes ressalvas quanto à postura do poder público diante do agravamento da situação.

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Além das atividades de pesquisa dedicadas ao estudo da Covid-19, docentes e servidores da área da saúde e de outros departamentos, nos diferentes campi da UFSC, vêm promovendo ações solidárias para atender à população, além de buscar novas ferramentas de controle, prevenção e apoio ao tratamento da doença. Nossa ideia é acrescentar subsídios aos estudos ora em curso no país e no exterior.

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A que base de dados vocês estão recorrendo para levar em conta o número de infectados?

Jeferson Tomazelli – As informações com respeito ao número diário de novos casos e óbitos notificados no país encontram-se disponíveis na base de dados do Ministério da Saúde do Governo Federal e em portais de universidades públicas e centros de pesquisa.

Para levar em conta o efeito de subnotificações, utilizamos estimativas como da Faculdade de Medicina da USP, campus de Ribeirão Preto, cujos estudos apontam que apenas 7% dos casos de Covid-19 são notificados no Brasil. Estamos nos baseando nesta e em outras análises estatísticas recentes, que levam em conta diversos fatores, tais como o número insuficiente de testes realizados na população assintomática e a defasagem entre os diagnósticos clínicos de novos casos e a atualização desses bancos de dados, muitas vezes realizados após os pacientes evoluírem para óbito.

Uma pequena subamostragem é suficiente para afetar sensivelmente as previsões dos modelos matemáticos que descrevem a evolução da pandemia, comprometendo a análise de estratégias para seu controle.

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Rodrigo Rocha – Para quantificar esse efeito, simulamos o modelo estocástico levando em consideração uma taxa de subnotificação ‘s’.

Em outras palavras, s mede a capacidade de testagem da população. Deste modo, s = 100% significa que nenhum caso de Covid-19 é notificado, ou seja, não são feitos testes. Por outro lado, s = 0%, significa que todos os indivíduos da população são testados a cada unidade de tempo. A figura mostra as previsões do modelo quanto ao efeito de s no número de novos casos. Como ilustrado, a subnotificação dos casos tem um efeito trágico na percepção da pandemia, como no caso do Brasil.

Qual o prazo previsto para a conclusão da pesquisa de vocês?

Jeferson Tomazelli – Nas últimas semanas fizemos progressos significativos e já temos em mãos resultados preliminares, que pretendemos divulgar futuramente em periódicos científicos. Toda a pesquisa acadêmica deve ser feita de forma criteriosa; devido à fragilidade dos dados, é necessário cautela, não se trata apenas da eficiência do modelo desenvolvido. O prognóstico torna-se cada vez mais fidedigno à medida que os dados empíricos se aproximam da realidade, com margem de incerteza aceitável.

Nosso desafio é incorporar essa margem de erro ao nosso modelo para que este ofereça cenários de tomada de decisões. O modelo desenvolvido não tem apenas o intuito de prever o número de infectados nos próximos dias ou quando ocorrerá a saturação de leitos disponíveis aos pacientes que recorrem ao sistema de saúde; através da dinâmica que resulta da escolha dos parâmetros de controle, nosso maior objetivo é identificar os cenários plausíveis a serem considerados nas intervenções do Estado. Trata-se de conciliar políticas voltadas à saúde pública e à economia, não é possível dissociá-las; porém, deve-se ressaltar que o direito à vida é uma garantia fundamental prevista na Constituição Federal Brasileira e cabe ao Estado zelar pelo seu cumprimento.

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O modelo que elaboramos é capaz de fornecer um prognóstico, dentro de um intervalo de confiança, de custos e benefícios na adoção de medidas. Toda intervenção do Estado, como a restrição ou liberação de atividades econômicas, deve ser feita de forma transparente e isso envolve a participação de diversos setores da sociedade. Quando o Estado resolve liberar certas atividades, é preciso tornar públicos os critérios que nortearam tal decisão. Por exemplo, se o governo libera cultos religiosos, é preciso saber quais os benefícios e riscos de tal decisão.

