Após quase seis meses de constantes críticas do presidente Luíz Inácio Lula da Silva e seus ministros ao Banco Central do Brasil (BC) por manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano para controlar a inflação, o Conselho Monetário Nacional se reúne hoje. O objetivo é decidir se mantém ou não as metas de inflação de 3% para 2024 e 2025. O ex-ministro da Fazenda, economista Maíson da Nóbrega, que fez palestra na Expogestão em Joinville nesta quarta-feira, criticou o governo por essa pressão.
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Em longa e didática resposta para a coluna, Maílson disse que o Banco Central está certo na política de controlar a inflação. Deixou claro que o BC é um órgão de Estado e não de governo, tem a função de controlar a inflação para o bem da economia, o que gera melhores resultados para todos dos brasileiros, inclusive mais lucro para empresas.
O Conselho Monetário Nacional é integrado pelos ministros da Economia, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do BC, Roberto Campos. Maílson, que foi ministro da Fazenda no governo de José Sarney e acompanha a economia brasileira nas últimas quatro décadas, faz um relato histórico e lembra que o BC do Brasil, nos últimos 10 anos, foi eleito o melhor do mundo por duas vezes. Confira a explicação do ex-ministro:
O Brasil acompanha uma série de críticas do governo ao Banco Central e ao seu presidente, Roberto Campos. Quem está certo e quem está errado, na sua avaliação?
– Sem medo de errar, quem está errado é o governo. Não existe país no mundo minimamente relevante em que o governo em peso fala mal do Banco Central, condena a taxa de juros e fulaniza a discussão sem citar sequer o nome de batismo do presidente do BC. O Lula o chama de “esse cidadão” e sem olhar as lições da história.
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O Banco Central até pode errar, até os ricos (países ricos) erram porque a política monetária não é uma ciência exata, não tem a precisão da engenharia. Na política monetária entram questões sociais, arte. Não é só ciência. Mas há um desenvolvimento intenso, dos últimos 70 ou 80 anos dos bancos centrais de todo mundo que desenvolveram experiências, métodos, regimes.
Então, a capacidade dos bancos centrais de exercer adequadamente a política monetária para coibir surtos inflacionários tem toda a tecnologia que teve nas discussões do Brasil. O Brasil usa as melhores práticas do mundo.
Uma coisa interessante, o Banco Central do Brasil, nos últimos 10 anos, foi eleito duas vezes o melhor banco central do mundo porque é um banco central constituído de equipe técnica de alto gabarito. Gente com mestrado e doutorado, com experiência, formados nas melhores universidades internacionais.
O Brasil passou a fazer parte dos comitês do Banco de Compensação Internacional (BIS), que é o banco central dos bancos centrais. Os funcionários do BC do Brasil foram estagiar em outros bancos, trouxeram o ‘estado da arte’ da política monetária e as pessoas não entendem. Isso porque o Brasil não avançou na compreensão da questão monetária. Tem até uma questão de origem. O BC do Brasil, no início, era um banco de desenvolvimento. Financiava a agricultura, a exportação.
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E a elite brasileira tem uma percepção de que o BC é um órgão do governo. Então, se o objetivo é desenvolver, basta baixar a taxa de juros. É incrível como as pessoas acreditam nisso. O Banco Central é um órgão de Estado porque, por lei, ele tem autonomia.
“Elas não se encontram e aí gera inflação”.
As pessoas pensam que, se baixar a taxa de juros o crédito vai se expandir, as pessoas vão comprar mais. Isso acontece. Só que vai dar errado. Só dá certo se um aumento da demanda resultante da queda de juros for correspondente a um aumento de oferta, de produção. Só que o efeito da queda dos juros é instantâneo. Mas a oferta do mercado é lenta. Você leva 10 anos para fazer uma fábrica, uma safra para plantar mais.
Isso gera desequilíbrio. A demanda cresce mais do que a oferta. Quando isso acontece, a inflação é o resultado. Nós brincávamos no Ministério (da Fazenda): o problema de estimular a demanda é que a demanda sobe de elevador, só que a oferta sobe de escada. Elas não se encontram e aí gera inflação.
E o pior. A experiência brasileira mostra que isso dá errado. A presidente Dilma fez isso. Ela mandou o Banco Central reduzir a taxa básica de juros, o presidente do Banco Central convenceu os diretores que era melhor porque se ele fosse demitido iriam trazer qualquer pessoa que concordasse com a tese e seria pior. Então eles baixaram os juros.
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Isso comprovou a tese que o Mario Henrique Simonsen (ex-ministro da Fazenda) sempre dizia: as ideias que dão errado no Brasil, segundo umas correntes de opinião e o PT é uma delas, têm que ser tentadas até dar certo.
É isso que eles estão tentando. Isso deu errado e vai dar errado de novo. E o que é mais incrível é que os empresários estão nessa. Um grupo de entidades empresariais de São Paulo assinou um manifesto contra o Banco Central para baixar a taxa de juros.
O que vai acontecer: a inflação vai voltar, a confiança vai cair, haverá fuga de capitais, mais dificuldades para fechar o balanço de pagamentos. É incrível como eles estão trabalhando para ter menos lucros no futuro. Isso decorre de uma grande desinformação de como funciona a política monetária, infelizmente.
E temos o chefe da casa civil (ministro Rui Costa), dizendo, com todo respeito, uma bobagem. Ele descobriu que o presidente dos EUA pode demitir o presidente do FED (o BC de lá) no primeiro ano de mandato. O que acontece: o mandato do presidente do BC americano não é coincidente com o do presidente da República. Então, quando o presidente da República assume, no fim do ano o mandato do BC também termina. Aí ele pode mantê-lo ou substituí-lo. Então, quando ele sai não é porque o presidente demitiu, é que acabou o mandato.
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Ele (Costa) usou esse argumento dizendo que é hora de acabar com a independência do BC do Brasil, que é uma grande conquista institucional. Esperamos por isso 50 anos. E no início, o Banco Central do Brasil era independente, todos os diretores com mandato fixo. Quem acabou com a independência, formalmente, foi o presidente Ernesto Geisel, mas o presidente Costa e Silva foi quem desmoralizou a instituição porque demitiu o presidente do BC.
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos, tem quatro razões para resistir a essas pressões. Primeiro, porque ele sabe a história; segundo, porque ele tem uma missão de que, como primeiro presidente do Banco Central independente do Brasil precisa lutar para fazer história; terceiro porque o avô dele, economista Roberto Campos, foi um dos autores da lei que criou o Banco Central.
E o quarto fator é reputação. Ele é um profissional que será respeitado no mercado financeiro pela experiência anterior e pelo que está acumulando agora no governo. O passe dele vai ser mais alto. Se ele renunciar, vai mostrar que não tem fibra. Então, o passe dele no mercado cai muito. Eu acho que ele tem percepção disso – explicou Maílson da Nóbrega.