Qualquer liberação gradual, segmentada, de atividades não pode prescindir dessa análise; de nada adianta sabermos que há leitos disponíveis sem uma projeção de ocupação dos mesmos, através de dados e estudos concretos. Estamos falando de saúde pública, de força de trabalho e isso tem impacto direto na economia; é preciso garantir que as pessoas que irão adoecer terão condições de se recuperar, ou se reestruturar financeiramente, retornando ao setor produtivo da economia e ao mercado consumidor. A crise que hoje afeta toda a população mundial deixa claro que educação e saúde pública não são ônus ao Estado e sim, patrimônio.

Rodrigo Rocha – Esse é justamente o ponto central de nossas críticas, a falta de transparência de medidas adotadas em nível federal, estadual e municipal, com raras exceções. Quando ajustamos os parâmetros dos modelos aos dados que são disponibilizados, esses fornecem as respostas que buscamos. Assim, temos um controle preciso, matemático, através de diferentes parâmetros e como estes influenciam os cenários que emergem das simulações. Quando se tem acesso a essas informações é possível estabelecer critérios que fundamentam determinada decisão, como a flexibilização da quarentena, que envolve uma série de fatores.

Dessa forma, levando em conta a margem de erro, podemos analisar alternativas e traçar novas estratégias. Tudo isso pode ser feito. Em problemas de otimização, a partir de simulações da evolução de pandemias como a da Covid-19, gastos com prevenção e tratamento da doença implicam benefícios ao Estado, às custas dos prejuízos devido à inibição das atividades econômicas, acarretados pelo isolamento social. Para essa análise, é necessário ter controle sobre os parâmetros envolvidos na tomada de decisões e nosso modelo possui essa característica.

Não basta estimar se haverá ou não saturação do sistema de saúde médico-hospitalar, em função do número de leitos de UTI disponíveis, antes do achatamento da curva correspondente ao número total de indivíduos infectados. Para optar entre uma ou outra estratégia, é preciso saber quantas pessoas serão colocadas em risco, estimar o número de casos fatais e o que isso representa para a sociedade, do ponto de vista socioeconômico.

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Como avaliam as liberações de atividades em Santa Catarina feitas nas últimas semanas? Acreditam que houve precipitação?

Jeferson Tomazelli – Sim.

A retomada de atividades foi muito precipitada, como revelam os próprios dados sobre o número de novos casos de Covid-19 no Estado, que vêm crescendo diariamente após o relaxamento do isolamento social. Em nossas análises, não lidamos apenas com dados estatísticos. Temos também acompanhado os decretos e portarias do governo estadual, que interferem nos prognósticos dos modelos.

No dia 1º de abril foi divulgado um plano estratégico para a retomada gradual de atividades, a partir do dia 30 de abril. Porém, o governo se adiantou e, desde o dia 13 de abril, vem liberando atividades de vários setores, não somente os essenciais, menos de duas semanas após a divulgação desse plano estratégico, de caráter genérico, sem que a comunidade científica fosse consultada.

Antes que a primeira portaria entrasse em vigor, cientistas já alertavam sobre os riscos dessas medidas; um estudo de especialistas do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC, com o suporte de uma equipe de matemáticos e engenheiros, foi encaminhado ao Gabinete da Reitoria no dia 10 de abril, criticando a retomada parcial de atividades que o governo do estado de Santa Catarina viria a autorizar. Ao ser questionado sobre esse estudo, divulgado no portal de notícias NSC Total, o então secretário da saúde disse que Santa Catarina trabalhava com os parâmetros (do modelo) do Imperial College.

Esta afirmação revela profundo desconhecimento do modelo citado, bem como do próprio teor do boletim científico divulgado pela universidade inglesa. O documento, de 16 de março, diz respeito ao impacto das intervenções do Estado para reduzir a mortalidade da Covid-19 e a pressão sobre o sistema de saúde, não às estratégias a serem adotadas para cumprir tais objetivos.

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Na mesma data de abril, encaminhamos à Pró-Reitoria de Pesquisa da UFSC nosso projeto de análise de eficiência de controle do contágio da Covid-19, atendendo ao chamamento do Ministério Público Federal, do início daquele mês.

Rodrigo Rocha – O ponto essencial é ter acesso às análises que justificam as medidas de prevenção adotadas pelo governo estadual. Se uma resolução determina que as pessoas respeitem a distância de 1,5 ou 2,0 metros entre si na fila de uma farmácia, por exemplo, é preciso explicar a razão. Há todo um lastro cultural acumulado ao longo da história de enfrentamentos de epidemias que pode ser útil neste momento.

No entanto, o Sars-Cov-2 é um novo vírus, cujo processo de transmissão ainda é pouco conhecido, e nem tudo que aprendemos com outras epidemias, como a da SARS em 2002, se aplica à pandemia da Covid-19.

A retomada de atividades se deve à pressão do setor econômico e da população. Postos de trabalho foram fechados e milhares de pessoas ficaram sem renda. Políticas públicas foram implementadas tardiamente e a flexibilização do isolamento social resultou em aglomerações, como as que observamos no centro de Florianópolis após a liberação da quarentena. Isso é muito preocupante.

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Governo estadual e prefeituras não agiram em sincronia e sequer houve debate com a comunidade acadêmica. Nas simulações realizadas, as intervenções correspondem a fatores de redução aplicados às interações sociais, em termos percentuais, fixando-se o número de reprodução básico (R0), relacionado à taxa de transmissão da doença.

Os prognósticos do número de infectados e de mortes por Covid-19 foram feitos por país e não levam em conta aspectos regionais, não sendo possível estimar a saturação do sistema de saúde de Estados e municípios utilizando o modelo do Imperial College.

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O estudo de vocês já permite uma estimativa de quando vai ocorrer a saturação do sistema de saúde em Santa Catarina, ou em algumas cidades do Estado?

Rodrigo Rocha – Estamos numa fase bastante avançada de nossos estudos, mas ainda não há como fazer previsões dessa natureza, dentro de uma margem de erro aceitável do ponto de vista estatístico. Fizemos um levantamento preliminar de dados junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) e IBGE, tais como a distribuição da população, número de leitos de UTI e número de médicos por mil habitantes, em cada região do país, que serão utilizados em nossas simulações. Entretanto, podemos fazer estimativas médias, sem que um modelo computacional seja necessário.

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Jeferson Tomazelli

Os próprios dados sobre o número de casos registrados diariamente em Santa Catarina são reveladores. Se o ritmo desses novos casos continuar aumentando, como estamos observando, a saturação do sistema de saúde, cedo ou tarde, vai ocorrer de forma trágica, a exemplo de outros Estados.

Não podemos afirmar que irá acontecer precisamente daqui a uma semana ou um mês. No fim de março, quando a taxa de crescimento era mais lenta e as regras de isolamento social mais rígidas, estimava-se que o pico do número de casos ocorreria até a primeira semana de maio, sem sobrecarga do sistema de saúde, mas isso não se confirmou.

Segundo prognósticos anteriores, deveríamos nos preparar para enfrentar o pico ainda em abril. Isso também não aconteceu. O fato é que a história ainda está sendo escrita. Vou exemplificar. Num cenário otimista, digamos que o número de reprodução básico R0 da Covid-19 em nosso Estado esteja próximo a 2,0; grosso modo, cada indivíduo infectado transmite a doença a outros dois suscetíveis, antes de qualquer indivíduo infectado da população se recuperar, deixando de transmiti-la.

A partir desta informação, o modelo teórico mais utilizado em epidemiologia matemática prediz que mais de 80% da população estará contaminada até o final da pandemia; no instante de pico, teremos cerca de 20% de indivíduos portadores da doença nessa população. Porém, dependendo da infraestrutura médico-hospitalar, a saturação do sistema de saúde pode ocorrer muito antes de esse pico ser atingido.

Se a saturação ocorrer antes que a taxa de novos casos comece a declinar, o sistema ficará sobrecarregado por mais tempo, enquanto a demanda superar a oferta de leitos, e os efeitos serão catastróficos. Considerando a população de Florianópolis, teríamos 100 mil infectados no momento mais crítico da epidemia. Estima-se que entre 5% e 15% do total de infectados pelo Sars-Cov-2 correspondam aos casos mais graves; portanto, no pico da infecção, ao menos cinco mil pessoas necessitariam de atendimento médico-hospitalar.

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Uma das críticas ao governo é a falta de transparência nas decisões de liberação de atividades em Santa Catarina. Há algum estado cujo plano estratégico pode ser tomado como referência?

Jeferson Tomazelli – Ao perceber a gravidade da situação, o governo do Estado de Goiás reuniu especialistas de diversas áreas para elaborar um plano estratégico, lançado em 19 de abril. Na equipe técnica multidisciplinar, além de economistas e estatísticos, há epidemiologistas matemáticos da Universidade Federal de Goiás e nesse plano consta o modelo utilizado para dar suporte às decisões do governo daquele estado.

O plano faz projeções a partir de dados sobre o número de novos casos registrados diariamente, levando em conta estimativas do número de reprodução básico da Covid-19 em Goiás. Nessas análises, levam em conta as limitações do próprio modelo, para que as decisões sejam tomadas com certa margem de segurança.

Quando lidamos com dados empíricos, como numa pesquisa de intenção de voto, por exemplo, é necessário conhecer o perfil dos eleitores antes de analisar esses dados através de métodos estatísticos, para que os prognósticos sejam fidedignos.

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Entre as medidas que geram mais pressão para serem alteradas em SC está a suspensão do transporte público. O governo alega que este meio eleva os riscos de contágio. O município que reivindica essa mudança há mais tempo é Joinville, cuja prefeitura argumenta que existem 400 ônibus disponíveis enquanto as pessoas têm que se deslocar aglomeradas em vans. O que seria mais seguro?

Rodrigo Rocha – O governo do Estado libera atividades com base no número de leitos e nos dados sobre a evolução da pandemia; a partir disso tenta justificar suas ações, mas não revela os documentos sobre os estudos que estão por trás dessas decisões. Liberar atividades e, ao mesmo tempo, não oferecer serviços estruturados deixa a população numa situação vulnerável.

Onde estão esses estudos? Qual o critério que permite que as pessoas se desloquem de suas residências até o trabalho, sem viabilizar o meio de transporte urbano mais eficiente, que é o ônibus? Este é mais um exemplo de falta de transparência nas ações do governo. Não podemos nos sentir seguros enquanto os estudos que fomentaram as decisões envolvendo a saúde, a vida das pessoas e a economia permanecerem em sigilo.

Os estudos nos ajudam a compreender essas decisões. Se o estudo que levou o Estado de Santa Catarina a suspender o transporte coletivo fosse transparente, poderíamos responder sua pergunta com maior convicção. Mas a situação atual sugere uma incoerência, em liberar atividades sem que a população tenha acesso a esse transporte.

Jeferson Tomazelli – Do ponto de vista epidemiológico, quanto maior a aglomeração de pessoas, maior o risco de contaminação pelo agente patogênico. Se os meios de transporte forem precários, a taxa de contágio aumenta consideravelmente, devido à redução do distanciamento social entre indivíduos suscetíveis e infectados. Não se reorganizam relações comerciais, a partir de regras de distanciamento social, sem a reestruturação conjunta do sistema de transporte coletivo.

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Há uma incongruência evidente nas ações do Estado, ao liberar as atividades de comércio sem garantir a segurança da população que depende desse meio de transporte para se deslocar de casa à escola e ao trabalho. O Governo Federal e o Governo de Santa Catarina têm disponibilizado valores orçamentários e execução de despesas relacionadas ao enfrentamento da pandemia da Covid-19 através dos portais de transparência de suas Controladorias Gerais.

Entretanto, não constam os laudos técnicos a partir dos quais se estabelecem critérios de controle de isolamento e distanciamento social. Essa informação não pode ser sonegada à população.